Os depoimentos e documentos da delação premiada da
empreiteira Odebrecht deixam sem explicação cerca de 600 codinomes de
destinatários de propinas e repasses ilegais registrados nas planilhas do setor
de operações ilícitas da construtora.
A soma dos recebimentos dos 20 maiores beneficiários sem
identificação passa de R$ 100 milhões, segundo levantamento feito pela Folha.
Na documentação também há outro tipo de lacuna: uma planilha
intitulada "tradução" traz apelidos vinculados a nomes de políticos,
entre eles o do presidente da República, Michel Temer (MDB-SP), o do
pré-candidato ao Palácio do Planalto Ciro Gomes (PDT-CE) e o do vice-prefeito
de São Paulo, Bruno Covas (PSDB-SP), mas não há informações sobre repasses
ligados aos codinomes.
A reportagem analisou nos últimos quatro meses cerca de
2.300 listas de pagamentos que fazem parte do acervo de 76 mil páginas
apresentadas pela Odebrecht no âmbito da colaboração premiada assinada com o
Ministério Público Federal.
Além de subornos, as planilhas também contabilizavam
transferências com recursos do caixa dois da empresa para quitar despesas como
o pagamento de bônus por fora para alguns altos executivos da companhia, com
sonegação de imposto, segundo Hilberto Mascarenhas, que chefiou o departamento
ilegal de 2006 a 2014.
Nesse material bruto, disponibilizado pelo STF (Supremo
Tribunal Federal), o maior número de pagamentos está relacionado à alcunha
"conterraneo". Foram 103 transferências que somaram R$ 13,7 milhões.
Os repasses eram sempre do mesmo valor, R$ 125 mil, com
exceção de um no montante de R$ 1 milhão. Essas operações ocorreram em um
período de 10 meses, entre novembro de 2013 e agosto de 2014.
Em seguida na lista de principais recebedores vem o codinome
"eao", que foi associado a 9 desembolsos no total de R$ 7,6 milhões
entre 2008 e 2010.
Na delação da empreiteira fechada em dezembro de 2016, não
há explicação para esse apelido, porém uma ex-funcionária do departamento de
repasses ilegais vinculou o termo às iniciais do acionista e ex-número um do
grupo, Emílio Alves Odebrecht.
Segundo o texto de depoimento à Polícia Federal, a
ex-secretária da Odebrecht Maria Lúcia Tavares disse "que a sigla EAO,
encontrada em algumas planilhas apreendidas na residência da colaboradora
significa Emílio Alves Odebrecht".
Outro destinatário de valores milionários foi uma pessoa à
qual foi atribuída a alcunha "torrada". Esse beneficiário recebeu R$
5,6 milhões distribuídos em 14 repasses nos anos de 2009, 2010 e 2014.
TRADUÇÃO
Enquanto há dezenas de codinomes sem identificação, uma
planilha do material entregue pela Odebrecht, denominada "tradução",
registra nomes de políticos e seus apelidos correspondentes. Porém, no acervo
não é possível encontrar operações relativas às alcunhas ou esclarecimentos
sobre a inclusão deles no documento do Setor de Operações Estruturadas.
Esse arquivo lista, por exemplo, o presidente Temer
associado ao codinome "sem medo", Ciro Gomes ligado ao termo
"sardinha" e Bruno Covas relacionado à expressão "neto
pobre".
Segundo análise do Ministério Público, essa planilha foi
criada em junho de 2006 e modificada pela última vez em junho de 2008.
O acervo de papéis apresentado pela Odebrecht contém outras
omissões.
Como a Folha mostrou em em dezembro, as planilhas do
material bruto revelam apenas metade dos últimos sete anos de funcionamento do
setor ilegal, uma vez que faltam listas de pagamentos relativas a 178 semanas
no período de 2008 a 2014.
No último dia 13, reportagem também informou que pelo menos
15 perícias oficiais de tribunais de contas e da Polícia Federal contradizem a
alegação da Odebrecht e de seus executivos de que a empreiteira não
superfaturou obras incluídas no acordo de delação assinado com o Ministério
Público.
OUTRO LADO
A Odebrecht diz que sua delação já se provou eficaz. Michel
Temer, Ciro Gomes e Bruno Covas negam o recebimento de repasses ilegais.
Em nota, a empresa informou que seus "executivos e
ex-executivos forneceram informações em mais de 900 horas de depoimentos".
A assessoria de Temer relatou que o presidente
"desconhece a razão de seu nome constar aleatoriamente numa planilha, sem
qualquer informação adicional".
"Vale lembrar que, mais de uma vez, o chamado sistema
Drousys da Odebrecht, ao qual a reportagem se refere, já foi alvo de denúncias
de adulteração", completa a nota da assessoria.
Ciro Gomes nega ser beneficiário de valores ilícitos.
"Era anunciado que uma certa elite tentaria de qualquer forma incluir meu
nome nessa imundice que se transformou parte da política brasileira",
afirmou.
"Nunca em meus 38 anos de vida pública limpa, sem nunca
ter respondido a nenhum mal feito, tive qualquer relação ilegal com qualquer
empresa. Quem quer que se aventure a me envolver nisso será processado, como
sempre fiz".
Covas relatou que recebeu uma única contribuição da
Odebrecht em 2006, para sua campanha a deputado estadual, no valor R$ 7.500,
devidamente registrada na Justiça Eleitoral.
(FLÁVIO FERREIRA, DANIEL MARIANI, FÁBIO TAKAHASHI, GABRIELA
SÁ PESSOA, GÉSSICA BRANDINO e RODRIGO BORGES DELFIM)
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