sábado, 2 de dezembro de 2017

POPULISMO TUCANO

Da ISTOÉ
Qualquer eleitor que acompanhou a linha de atuação do PSDB nas últimas décadas ficou estupefato na semana que passou. Quando oposição, os tucanos vocalizavam as críticas mais mordazes contra qualquer investida do PT que ao menos tangenciasse o populismo irresponsável como instrumento eleitoral ou de poder. Hoje, o ninho tucano permanece o mesmo. Os bicos é que se dobraram convenientemente às tentações populistas. Senão vejamos. A julgar pelo histórico do PSDB, seria mais do que natural que a legenda franqueasse apoio automático às reformas estruturais propostas pelo governo Temer,especialmente a que reduz os privilégios da Previdência. Para surpresa geral, os parlamentares tucanos claudicaram.
Não há garantia de que a bancada de 46 deputados federais votará pela aprovação do texto. É espantosa a capacidade do PSDB de se dividir e revelar desorientação em momentos cruciais da história. Por isso mesmo, o chefe da Casa Civil, ministro Eliseu Padilha, adiantou-se à indecisão dos aliados e sacramentou: “O PSDB não está mais no governo”.
Tudo isso ocorre exatamente no momento em que o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, assume o comando do partido numa jogada heterodoxa em que todos os demais candidatos, como Tasso Jereissati e Marconi Perillo, se afastaram da disputa em favor de uma decisão clara e unicamente de cúpula – a ser sacramentada na convenção do dia 9 de dezembro. O objetivo final do tucano é ser ungido candidato do partido ao Planalto. Mas ele já enfrenta a resistência do prefeito de Manaus, Arthur Virgílio, que exige prévias tanto para o comando da legenda como para a candidatura à Presidência. Em meio à guerra interna, Alckmin ainda tem de enfrentar as correntes diversas do PSDB, populistas e oportunistas, que desejam se descolar de um governo que os próprios tucanos ajudaram a firmar no poder. A manobra da ala mais radical tem objetivo meramente eleitoreiro. Os integrantes que apostam no rompimento com Temer acreditam que este é o melhor caminho para garantir votos e assegurar a manutenção de mandatos nas eleições de 2018. A eles, pouco importa a história e os ideais da legenda criada em junho de 1988, de uma costela do próprio PMDB. Às favas com a coerência.
Não leu o que escreveu
Numa atitude condenável, o líder do PSDB na Câmara, deputado Ricardo Tripoli, encaminhou ao relator da reforma da Previdência, Arthur Maia, propostas que esvaziam por completo os efeitos do texto original. Diz Tripoli que só assim será possível garantir os votos dos tucanos. Mas as mudanças são profundas e demagógicas. Mantém-se a aposentadoria de servidores pelos salários da ativa e também o acúmulo de pensões acima de dois salários mínimos. Para beneficiar servidores públicos, as sugestões do PSDB para a Previdência reduziriam a economia esperada pelo governo com o projeto em R$ 109 bilhões. Mesmo assim, Tripoli afirma que é “falsa a informação de que o partido exige concessões”. Pelo jeito, ele não leu as próprias mudanças que propôs. Economistas ligados ao PSDB, como Elena Landau, ex-diretora de privatização do BNDES na era FHC, e Luiz Roberto Cunha, não perdoaram a postura traiçoeira. Advertiram que negar apoio ao texto original da reforma da Previdência que prevê um fôlego orçamentário de R$ 480 bilhões significaria abandonar “todo o esforço nessa direção feito ao longo do governo de FHC”. Diante dos últimos acontecimentos, Landau anunciou a deserção da sigla. Um dos formuladores do Plano Real, Edmar Bacha lamentou profundamente a postura tucana, ao lembrar que a reforma é uma das bases de tudo que o partido sempre defendeu.
De fato, o apoio do PSDB à agenda ficou apenas no papel. O recém-elaborado texto-base “Gente em primeiro lugar: o Brasil que queremos”, elaborado pelo Instituto Teotônio Vilela, e que tem a pretensão de traçar as diretrizes da legenda durante a campanha de 2018, é um poço de contradições. Traz como um dos mantras tucano a defesa da agenda de reformas, posta como um dos pilares da cartilha que todos os candidatos devem seguir em 2018. Ao mesmo tempo prega a intervenção do Estado na economia e defende a preservação de políticas assistencialistas. O texto ainda revela anacronismo ao reincorporar princípios em desuso como “choque de capitalismo”, pregado pela sigla há três décadas. Divulgado, o documento gerou fortes críticas internas. O senador Tasso Jereissatti tachou o texto de “caduco”. Elena Landau, de novo, bateu forte. “Não tem novidade, não tem ousadia, não tem sentido”.
Os conflitos internos do PSDB demonstram alto poder de destruição. Foi assim em 2002, com José Serra, em 2006, com o próprio Alckmin, e em 2010, com Aécio Neves. Nas três ocasiões, a sigla marchou rachada para a disputa. Deu no que deu. Agora, a incoerência e as contradições intestinas podem de novo minar as pretensões do partido, repetindo em 2018 uma sina que já dura mais de uma década e custou quatro eleições presidenciais. Foi exatamente a ameaça de um fiasco que levou Geraldo Alckmin a abandonar seu perfil low-profile. Agora, a principal tarefa é justamente conter os arroubos da ala mais jovem do partido, os chamados cabeças-pretas. Para eles, o PSDB só sobreviverá se marchar ao largo do governo Temer.
Cabeças mais experientes, porém, consideram que a tentativa de vôo isolado pode significar um suicídio, pois os tucanos sempre caminharam de braços dados com o PFL e o PMDB. FHC, em seus dois mandatos, governou com apoio de aliados e teve Marco Maciel (PFL-PE) como vice. Alckmin sabe muito bem que sua candidatura não vai prosperar se não conseguir refrear o oportunismo que ameaça dominar o partido. A julgar pela postura adotada pelo partido nos últimos dias, há riscos.
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