Por Fabio Serapião, revista Carta Capital
Desde o retorno ao noticiário do escândalo de pagamento de
propina por multinacionais em troca de contratos do Metrô e dos trens
metropolitanos no estado de São Paulo, o governador tucano Geraldo Alckmin repete
um mantra: “ É preciso investigar”. Tem sido uma saída fácil para tentar evitar
uma decisão cada vez mais necessária e cada vez mais cobrada por aliados,
temerosos da repercussão do caso nas eleições de outubro: a demissão de todos os
citados no caso, inclusive dos três secretários-chave do governo listados pelo
delator do caso.
O governo não está errado. À exceção de um sincero esforço
de procurados e policiais federais nos últimos meses, tem faltado justamente
investigação. Em geral, os avanços na apuração devem-se ao compartilhamento de
documentos de processos em curso no exterior, em especial na Suíça.
Um caminho nem tão novo, mas inexplorado pelos investigadores,
envolve as offshore uruguaias de um personagem central do esquema, o consultor Arthur Teixeira. O documento inaugural do inquérito
instaurado em 17 de outubro de 2008 é uma representação do então líder do PT na
Assembleia Legislativa, Roberto Felício.
O parlamentar solicita a averiguação do uso das offshare no pagamento de
propina a agentes públicos ligados ao Metrô e à Companhia Paulista de Trens
Metropolitanos, a CPTM.
Trata-se das primeiras citações às hoje famosas Gantown
Consulting S.A. e Leraway Consulting S.A. Não por acaso. Quem municiou a representação
enviada ao Ministério Público Federal foi Everton Rheinheimer, ex-diretor da
Siemens que fez um acordo de delação premiada e está no centro das denúncias
contra integrantes dos governos tucanos.
Rheinheimer sempre foi um fantasma a assombrar o ninho
tucano. Mas um fantasma convicto sobre a necessidade de seguir o dinheiro
enviado para as consultorias de Teixeira hospedadas no Uruguai e na Suíça. Negou-se
a colaborar por anos com o Ministério Público Estadual por um motivo: para ele,
bastava seguir o rumo do dinheiro.
As autoridades
brasileiras, até agora ao menos, optaram por não seguir a sugestão do
ex-executvo da multinacional. Os autos sob tutela das autoridades brasileira não
possuem nenhuma informação sobre a s contas do lobista no Uguruguai. O pouco
que se sabe sobre os pagamentos efetuados são fruto de documentos enviados pela Suíça. Em outros países, como Inglaterra,
as investigações só prosperam gralhas a informações trocadas com autoridades
uruguaias.
Ai longo da investigação sobre o caso Siemens, são quatro o
número de menções a pagamentos ilícitos a agentes públicos no caso do cartel. No
inquérito da Polícia Federal, uma carta enviada por um funcionário de Mitsui, multinacional
japonesa que dividiu contratos com a Siemens, foi a primeira referência ao
pagamento de propina e à proximidade dls executivos da empresa com integrantes
do PSDB. Em seguida, nos mesmos autos, o ex-diretor da CPTM Benedito Chiaradia
confidenciou ao delegado da PF Milton Fornazari Júnior que Teixeira, domo das
consultorias Procint e Constech, participava de reuniões com diretores da
estatal. Os encontros teriam o objetivo de “tratar” do tema “propina”.
A tese Chiaradia, único a pagar o pato depois de denunciar o
pagamento de propina (ele acabou demitido, após prestar depoimento), reforça o
depoimento de um diretor da Siemens na Alemanha. Mark Gough havia relatado a autoridades
brasileiras a existência de suspeitas de pagamentos indevidos em contratos da
filial brasileira da multinacional no País.
Esse conjunto de declarações deu suporte para o procurador-geral
da República, Rodrigo Janot, afirmar ter encontrado “fortes indícios de existência
do esquema de pagamento de propina pela multinacional alemã Siemens a agentes
públicos vinculados ao Metrô de São Paulo”.
A conclusão do PGR, inserida em parecer enviado ao Supremo
Tribunal Federal, credita os indícios de pagamento de propina aos repasses de
dinheiro que envolvem a Siemens, a Alstom (e demais empresas do cartel) e as
consultorias de Teixeira no Brasil, no Uruguai e na Suíça. Agora, ou só agora,
o desafio dos promotores, procuradores e delegados é reunir nos autos o trajeto
do caminhão de dinheiro que transitou pelas contas do lobista. Para isso, é
preciso solicitar auxílio ao Uruguai.
Janot posicionou-se a respeito do assunto quando ainda não havia
lido a delação premiada de Rheinheimer. No documento, o ex-diretor não oferece
nenhuma prova concreta, mas detalha como se davam as negociações do esquema de
cartel nos contratos do Metrô e da CPTM e repete o que havia afirmado em
documentos entregues a petistas: a chave da investigação encontra-se no
rastreamento das contas dos Teixeira no exterior. O ex-diretor da Siemens vai
além e, pela primeira vez, cita o nome de agentes públicos e possíveis
destinatários dos pagamentos. Entre os citados, estão os três secretários de
Alckmin: Garcia, Aníbal e Aparecido.
Sobre os nomes citados, sabemos o seguinte: o democrata
Rodrigo Garcia, do DEM, é um aliado antigo dos tucanos paulistas. Nascido no
interior, na cidade de Tanabi, é advogado e empresário do setor imobiliário. Atualmente
deputado federal, foi presidente da Assembleia Legislativa e secretário
municipal na capital. Ate tempos atrás era sócio e principal aliado político de
Gilberto Kassab, com quem rompeu posteriormente.
Declarou na última eleição, em 2010, um patrimônio de 4,3
milhões de reais. Os principais bens declarados são um apartamento em São Paulo
e 99% nas ações da empresa Centroeste Agropecuária, na qual foi sócio de
Kassab. Entretanto, no fim do ano passado, a mídia noticiou negociações de uma
casa em nome da Centroeste na cidade de Porto Feliz. O imóvel estaria à venda
por 10 milhões de reais, mais que o dobro do patrimônio declarado. Na Junta
Comercial nada mais consta sobre o secretário. No TSE, algumas doações de 2010
despertam interesse. Recebeu contribuição direta de Rheinheimer no valor de 2
mil reais. Outros doadores de Garcia são os fiscais envolvidos na Máfia do ISS
na capital paulista: Douglas Amato,
Eduardo Barcelos, Fabio Remesso e o líder do esquema, Ronilson Bezerra.
Segundos os promotores do caso, esses mesmos integrantes do
bando que fraudava a arrecadação municipal se reuniam em uma sala localizada no
Centro da cidade e chamada de “ninho da corrupção”. O imóvel é de propriedade
do irmão de Rodrigo, Marco Aurélio Garcia. Os promotores desconfiam que ele
teria lavado dinheiro para o chefe do esquema e doador da campanha do seu irmão,
Ronilson Bezerra, por meio da venda de imóveis.
No depoimento sigiloso, o delator do caso Siemens afirma ter
tratado de “comissões” diretamente com Rodrigo Garcia. Os encontros aconteceram
quando o hoje secretário estadual presidia a Comissão de Transportes da
Assembleia Legislativa. Garcia teria sido indicado ao então diretor da Siemens
pelo próprio Teixeira, na definição do consultor “o político, o cara que resolvia, o ponto de
contato”. O advogado de Garcia, Alexandre Moraes, afirma que seu cliente está
disposto a fazer uma acareação com o delator para provar a fragilidade de suas
denúncias. Moraes nega ainda a venda do imóvel e seu valor. Sobre a relação do
seu cliente com seu irmão, o advogado aponta a inexistência de negócios entre
os dois e diz desconhecer as doações de campanha efetuadas por envolvidos na
Máfia do ISS.
Garcia teria deixado de ser “o cara” quando saiu da comissão.
Nesse momento, segundo Rheinheimer, seu lugar passou a ser ocupado por Aníbal,
com quem o delator diz nunca ter se encontrado. o assunto "comissões”, por
esses tempos, passou à alçada de um assessor informal do tucano, chamado Silvio
Ranciaro. Aníbal integra a alta cúpula do tucanato paulista e nasceu na cidade
de Guajará-Mirim, Rondônia. Na juventude morou em Belo Horizonte, onde
ingressou na política estudantil, foi amigo da presidenta Dilma Rousseff,
exilado no Chile e, depois, na França. De volta ao Brasil, fundou o Partido dos
Trabalhadores, para deixá-lo um ano depois, a caminho do PMDB.
Chegou ao PSDB, em 1989, foi líder do partido na Câmara dos
Deputados por duas vezes durante os governos de Fernando Henrique Cardoso. Também
foi vereador na capital. A última declaração de bens disponível é a de 2012,
mas publicada em Diário Oficial apenas neste ano. Consta 1,4 milhão de reais em
imóveis no seu nome, o apartamento onde reside e uma propriedade rural em
Ibiúna, no interior do estado. Outros 277 mil reais em bens móveis e 62 mil classificados
como outros bens. A Junta Comercial de São Paulo informa apenas que Aníbal
preside o conselho administrativo da Companhia Energética de São Paulo (Cesp). Entretanto,
expõe as empresas nas quais sua esposa, Edna Suely Matosinho de Pontes e sua
filha, Maria do Carmo Matosinho Peres de Pontes, participam do quadro
societário. São elas: Lofts Villa Rossa Ltda. E Taxaquara Golf Club. Uma terceira
empresa talvez chame um pouco mais a atenção, Bien Vivre Participações. Ligada ao
comércio de cosméticos, alimentos e vestuário, a empresa da esposa do
secretário tem como sócio um empresário da área de energia da Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
Marcos Augusto Coelho do Nascimento é proprietário de varias
empresas do setor de energia. Entre elas, a Tecniplan Engenharia integra o
consórcio Paulista Geradora de Energia, que possui um contrato de 27 milhões
com a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo para explorar o
potencial energético de algumas localidades no Sistema Cantareira. Por essas coincidências
do destino, pela Sabesp, o contrato foi assinado por Nilton Seauciuc, que tem
como sócio um companheiro do empresário Marcos Augusto Coelho na diretoria de
energia da Fiesp. E, por uma coincidência ainda maior, a Bien Vivre, da esposa
de Aníbal, está sediada na mesma sala onde a Tecniplan Engenharia desenvolve
suas atividades.
No Tribunal de Contas do Estado, o contrato da empresa do
sócio de Edna foi acolhido como regular por três conselheiros, um deles, Robson
Marinho, o ex-chefe da Casa Civil de Mário Covas e investigado por ter recebido
propina no caso Alstom. No endereço eletrônico do TSE, na página com os
doadores de campanha registados na eleição de 2010, Aníbal anotou ter recebido
2 mil reais de Teixeira e 4 mil reais da Focco Tecnologia, do indiciado por
lavagem de dinheiro João Roberto Zaniboni. O secretário diz nunca ter
encontrado ou tratado de qualquer tema com Zaniboni e Rheinheimer. Em relação
às doações, diz se referirem à compra de convites para um jantar realizado por
sua campanha. Explica ter encontrado Teixeira “umas duas vezes” em reuniões com
empresários quando Covas era governador. Afirma ser amigo de Ranciaro, mas
salienta que ele nunca teve liberdade para tratar de assuntos em seu nome. Sobre
a empresa da mulher, diz desconhecer até então o fato de o sócio ter contratos
com o estado. “Sou amigo do Marcos desde 1997. A empresa dele com minha esposa
era para importar sabonetes de uma importante marca portuguesa. Mas ela vai
deixar a sociedade”, explica o secretário, para quem a empresa ocupa a mesma
sala da Tecniplan pelo fato de Nascimento ser o responsável pelos trâmites de
sua abertura.
O terceiro citado na delação como destino da propina paga
pela Siemens é o paulistano Edson Aparecido dos Santos, chefe da Casa Civil de
Alckmin. Ele tem uma longa ficha de serviços prestados ao partido, do qual é um
dos fundadores. Começou a carreira política como assessor do falecido
arrecadador do PSDB, Sérgio Motta. Desde então, participou da coordenação de
todas as campanhas que levaram Covas e Alckmin ao Palácio dos Bandeirantes. Coordenou
ainda as campanhas de José Serra e Alckmin à prefeitura de São Paulo.
Aparecido não tem empresas em seu nome. Possui dois imóveis,
um em Maresias, Litoral Norte de São Paulo, e outro no bairro de Vila Nova
Conceição, o metro quadrado mais carro da capital. Registrado no 14° Cartório
de Registro de Imóveis no valor de 620
mil reais e apontado em sua declaração de bens com o mesmo valor, o apartamento
vale, segundo o índice ZAP Fipe, cerca de 3,7 milhões de reais. O próprio
secretário assume o aumento no valor do imóvel em 11 de novembro do ano
passado, quando instituiu o apartamento como “Bem de Família” no valor de 2,5
milhões de reais.
No TSE, em um primeiro momento, quatro doações chama atenção.
Duas de 2006, da Demop Participações e mais duas de 2010, da Scamvias
Construções. As duas empresas são do Grupo Scamatti, avo das operações Betume,
da PF, e Fratelli, do Gaeco de São José do Rio Preto. O dono do grupo, Olívio
Scamatti, é acusado de liderar uma organização criminosa que fraudava
licitações pagas com emendas parlamentares destinadas por deputado estaduais
paulistas. Aparecido caiu nas interceptações telefônicas das investigações ao
alertar Scamatti de uma diligência do Ministério Público que poderia encontrar irregularidades
em obras executadas por empresas do bando. À época dos delitos, o atual chefe
da Casa Civil era patrão do lobista Osvaldo Ferreira, acusado de pagar propina
a agentes públicos. Em relatório, a PF classifica como “nefasto” o tráfico de
influência exercido por Ferreira na Casa Civil do Estado de São Paulo.
No escândalo da Sanasa, responsável pela queda do então prefeito,
prisão do vice e da primeira-dama de Campinas, Aparecido é citado pelo também tucano
e proprietário da Saenge Engenharia, Luiz Arnaldo Pereira Mayer, como um dos líderes
partidários que estariam “intercedendo” nos negócios do líder do grupo, José
Carlos Cepera, com órgãos públicos de São Paulo. Mayer e Cepera foram presos. Aparecido
nega qualquer relação com o delator do caso, informa processar criminalmente
Rheinheimer e diz desconhecer Arthur Teixeira. Sobre os grampos nos quais
aparece ou é citado, o secretário preferiu não explicar e diz inexistir tais
conversas nos autos mensurados. “Trata-se de uma calúnia que esta revista tenta
imputar ao deputado federal.” Em nota enviada por sua assessoria de imprensa,
aparecido diz ainda que o lobista preso na Operação Fratelli foi seu assessor
quando ele ainda não chefiava a Casa Civil. Por fim, classifica como “insidiosas”
as afirmações referentes ao fato de o
seu imóvel estar registrado com valor quase quatro vezes superior ao declarado
no Diário Oficial.
Enquanto aguardam uma decisão do procurador-geral sobre a continuação
das investigações relativas a quem tem prerrogativa de foro, a Polícia Federal
e o Ministério Público interromperam a tomada de depoimentos. Ate agora,
sabe-se apenas que duas empresas de Arthur Teixeira sediadas no Uruguai foram
utilizadas pela Alston, outra envolvida no cartel, para pagar propina a
Zaniboni. Os dois negam.
O último registro sobre a movimentação dos documentos sob a
tutela do PGR aponta para uma petição, registrada na terça-feira 21,
direcionada ao gabinete do ministro Marco Aurélio Mello. A investigação se
beneficiará se Janot tiver explicitado no documento a necessidade de pedir ao
governo uruguaio a lista das transações financeiras efetuadas pelas duas
consultorias de Teixeira sediadas naquele país, a Gantown Consulting S.A. e a
Leraway Consulting S.A. É preciso investigar, como sugere Alckmin.
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