Os modelos de governança afastados da sociedade e de suas
mudanças dinâmicas levam os países aos becos sem saída das escolhas econômicas,
sociais e ambientais equivocadas. A superação das crises depende cada vez mais
da ampliação e aprofundamento da democracia.
Quem percebe isso acompanha com apreensão as tentativas de
controlar a internet, situadas entre dois extremos: o controle estatal rígido
–a censura política– e os privilégios de mercado para quem comercializa o
acesso –a censura econômica. Ambos reduzem as possibilidades de ampliação da
democracia e aprofundam a crise que balança a civilização.
No Brasil, o debate sobre o chamado Marco Civil da Internet
tem avanços e retrocessos. O que se decide é a nossa liberdade de comunicação e
direito à informação, incluindo os critérios de cobrança para acesso aos
serviços –e ainda o que as empresas e governos poderão fazer com os nossos
dados.
O projeto que está no Congresso Nacional reflete avanços e
retrocessos. É resultado de um amplo processo colaborativo, iniciado em 2009
pelo Ministério da Justiça, em que participaram autoridades públicas,
cientistas, ONGs, internautas, ativistas da internet.
A construção democrática da proposta, pouco comum em
assuntos estratégicos, chamou a atenção do mundo todo. Só uma lógica da
"oposição pela oposição", que só vê defeitos em tudo o que o governo
faz, pode desconhecer as evidentes qualidades do projeto.
No Parlamento, a força dos lobbies se fez sentir. Empresas
querem cobrar pacotes diferenciados e separar o acesso segundo o preço, como se
a internet fosse um canal de televisão pay-per-view. E o governo aproveita para
inserir seu desejo de controlar a rede com a desculpa de combater a espionagem.
Agora o Marco Civil foi sequestrado pelo "blocão",
em mais um "telecatch" entre o governo e sua base parlamentar. O
acesso e uso democrático da internet fica sob ameaça: depende, como vários
outras questões estratégicas, de uma governabilidade torta, feita com
distribuição de cargos e verbas, emendas e ministérios. Esse atraso só não é
evidente na lógica da "situação pela situação", que só vê qualidades
em tudo o que o governo faz, mesmo onde os defeitos saltam à vista.
É preciso ter uma posição clara em defesa da democracia e da
sociedade. Diversas organizações civis pedem que o projeto volte à pauta do
Congresso. O compositor Gilberto Gil, ex-ministro da Cultura, lidera uma
campanha de assinaturas nesse sentido.
Todos devemos entrar no debate para evitar que o exacerbado
desejo de controle suplante a democracia. Precisamos tirar nossos direitos do
varejo fisiológico e inscrevê-los nos ativos futuros da boa política.
Marina Silva, ex-senadora, foi ministra do Meio Ambiente no
governo Lula e candidata ao Planalto em 2010. Escreve às sextas na Folha de
S.Paulo.
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