Lucas Berlanza, Instituto Liberal
O Rio está atrás das grades - e temos que pagar a fiança
Sou fluminense (no gentílico e no futebol!), sou carioca e
não tenho, nem jamais tive, qualquer vergonha disso, tampouco a intenção de
fazer as malas e partir daqui. Em nenhum lugar me sinto mais à vontade que na
minha Ilha do Governador, um pedacinho de terra cercado de água em plena e
majestosa Baía de Guanabara; poucas coisas me aprazem mais que frequentar a
quadra da escola de samba no fim de semana e não tenho muita objeção a fazer
quando me convidam a sentir o frescor do mar no quiosque da praia. Ah, e é
claro, eu também puxo o “esse” – eles dizem, pelo menos.
Porém, uma sociedade não pode ser feita apenas de suas
artes, sua cultura popular, as belezas naturais e urbanísticas à sua volta e,
principalmente, uma civilização não se faz apenas de suas diversões.
As grandes porções territoriais controladas pela criminalidade;
as endeusadas “favelas”, onde os meliantes mais abjetos estabeleceram seus
feudos e travam suas batalhas campais, ao arrepio da lei e da ordem – lei e
ordem essas que por vezes procuramos sem encontrar; os quase 120 policiais
mortos, cujos nomes rapidamente são esquecidos; a corrupção na própria polícia
em associações espúrias com parlamentares e traficantes, figurando nos
noticiários através das declarações algo precipitadas de um ministro da
Justiça, mas em cuja substancialidade nenhum cidadão têm dificuldades de
acreditar; a segunda taxa mais alta de desemprego do país e a situação
calamitosa das contas do governo; tudo isso depois de anos de euforia
descompensada com grandes eventos esportivos internacionais mostra que nosso
modelo é um retumbante fracasso. A quarta-feira, dia 23, trouxe uma novidade: o
Rio fracassado foi parar atrás das grades.
Com exceção da petista Benedita da Silva – minha santa
Aquerupita! – e do atual governador, o inexpressivo e acuado Pezão, todos os
governadores do Rio de Janeiro de 1999 até hoje, no momento em que escrevo
estas linhas, estão presos – Anthony Garotinho, Rosinha Garotinho e Sérgio
Cabral Filho. Na cadeia ainda estão os presidentes da Assembleia Legislativa do
estado no mesmo período – o próprio Cabral, Paulo Mello e o poderoso chefão
Jorge Picciani -, bem como a maioria dos membros do Tribunal de Contas do
Estado.
Também à exceção do governo tucano de Marcello Alencar –
que, no entanto, também era egresso do PDT -, todos os grupos políticos que
controlaram o nosso estado no período são e foram integrantes ou se apoiaram na
sigla de Brizola (bem como na escola política que ele e Darcy Ribeiro, com seu
“socialismo moreno”, estabeleceram para o Rio) ou no PMDB. Rachados, brigados,
denunciando-se mutuamente, não importa; não são muito diferentes. O isolamento
da sociedade hoje os iguala ainda mais.
Não parece nada equivocado dizer que, desde que Chagas
Freitas, ainda no regime militar, brincava com a máquina pública e o
clientelismo para dar as cartas, só o que fazemos é mudar o tom das mesmas
cores, ou vestir com os mesmos trajes e adornos de populismo e caciquismo
alguns poucos nomes diferentes. São muitas décadas, é muito tempo, não é nada
fácil de mudar. Contudo, esse pode ser o benefício do ponto de saturação a que
parecemos ter chegado. Desfilam sob os nossos olhos acusações de corrupção,
lavagem de dinheiro, organização criminosa – até com braço armado! -, evasão de
divisas, crimes eleitorais… Ninguém aguenta mais essa situação, é o que dizemos
todos os dias. Se ninguém efetivamente aguenta mais, é a hora de fazer algo a
respeito, ou então esta hora jamais chegará.
O Rio de Janeiro é uma terra governada por bandidos. Disse
certa vez, com muita generosidade, a manchete da Tribuna da Imprensa de Carlos
Lacerda – provavelmente o melhor governador que a região da cidade do Rio,
então Estado da Guanabara, jamais teve – que o brasileiro é “um povo honrado
governado por ladrões”. É uma forte sentença para mexer com os brios de uma
Cidade Maravilhosa que se apaixonou pela própria maravilha e cegou-se para tudo
o mais, se nós cariocas a aplicarmos especificamente a nós e, por extensão, ao
resto do estado, mas não creio que seja, ao menos não hoje, tão verdadeira.
Onde está essa honra? Persistirá alguma? Na verdade, a manchete falha ao
dissociar nossa gente do sistema que nos governa. Não somos inocentes. É do
nosso seio que todos eles saíram – e muitos entre nós os mantém por lá em troca
de agrados pouco republicanos.
Sei bem que a hora é de evitar messianismos e de entender
que precisamos, mesmo nacionalmente, de reformas na máquina pública, reformas
na legislação eleitoral, reformas de sistema político e tudo o mais, bem como
reconhecer que ideias precisam ser enfatizadas e não o personalismo de
“salvadores da pátria”. Contudo, não creio ser o dissonante ao dizer que
agendas são levadas adiante por pessoas e o Rio de Janeiro precisa mais do que
nunca de que façamos uma mudança genuína naqueles que ocupam postos de comando
– as eleições estão logo ali.
Sei bem também que as opções alternativas têm sido não menos
lamentáveis que aquelas que mantemos no poder. Sei bem que não é o caso de
trocar o velho por um velho travestido de novo, que na realidade representa uma
versão modernizada do radicalismo que caracterizava o lulopetismo, endossando
um modelo estatizante ultrapassado e que só tenderia a potencializar a crise
econômica e a corrupção. Não é o caso de abandonar nossos oligarcas
clientelistas e populistas para colocar no lugar aqueles que acreditam – ou
fingem acreditar – que socialismo e liberdade podem dar as mãos. Contudo,
alguma mudança precisa ocorrer.
Se nossos líderes também são um reflexo do que nos
permitimos tornar, quero crer que é de nós, é da sociedade civil, que poderá
vir uma saída. Precisamos gerar uma nova ordem de líderes. E precisamos de um
candidato que preste já, para 2018. Precisamos de um candidato para o governo
estadual, e de candidatos a deputados, que digam a verdade, mesmo que ela doa.
Precisamos de candidatos que não troquem nosso bem-estar por festas caras
feitas para superfaturar obras. Precisamos de candidatos que deem à segurança
pública e à criminalidade o tratamento inteligente, eficiente, mas por isso
mesmo duro e implacável que aguardamos por estas bandas desde a política nefasta
do brizolismo.
Precisamos criar esses candidatos; enquanto não fazemos
isso, não começaremos a pagar a fiança – afinal, junto com Garotinho, Cabral,
Picciani e cia., estamos todos nós, cariocas e fluminenses, dentro de uma cela
de tristeza, trancafiados na prisão do desânimo e da falta de perspectiva.
Nossa sociedade é responsável. Eu acredito que nosso crime é afiançável. Vamos
arregaçar as mangas para comprar de volta a nossa liberdade e nosso direito de
querer dias melhores. Alguém se apresenta para a missão?
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