Fiquei contente, no ano passado, quando soube que uma
brasileira residente no Canadá desenvolveu um aparelho para identificar
substâncias alergênicas e agrotóxicas nos alimentos que consumimos. É bom saber
que tais informações, hoje obtidas por especialistas em laboratórios
sofisticados, podem estar à disposição de todos por meio de um instrumento de
fácil manejo.
Não tenho uma visão salvacionista da tecnologia, mas acho
que pode ser um instrumento para democratizar a informação e ajudar nas
decisões da sociedade. Em nosso país temos o exemplo estarrecedor da
desinformação sobre agrotóxicos. Há estimativas de que cada brasileiro consome,
em média, 5,3 litros de substâncias que podem contaminar o leite materno,
causar distúrbios hormonais, câncer de mama e de próstata, entre outros males.
É evidente que há controle econômico das informações.
Afinal, a venda de agrotóxicos alcançou, em 2010, US$ 7,3 bilhões. O Brasil é
campeão, consome 20% do agrotóxico produzido no mundo. É o paraíso dos grandes
laboratórios, que aqui vendem vários produtos proibidos na Europa e EUA.
A liberação e fiscalização está a cargo do Ministério da
Agricultura, Anvisa e Ibama, mas sofre restrições políticas e pressões
econômicas. As decisões são tomadas longe da sociedade. Por exemplo, Anvisa e
Ibama perderam em 2013 a competência legal de declarar emergência
fitossanitária com um decreto presidencial (regulamentando uma lei oriunda de
Media Provisória). Três dias depois da publicação do decreto, foi declarada uma
emergência e dada autorização para importar toneladas de veneno produzido por
um grande laboratório.
A bancada ruralista, em acordo com o governo, quer criar um
órgão nos moldes da CTNBio para analisar a liberação de novos agrotóxicos.
As batalhas são nos bastidores. De um lado está a Associação
Nacional de Defesa Vegetal (Andef), que congrega os fabricantes). Do outro,
estão Associação Brasileira de Saúde Coletiva, Fundação Oswaldo Cruz e
Instituto Nacional do Câncer, que fazem pesquisas com alertas preocupantes
sobre os efeitos dos agrotóxicos no organismo humano.
A contradição é evidente. A sociedade cria mecanismos de
transparência e controle democrático, ampliados pela tecnologia muitas vezes
desenvolvida de forma colaborativa. Os governos tomam posição oposta,
defendendo acentuadamente os interesses da oferta.
Consciência, compromisso com a qualidade de vida e o
ambiente saudável, inovações tecnológicas que dão poder aos cidadãos, essas são
as condições para que todos possam influir nas decisões públicas, para dar a
palavra à demanda por mais respeito à vida.
Se não defendemos nossa saúde, quem o fará?
Marina Silva, ex-senadora, foi ministra do Meio Ambiente no
governo Lula e candidata ao Planalto em 2010. Escreve às sextas na Folha de
S.Paulo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário