Artigo de Fernando Gabeira
O que esperar da política em 2018? Fui a São Paulo, na
segunda, debater esse tema, num encontro de empresários. Naquele contexto,
entendi o verbo esperar como o resultado de uma dedução razoável dos dados
existentes. O fato mais importante de 2018 parece ser a eleição. E sobre ela
sabemos pouco, além das pesquisas. Existem métodos mais poderosos que utilizam
toneladas de dados e não uma simples pergunta de rua. Mas mesmo esses métodos
seriam eficazes mais tarde, quando o quadro estiver completo.
Na verdade, usamos cenários: PT e PSDB reproduzem o clássico
confronto? Um outsider, como Bolsonaro, pode quebrar essa escrita? Nesse caso,
quem sobrará no segundo turno? Trabalhar com cenários é alinhar hipóteses,
perseguir uma realidade que nos desafia. Assim como o poeta luta com as
palavras, lutamos com fatos ainda embrionários para prever sua evolução.
Na saída do encontro, nas ruas ensolaradas da Chácara Santo
Antônio, o motorista, de repente, disse:
— Lá se foi o ano. Passou rápido.
Senti, pela primeira vez em 2017, aquela sensação que em,
certo momento, aparece em todo final de ano, quando me dou conta de que estamos
próximos do réveillon. Uma sensação esquisita que combina a beleza e o mistério
da vida com a certeza de sua finitude. A partir daquele momento, resolvi
encarar o verbo esperar no seu outro sentido, o de desejar. O que, afinal,
gostaria de ver acontecendo em 2018? E até que ponto estou disposto a
contribuir para que isso aconteça?
Nesse sentido, o ano de 2018 já começou para mim. Tenho
planejado com amigos um novo site para acompanhar os acontecimentos do ano, com
o objetivo de contribuir com informações e análises para que as pessoas façam
boas escolhas nas eleições.
Um leitor me disse outro dia que há uma certa desolação nos
meus artigos. No entanto, acho que refletem a realidade. Nem sempre é possível
fazer boas escolhas com as alternativas disponíveis. Esse é um ponto mais ou
menos comum em nossas conversas. Em qualquer hipótese, entretanto, não basta
contribuir para que haja boas escolhas. É preciso desenvolver uma segunda
tarefa: a de fortalecer os mecanismos de controle da sociedade.
Já há um esforço de controle do mundo político por grupos
independentes. Pesquisam gastos partidários, parlamentares, execução de
orçamento. Na semana passada, em Teresópolis, cidade em que o prefeito e toda a
Câmara estão envolvidos em corrupção, encontrei um exemplo disso. É o
Observatório Social, que acompanha todas as despesas da prefeitura e já
conseguiu evitar que cerca de R$10 milhões fossem jogados no lixo com gastos
inúteis.
A articulação de todos os grupos voltados para a
transparência é uma forma de controle. Vai ser difícil esconder da garotada
tudo o que se passa com o dinheiro dos contribuintes. Outro dia, um caso de
corrupção em São Bernardo foi descoberto através do WhatsApp. Num grupo, uma
jovem contou que pagou para ganhar um cargo público. “Como assim?”, uma das
participantes perguntou. Conversa vai, conversa vem, o caso acabou caindo nas
mãos do Ministério Público, e descobriu-se que o secretário de Gestão Ambiental
estava vendendo cargos.
Reconheço que a fiscalização das contas é algo limitado. É
preciso fiscalizar também as políticas, a coerência entre promessas e prática.
Tudo isso virá com o tempo, se reconhecermos o valor dos grupos que trabalham
com a transparência. Sempre é possível argumentar que, no Brasil, mesmo quando
conhecidos, os crimes políticos não são punidos adequadamente.
De fato, esta é uma outra batalha. Governo e parlamento
ainda resistem aos novos tempos, mesmo quando todos os seus erros são
demonstrados de forma inequívoca. O Supremo Tribunal Federal é um espaço de
insegurança jurídica, onde alguns ministros jogam abertamente o jogo dos
políticos com os quais estão comprometidos. Se a sociedade se prepara para
denunciar esses crimes, e eles não são punidos, muito possivelmente para chegar
a essa situação anômala, os juízes terão de contrariar a Constituição.
Nesse momento é razoável contar com as Forças Armadas, não
para uma intervenção militar, mas para que declarem, com nitidez, que a
Constituição deva ser respeitada. Diante do panorama, a grande tarefa em 2018
não é só votar bem, nas circunstâncias. É também a de preparar a sociedade para
que se defenda melhor do banditismo político.
Apesar da aspereza de um confronto que ainda não acabou, nem
acabará tão cedo, minha intuição, percorrendo o Brasil a trabalho, é a de que
vamos sair desse buraco. É difícil traduzir essa esperança em palavras num
seminário ou mesmo numa crônica de jornal. Por enquanto, considerem que é
apenas uma licença poética supor que a sociedade possa derrotar o crime
político organizado e seus cúmplices nos altos tribunais.
Mas quando alguém descobrir, em dezembro, que 2018 passou
rápido e voltar aquela sensação mista de beleza e nostalgia pela vida, pelo
menos poderemos dizer que a realidade não foi algo assim totalmente
incontrolável e aleatória. Teríamos conseguido influenciar, pelo menos, o que
estava ao nosso alcance.
Artigo publicado no Segundo Caderno do Globo em 10/12/2017
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