Da ISTOÉ
Qualquer eleitor que acompanhou a linha de atuação do PSDB
nas últimas décadas ficou estupefato na semana que passou. Quando oposição, os
tucanos vocalizavam as críticas mais mordazes contra qualquer investida do PT
que ao menos tangenciasse o populismo irresponsável como instrumento eleitoral
ou de poder. Hoje, o ninho tucano permanece o mesmo. Os bicos é que se dobraram
convenientemente às tentações populistas. Senão vejamos. A julgar pelo
histórico do PSDB, seria mais do que natural que a legenda franqueasse apoio
automático às reformas estruturais propostas pelo governo Temer,especialmente a
que reduz os privilégios da Previdência. Para surpresa geral, os parlamentares
tucanos claudicaram.
Não há garantia de que a bancada de 46 deputados federais
votará pela aprovação do texto. É espantosa a capacidade do PSDB de se dividir
e revelar desorientação em momentos cruciais da história. Por isso mesmo, o
chefe da Casa Civil, ministro Eliseu Padilha, adiantou-se à indecisão dos
aliados e sacramentou: “O PSDB não está mais no governo”.
Tudo isso ocorre exatamente no momento em que o governador
de São Paulo, Geraldo Alckmin, assume o comando do partido numa jogada
heterodoxa em que todos os demais candidatos, como Tasso Jereissati e Marconi
Perillo, se afastaram da disputa em favor de uma decisão clara e unicamente de
cúpula – a ser sacramentada na convenção do dia 9 de dezembro. O objetivo final
do tucano é ser ungido candidato do partido ao Planalto. Mas ele já enfrenta a
resistência do prefeito de Manaus, Arthur Virgílio, que exige prévias tanto
para o comando da legenda como para a candidatura à Presidência. Em meio à
guerra interna, Alckmin ainda tem de enfrentar as correntes diversas do PSDB,
populistas e oportunistas, que desejam se descolar de um governo que os
próprios tucanos ajudaram a firmar no poder. A manobra da ala mais radical tem
objetivo meramente eleitoreiro. Os integrantes que apostam no rompimento com
Temer acreditam que este é o melhor caminho para garantir votos e assegurar a
manutenção de mandatos nas eleições de 2018. A eles, pouco importa a história e
os ideais da legenda criada em junho de 1988, de uma costela do próprio PMDB.
Às favas com a coerência.
Não leu o que escreveu
Numa atitude condenável, o líder do PSDB na Câmara, deputado
Ricardo Tripoli, encaminhou ao relator da reforma da Previdência, Arthur Maia,
propostas que esvaziam por completo os efeitos do texto original. Diz Tripoli
que só assim será possível garantir os votos dos tucanos. Mas as mudanças são
profundas e demagógicas. Mantém-se a aposentadoria de servidores pelos salários
da ativa e também o acúmulo de pensões acima de dois salários mínimos. Para
beneficiar servidores públicos, as sugestões do PSDB para a Previdência
reduziriam a economia esperada pelo governo com o projeto em R$ 109 bilhões.
Mesmo assim, Tripoli afirma que é “falsa a informação de que o partido exige
concessões”. Pelo jeito, ele não leu as próprias mudanças que propôs.
Economistas ligados ao PSDB, como Elena Landau, ex-diretora de privatização do
BNDES na era FHC, e Luiz Roberto Cunha, não perdoaram a postura traiçoeira.
Advertiram que negar apoio ao texto original da reforma da Previdência que
prevê um fôlego orçamentário de R$ 480 bilhões significaria abandonar “todo o
esforço nessa direção feito ao longo do governo de FHC”. Diante dos últimos
acontecimentos, Landau anunciou a deserção da sigla. Um dos formuladores do
Plano Real, Edmar Bacha lamentou profundamente a postura tucana, ao lembrar que
a reforma é uma das bases de tudo que o partido sempre defendeu.
De fato, o apoio do PSDB à agenda ficou apenas no papel. O
recém-elaborado texto-base “Gente em primeiro lugar: o Brasil que queremos”,
elaborado pelo Instituto Teotônio Vilela, e que tem a pretensão de traçar as
diretrizes da legenda durante a campanha de 2018, é um poço de contradições.
Traz como um dos mantras tucano a defesa da agenda de reformas, posta como um
dos pilares da cartilha que todos os candidatos devem seguir em 2018. Ao mesmo
tempo prega a intervenção do Estado na economia e defende a preservação de
políticas assistencialistas. O texto ainda revela anacronismo ao reincorporar
princípios em desuso como “choque de capitalismo”, pregado pela sigla há três
décadas. Divulgado, o documento gerou fortes críticas internas. O senador Tasso
Jereissatti tachou o texto de “caduco”. Elena Landau, de novo, bateu forte.
“Não tem novidade, não tem ousadia, não tem sentido”.
Os conflitos internos do PSDB demonstram alto poder de
destruição. Foi assim em 2002, com José Serra, em 2006, com o próprio Alckmin,
e em 2010, com Aécio Neves. Nas três ocasiões, a sigla marchou rachada para a
disputa. Deu no que deu. Agora, a incoerência e as contradições intestinas
podem de novo minar as pretensões do partido, repetindo em 2018 uma sina que já
dura mais de uma década e custou quatro eleições presidenciais. Foi exatamente
a ameaça de um fiasco que levou Geraldo Alckmin a abandonar seu perfil
low-profile. Agora, a principal tarefa é justamente conter os arroubos da ala
mais jovem do partido, os chamados cabeças-pretas. Para eles, o PSDB só
sobreviverá se marchar ao largo do governo Temer.
Cabeças mais experientes, porém, consideram que a tentativa
de vôo isolado pode significar um suicídio, pois os tucanos sempre caminharam
de braços dados com o PFL e o PMDB. FHC, em seus dois mandatos, governou com
apoio de aliados e teve Marco Maciel (PFL-PE) como vice. Alckmin sabe muito bem
que sua candidatura não vai prosperar se não conseguir refrear o oportunismo
que ameaça dominar o partido. A julgar pela postura adotada pelo partido nos
últimos dias, há riscos.
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