Por Silas Colombo, da Veja São Paulo
Quem chega ao saguão de entrada do Palácio Anchieta, no
centro, dá de frente para dois televisores que transmitem a agenda do dia, a
previsão do tempo e dicas de saúde. As imagens também são vistas em outros 245
aparelhos e mais 31 projetores e telões espalhados nos corredores dos doze
andares e em todos os 55 gabinetes do prédio. O parque multimídia deve ganhar
um reforço nesta semana com a chegada de 22 aparelhos de 55 e 70 polegadas com
tecnologia LED, encomendados em janeirostança ao custo de cerca de 50 000
reais. Às vésperas da Copa do Mundo, muitos funcionários do local já comemoram
a chance de ver o escrete nacional em alta definição. Os vereadores parecem
mais indiferentes ao negócio. “Nos jogos importantes, duvido que alguém fique
por aqui”, afirma um deles, com a condição de permanecer no anonimato.
Com as novas aquisições, o prédio terá um total de 300
equipamentos do tipo, o que dá uma média de cinco por parlamentar. O Congresso
Nacional, que está longe de ser um modelo de austeridade, possui 827
televisores para 594 políticos (aproximadamente um per capita). “Não tem onde
pôr mais TV aqui”, critica o vereador José Police Neto (PSD), que comandou a
Casa entre 2011 e 2012, quando afirma ter trocado todos os monitores por
modelos “modernos e finos”. Procurado por VEJA SÃO PAULO, o atual presidente,
José Américo (PT), não quis dar entrevista sobre o assunto. Por meio de nota,
negou que os aparelhos tenham sido adquiridos para o Mundial. Segundo o
comunicado, o novo lote teria sido comprado para substituir modelos antigos e
melhorar a visualização das sessões no plenário.
A Câmara Municipal de São Paulo tem o maior orçamento entre
as casas legislativas municipais. Seus gastos aumentaram 150% nos últimos dez
anos. Para 2014, o orçamento previsto é de 538 milhões de reais, mais que o de
uma cidade como Presidente Prudente, de 220 000 habitantes. Dá um gasto de 10
milhões por vereador — no Rio, a média é de 8 milhões de reais. Os salários de
funcionários e parlamentares por aqui representam quase 40% do orçamento.
Despesas de manutenção e compra de materiais consomem o restante do dinheiro.
A compra de TVs é apenas o item mais recente de uma série de
contratos polêmicos. Em 2011, por exemplo, uma equipe de onze programadores
concursados começou a desenvolver um software para dar suporte às bases de dados
e plataformas digitais do Legislativo. Antes de terminarem a tarefa, foram
atropelados por uma mudança de planos. No meio do ano passado, um sistema
pronto para a mesma finalidade foi comprado por 57 milhões de reais pela
presidência. E o que fazem hoje aqueles especialistas? Limitam-se a trabalhos
burocráticos, como a digitação de processos.
Decisões como essa são tomadas em reuniões veiculadas na
internet em vídeos, que, até novembro, eram gravados pelas próprias câmeras do
circuito interno. Após reclamações sobre a qualidade da imagem e enquadramentos
que não favoreciam os políticos, dezoito câmeras de alta definição foram
adquiridas em outubro por 1,2 milhão de reais. “O alto custo é justificado pela
qualidade dos equipamentos, mas a necessidade de comprá-los deve ser
questionada”, critica Police Neto.
A fachada de vidro do prédio, com quase 244 metros
quadrados, ganhou revestimento à prova de bala. Realizada no mês passado, a
reforma foi feita em caráter emergencial, ou seja, sem licitação, após quatro
tiros terem sido disparados contra o edifício em julho. Pelos serviços, 1,5
milhão de reais foram pagos à Blindaço Blindagem Arquitetônica. Sem se
identificar, a reportagem de VEJA SÃO PAULO cotou o mesmo trabalho na empresa e
em outras duas concorrentes. Os orçamentos variaram de 750 000 a 900 000 reais
(o da Blindaço). Segundo a companhia, a diferença no preço pago pela Câmara
deveu-se à urgência da operação na época. “Tivemos de deslocar uma equipe extra
para terminar tudo em cinco meses”, justifica Carlos Serrat, diretor comercial
da Blindaço.
Até o leite oferecido na Câmara tem gosto suspeito. Cada um
dos 21 800 litros do produto integral e desnatado consumidos anualmente por lá
sai por 3,57 reais. É o dobro do preço atual no comércio varejista da cidade,
de acordo com o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da USP
(Cepea). Em nota, a presidência da Câmara afirmou que o preço era de 3,78 reais
em junho do ano passado, quando o contrato foi fechado, segundo uma pesquisa
feita pela equipe responsável por essa licitação. O Cepea tem um dado bem
diferente. De acordo com os seus técnicos, o valor médio do leite era, na
verdade, de 1,79 real no período.
Mesmo com todo o amparo orçamentário, cada vereador ainda
consome 135 000 reais por mês para pagar dezoito assessores e bancar os gastos
do gabinete. Desde que voltaram às atividades, no começo do mês, os políticos
analisaram catorze projetos, boa parte deles sem a menor relevância, e se
reuniram nove vezes. O ritmo é lento e ainda deve piorar com a parada no
Carnaval. Depois, ainda tem a Páscoa — e, claro, a Copa.
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