Por Sílvio Barsetti, O Estado de S. Paulo
As ''perdas internacionais'' e o embate permanente com as
organizações Globo talvez não estivessem no topo da lista de preocupações de
Leonel Brizola (1922-2004) ao longo de boa parte de sua vida pública. O
ex-governador do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro - em dois mandatos -,
convivia diariamente com uma adversidade caseira, sobre a qual não exercia
nenhum controle. Chamava-se Neusinha Brizola, sua filha, famosa por escândalos,
quase todos relacionados ao consumo de drogas.
"Minha vontade é sentar o relho no teu lombo",
disse uma vez o então candidato à Presidência da República pelo PDT para a
filha. Isso porque Neusinha escondeu um tablete com um quilo de heroína debaixo
de um assento do carro utilizado pelo pai durante a campanha. Por vários dias,
Brizola circulou pelo Rio com a droga alojada no veículo. Seu motorista se
surpreendeu ao descobri-la e, nervoso, fez o relato ao patrão.
Brizola se enfureceu e desferiu um ''não rotundo'' à
Neusinha. "Que porcaria é aquela que o chofer encontrou debaixo do meu
banco? Então você me faz andar pra cima e pra baixo, durante quase um mês, com
a bunda em cima de um quilo de droga?" O sermão continuou e, por fim, ele
expulsou a filha de casa. "Minha vontade é de te cagar a laço, tchê."
Neusinha foi morar em Amsterdã.
Essa história está relatada na biografia ''Neusinha Brizola
Sem Mintchura'' (Editora Interface Olympus), que vai ser lançada nesta
quinta-feira, 20, no Rio (Fnac, no Barra Shopping). Os autores, Fabio Fabricio
Fabretti e Lucas Nobre, gravaram mais de 20 horas de entrevista com a
personagem, que morreu em 2011, aos 56 anos, vítima de complicações provocadas
por uma hepatite. A narrativa, na primeira pessoa, reúne intimidades da família
Brizola e mergulha no submundo vivido por Neusinha, presa diversas vezes por
porte de drogas.
A dor de cabeça de Brizola com as estripulias da filha o
levou a demitir o secretário estadual de Transporte, José Colagrossi, em 1983,
por causa de uma festa gótica organizada por Neusinha, com direito a fantasia
de Cleópatra, num prédio que pertencia à secretaria. Brizola governava o Rio
pela primeira vez e ficou contrariado com a repercussão e os detalhes do
evento. Numa área pública, instrumentos de tortura eram oferecidos aos
convidados, todos com roupas pretas e servidos por garçons encapuzados à Ku Klux
Klan.
Ao saber da decisão do pai, Neusinha foi a seu gabinete
tentar interceder a favor de Colagrossi. "Pai, o que você está fazendo não
é certo." Ouviu nova reprimenda. "Certo foi o que você e ele não
fizeram. Isso é insustentável. Aquele prédio pertence ao Estado, não é uma casa
de festas."
A relação tempestuosa entre os dois durou décadas e criou
outras situações de embaraço para Brizola. O terceiro colocado na corrida
presidencial de 1989, com mais de 11 milhões de votos, chegou a dizer que sua
tolerância com Neusinha havia se esgotado para sempre. Anos mais tarde, já no
leito de um hospital, em 2004, o político e a cantora, autora do hit Mintchura,
ensaiaram uma aproximação. Ela se dizia arrependida por ter deixado o pai em
apuros um sem-número de vezes. Flexível, ele aceitou o seu beijo.
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