David Fernández, EL PAÍS
2018, um ano de crescimento global sincronizado
O ano de 2017 que termina foi bom para a economia mundial,
com um crescimento em torno de 3,7%. As previsões de atividade foram sendo
revisadas para cima à medida que o ano avançava, especialmente na Europa. Além
disso, os dados positivos foram generalizados, como demonstra o fato de que
apenas 6% das economias fecharão o ano em recessão, enquanto 72% dos países
cresceram acima dos 2%, segundo dados do Deutsche Asset Management. No Brasil,
a atividade econômica também saiu do vermelho e o Produto Interno Bruto (PIB),
soma de todos os bens e serviços produzidos no país, cresce há três trimestres
consecutivos. A estimativa de crescimento no país para 2018 passou de 2% para
3%. Durante as últimas semanas, bancos de investimento, brokers e gestores de
fundos foram publicando suas previsões para 2018. A maioria dos especialistas
prevê que será outro bom ano para a economia. É verdade que há grandes nuvens no
horizonte, mas até agora os especialistas não acreditam que tragam tormentas.
“Os períodos de alto crescimento econômico costumam preparar
o terreno para seu próprio desaparecimento. Mas hoje em dia há pouca evidência
de uma recessão iminente”, explica Mark Haefele, diretor de investimentos da
UBS Wealth Management. “Historicamente, as recessões foram provocadas por um ou
mais dos seguintes fatores: limitações de capacidade, choques de preços do
petróleo, uma política excessiva de endurecimento monetário, reduções do gasto
público ou crises financeiras. Não parece que nenhum desses fatores vá se
materializar em 2018”, acrescenta Haefele.
A economia mundial deverá demonstrar a partir de agora que é
capaz de caminhar sem o apoio dos bancos centrais. O Federal Reserve aumentou
cinco vezes os juros nos últimos dois anos e começou a redução de seus
resultados. De sua parte, o Banco Central Europeu (BCE) reduzirá a compra de
ativos à metade e prevê finalizar o programa de incentivos no próximo mês de
setembro. A normalização das políticas monetárias, desde que seja gradual,
deveria ser compensada pelo ressurgimento de outros indicadores econômicos. “O
crescimento depende a partir de agora em menor medida do apoio dos bancos
centrais e ficou mais sincronizado em todo o mundo. Além disso, o consumo está
aumentando na China e nos Estados Unidos, enquanto que na zona do euro seu
nível se aproxima do nível anterior à crise. Esses aspectos, assim como os
investimentos corporativos, a melhora dos salários e do mercado de trabalho, e
o aumento da demanda doméstica devem empurrar progressivamente a alta das
economias em todo o mundo”, segundo Michaël Lok, presidente executivo da UBP
Asset Management.
O investimento em bens de capital despencou em 2009, porque
as empresas frearam gastos e planos de expansão. A recuperação do chamado capex
foi lenta, mas em 2018 se espera uma alta devido ao crescimento dos rendimentos
e ao clima de maior confiança. “O investimento empresarial voltou. Depois de
anos questionando a qualidade de uma recuperação dependente demais do rebote
cíclico do consumo, 2017 representou um ponto de inflexão na composição do
crescimento. Como resultado, estamos vendo os primeiros brotos verdes nos dados
de produtividade que podem reativar um motor completamente parado durante
anos”, afirma Javier Ortiz de Artiñano, analista da Fidentiis Gestión.
Do lado empresarial, também se espera, além da alta do
capex, outro fator de dinamismo, com as fusões e aquisições, alentadas pela
solidez da economia mundial, alguns níveis de efetivo empresariais
historicamente altos, custos de financiamento ainda baixos e o incentivo da
reforma fiscal norte-americana para a repatriação de dividendos. “O esforço
para criar líderes regionais na Europa é um fator de impulso adicional para os
movimentos corporativos”, relembra Michael Strobaek, responsável global por
investimentos do Credit Suisse.
O banco suíço também aposta em um impulso do comércio
internacional ao calor de uma expansão das principais economias. Os
intercâmbios comerciais entre os mercados emergentes, que viveram uma grande
bonança nos anos prévios às crises, mas que demonstraram um rendimento medíocre
desde então, devem avançar outra vez. “É provável que a recuperação dos grandes
exportadores de matérias-primas, que também são notáveis importadores de bens
de consumo, incluídos Brasil, Rússia e os produtores de petróleo do Oriente
Médio, contribua para essa tendência”, segundo Strobaek.
Atentos aos EUA
Grande parte dos olhares está voltada à maior economia do
planeta. Os EUA estão em uma fase de ciclo cada vez mais madura, mas os
relatórios de estratégia não apreciam sinais de recessão em curto prazo e
preveem crescimento do PIB superiores a 2% em 2018. “Os fundamentos continuam
apoiando sua expansão. A demanda interna continuará dando suporte ao
crescimento, assim como o consumo privado e o investimento, que crescem em
ritmos elevados, ao mesmo tempo em que o índice de desemprego está em níveis
mínimos”, destacam os analistas do Banco March.
A Europa foi uma das principais surpresas positivas do ponto
de vista econômico em 2017, e o consenso do mercado aponta para outra
trajetória na qual a velocidade de cruzeiro se manterá. O Deutsche Bank, por
exemplo, elevou de 1,8% para 2% sua previsão de crescimento para a zona do euro
em 2018. “Esperamos que a atividade se apoie em fatores como o consumo, o
emprego, um maior gasto público e mais investimento empresarial”, argumenta
Rosa Duce, economista-chefe do banco alemão.
A Espanha será, em mais um ano, um dos países europeus de
maior crescimento, com altas estimadas para seu PIB em torno de 2,5%. “O bom
comportamento da demanda interna continua sendo a tônica da economia espanhola
e aponta boas perspectivas para 2018, apesar das taxas de crescimento mais
moderadas em um processo de lógica normalização depois de anos de avanços acima
de 3%”, afirmam especialistas do Santander Asset Management.
Apesar dessas boas perspectivas, a continuidade da incerteza
política depois do resultado das eleições autonômicas da Catalunha poderiam
representar um freio ao dinamismo econômico espanhol. “O resultado eleitoral
demonstra a persistente polarização dos cidadãos e não resolve as tensões
políticas entre a comunidade autônoma e o governo central. Uma incerteza
prolongada teria como consequência uma deterioração ainda maior do clima
econômico”, advertem no Moody’s.
Há um ano a China despertava numerosos receios. A mudança de
seu modelo para uma economia mais exposta aos serviços do que aos produtos
industrializados, e as dúvidas sobre a solidez de seu sistema financeiro em
função da bolha de crédito alimentavam essa preocupação. No entanto, 2017 foi
um período estável para o gigante asiático, que já não cresce ao ritmo de cinco
anos atrás, mas que obteve um avanço estimado de 6,8% em seu PIB. Em 2018, a
previsão é que o crescimento possa ser um pouco menor, mas mantendo-se sempre
acima dos 6%, ainda que com importantes desequilíbrios para resolver. Os
principais desafios para o presidente Xi Jinping, segundo BlackRock, são três:
aprofundar as reformas e, ao mesmo tempo, manter a paz interna; reduzir o
endividamento das empresas e domicílios sem debilitar o sistema financeiro; e
administrar o conflito com os EUA pela supremacia mundial. “Se o equilíbrio
nesses aspectos for obtido, Pequim alcançará um crescimento ligeiramente abaixo
do de 2017, que seria suficiente para produzir reformas que beneficiariam o
conjunto dos países emergentes”, diz Helen Zhu, analista da gestora
norte-americana.
O cenário otimista desenhado pela maioria dos especialistas
para a economia mundial não está livre de riscos. O principal fator que pode
destruir um cenário tão favorável é a inflação. Uma alta nos preços forçaria os
bancos centrais a encurtar os prazos para desmontar o sistema de incentivos que
permitiu ao mundo deixar a Grande Recessão para trás. “A era do dinheiro barato
está chegando ao fim. No momento, o nível de normalização não é suficiente para
diminuir o crescimento global. No entanto, entrando mais em 2018, nem a
economia nem os mercados poderão desafiar a gravidade por completo”, advertem
os analistas da Nordea.
As previsões apontam que a inflação aumentará de forma suave
e, de qualquer forma, não reduzirá (sobretudo a subjacente) o limiar de 2% que
faz disparar os alarmes dos bancos centrais. Os economistas atribuem o índice
baixo a uma combinação de fatores demográficos (uma sociedade envelhecida
privilegia a poupança ao consumo), tecnológicos (vários avanços disruptivos são
claramente deflacionistas) e conjunturais (preços energéticos). Pois bem: é
possível manter sob controle os preços em um mundo que crescerá a índices
próximos a 4% pelo segundo ano consecutivo? “Em 2018, a inflação passará de um
fator situado abaixo das previsões para um indicador que as supere. Portanto,
poderia ser o ano das surpresas nas políticas monetárias”, alerta Guilhem
Savry, de Unigestión.
