Antonio Carlos Prado, ISTOÉ
O agora denunciado na Lava Jato Renan Calheiros incorporou
Raul Seixas – a seu modo particular, muito particular. Renan mostrou que também
prefere ser essa “metamorfose ambulante”: recentemente, ao nascer do sol, dizia
que decisão judicial como a liminar de Marco Aurélio Mello, afastando-o da
presidência do Senado, não era para ser cumprida; ao nascer da lua, já mantido
no cargo pelo pleno da Corte, Renan Seixas afirmava que determinação judicial
tem de ser obedecida. Trata-se de uma moral, digamos, por demais sol e lua. Mas
deixemos Renan com o rock de Rauzito, concentremo-nos na moral para
constatarmos que em Pindorama falta moral aonde dela se precisa, e sobra moral
aonde a sua presença pouco ajuda e muito atrapalha.
Essa inversão tem deformado o País, mas recomendo cuidado,
não confundir com a deformação tão bem moldada por Euclides da Cunha quando
compara o Brasil a “Hércules Quasímodo”. É outra a deformidade na questão da
moral, e o que calça feito luva nessa abordagem (da moral que falta e da moral
que sobra) é a escrita de Machado de Assis numa crônica de 1867. Ele diz que o
dia do nascimento da república seria também o dia do surgimento da “mais
insolente aristocracia que o sol jamais alumiou”. Aviso logo aos açodados aos
navegantes das ideologias de águas turvas: sou republicano.
Falta moral, por exemplo, àqueles que na Câmara dos
Deputados deterioram o pacote do MPF contra a corrupção e nele introduziram o
crime de abuso de autoridade a magistrados e membros do Ministério Público.
Fizessem isso e falassem “estamos morrendo de medo da Lava Jato”, tudo bem,
jogo jogado. O extremo do imoral é que pretendem convencer o povo de que agiram
para o bem da Nação — eles acham que a gente acredita que cachorro mia. Se
nessa questão falta moral, ela equivocadamente sobra, no entanto, nas campanhas
publicitárias no campo da saúde pública – e a saúde não comporta moralismos. É
urgente: no Brasil aumenta a transmissão de HIV e não vemos nenhuma campanha
falando diretamente ao público sobre prevenção, sem preconceito e moralismo.
Elenquem-se depoimentos de próprios soropositivos e teremos excelentes
mensagens. No caso da Câmara, a saída é a reforma político-partidária,
adequando-a a um padrão ético de representação popular. Mas cá na Ilha de Vera
Cruz tudo fica difícil porque há moral sobrando e moral faltando, ambas nos
lugares errados.


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