Jogar a prorrogação
A lógica leva a pensar que o risco de recessão aumenta
quanto mais a recuperação se prolongar. Alguns relatórios de estratégia começam
a destilar a ideia de que talvez estejamos consumindo os últimos anos de
bonança antes de que chegue a próxima correção. Os analistas do Robeco, por
exemplo, usam a metáfora esportiva “jogando a prorrogação” para nomear seu
relatório de estratégia de 2018. Em sua opinião, o melhor da partida
(econômica) já passou, mas o resultado (quando chegará a recessão) ainda não
está decidido. “A queda contínua das taxas de desemprego é um fator que
confirma que nos encontramos nas fases mais avançadas do ciclo. A diminuição do
desemprego é positiva, mas, historicamente, a saturação dos mercados de
trabalho não costuma favorecer a estabilidade econômica. Inevitavelmente, os
salários tendem a subir, a economia começa a esquentar, e os bancos centrais
reagem”, diz o banco de investimentos holandês.
A metáfora da prorrogação também é usada pelo Julius Baer,
mas dizem que esse período de acréscimo antes da materialização da mudança de
ciclo será bastante longo. “Em 2018 esperamos que a economia continue avançando
com certa dificuldade, aguardando a próxima recessão para o final de 2019 ou em
2020. As dinâmicas de inflação provavelmente continuarão ficando sob controle e
esperamos que os bancos centrais continuem apoiando a economia”, diz o banco
privado suíço.
As recessões costumam ocorrer quando algum tipo de alteração
(geralmente, uma mudança na política monetária) afeta uma economia que está
desequilibrada. Os flancos frágeis que a economia mundial agora oferece diante
da mudança de direção anunciada pelos bancos centrais são de índole financeira,
ambos provocados pelo longo período vivido com dinheiro barato: a forte
revalorização da maioria dos ativos e os altos níveis de endividamento. “No ano
2000, explodiu a bolha das pontocom. Em 2007 ocorreu o mesmo com as hipotecas
de alto risco. E agora nos encontramos em uma situação de bolha total que está
distorcendo a economia”, alerta Nick Clay, gestor do BNY Mellon.
Atualmente, os principais países são hipersensíveis ao custo
da dívida, ao nível das taxas de juros e ao valor dos ativos das Bolsas. “O
mundo viciado no crédito que os bancos centrais ajudaram a criar depende de que
os preços e os ativos financeiros continuem altos. Se os mercados balançarem e
o crescimento econômico começar a se ressentir, esses atores fariam exatamente
o mesmo que já fizeram: aplicar medidas de estímulo e injetar liquidez. Em sua
tentativa de controlar o sistema, acabaram tornando-o mais frágil, não mais
seguro: o montante de dívida agora é maior do que em 2007”, afirma Clay. A
situação não seria tão preocupante, de acordo com o gestor, se estivéssemos
iniciando a recuperação econômica. “Essa fase de alta, entretanto, está sendo a
terceira mais longa da história nos EUA: estamos no final do caminho, não no
começo”.
Junto ao dilema de que uma inflação maior do que a prevista
acabe com o roteiro dos bancos centrais, o outro grande obstáculo que a
economia deverá lidar é político. A vitória de Donald Trump, o Brexit e a
ascensão dos movimentos populistas na Europa foram fatores de instabilidade que
penalizaram a economia mundial nos últimos anos. Em 2018 também existem ameaças
geopolíticas como a crescente tensão entre a Coreia do Norte e as outras
potências, além de um calendário eleitoral recheado de datas (entre as mais
importantes estão as eleições no Brasil, no México e na Colômbia, além das
legislativas nos EUA), e renegociação do Tratado de Livre Comércio na América
do Norte (Nafta), o processo para selar a saída do Reino Unido da União
Europeia e a formação de Governo na Alemanha.
Definitivamente, para resumir o que se pode esperar do novo
ano do ponto de vista econômico, talvez convenha revisar as premonitórias
palavras pronunciadas em 2007 por Chuck Prince, à época executivo-chefe do
Citigroup: “Quando a música parar, em termos de liquidez, as coisas se
complicarão. Mas enquanto a música tocar, é preciso se levantar e dançar”. A questão
agora é ver por quanto tempo mais a orquestra continuará tocando.
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