Begoña Gómez Urzaiz,
EL PAÍS
Neste ano, muitas mulheres pararam alguns segundos na frente
de seu computador ou celular e viram a proliferação de #metoo e #eutambém em
sua timeline do Facebook ou seu perfil do Twitter, e se perguntaram: eu também?
E um número muito importante respondeu que sim, que #elastambém, apesar de até
aquele momento não terem sido vistas como vítimas de agressão sexual, simplesmente
porque ser agredida é “o normal”.
A feminista britânica Laura Bates se guiou por uma ideia
semelhante, visibilizar o invisível, quando abriu em 2012 seu site Everyday
Sexism, na qual qualquer mulher pode denunciar casos de machismo cotidiano, do
comentário de um chefe a um anúncio visto no metrô e até — é deprimente, mas é
comum — um estupro. Bates reuniu alguns desses testemunhos e refletiu sobre o
que significam em um ensaio recomendável, Sexismo Cotidiano, publicado na
Espanha pela editora Capitán Swing em outubro deste ano, mas ainda não
disponível em português. Estas são algumas de suas conclusões:
1. Se for começar uma frase com o preâmbulo “isso até soa
machista, MAS...” talvez seja melhor se calar.
Por exemplo, quando o jornalista Andrew Brown, do Daily
Telegraph, disse em relação às categorias femininas das artes marciais nos
Jogos Olímpicos de Londres: “Tenho consciência de que isso que vou escrever vai
soar totalmente sexista, mas é perturbador ver como todas essas meninas se
batem entre si...”. As atletas, inclusive quando se chamam Serena Williams,
continuam tendo dificuldades para que seus méritos sejam reconhecidos em si, e
não em relação aos homens.
2. Sempre haverá pessoas dispostas a culpar as vítimas.
Isso também comprovamos com desolação nos últimos tempos por
conta do caso Weinstein, por exemplo em colunas como a de Mayim Bialik no The
New York Times, que sugeriu que uma solução contra o assédio é “vestir-se
modestamente” e não sair por aí flertando, e também nos muitos comentários de
leitores que qualquer artigo sobre o tema recebe na linha de “ter falado
antes”, como se não fosse evidente o tanto que a vítima tem a perder e o pouco
que pode ganhar. O blog Everyday Sexism está cheio de testemunhos como esse:
“Em uma discoteca em minha universidade, um cara passou do meu lado e subiu a
mão por meu vestido, pela parte da frente, de uma forma muito violenta, e
depois continuou andando. Fiquei totalmente abalada, furiosa e confusa. Voltei
para onde estava meu grupo de amigos e contei a eles o que tinha acabado de
acontecer; apatia geral e zero surpresa. Um dos rapazes do grupo disse: ‘É que
você está usando um vestido muito bonito esta noite’”.
3. Relaxe, garota. Feminismo é falta de senso de humor.
Bates (que é alta, magra e loira) conta uma história
ilustrativa a respeito. Foi a um programa de televisão para falar sobre as
“garotas da página 3”, as famosas modelos que apareciam de topless nos
tabloides britânicos. O apresentador que a levou aos estúdios da BBC, ao vê-la,
deu por certo que ela representava os defensores da página 3, não os
contrários. “Era uma pessoa amável, gentil e loquaz, que não parava de falar e
contar piadas. Rimos muito até que revelei por acaso de que lado do debate
estava. Balbuciou, gaguejou e parou de falar. Depois daquilo a conversa
evaporou.” Como afirma a autora, a ideia de feminismo sem humor “é um
silenciador incrivelmente potente e efetivo” usado por exemplo para calar e
acovardar as mulheres que possam colocar objeções a uma piada machista em um
ambiente de trabalho ou na escola. Garota, relaxe, é só uma piada.
4. As mulheres políticas se resumem a tratar “temas de
mulheres”...
“A visibilidade das mulheres nos andares mais baixos do
poder político é usada muitas vezes como uma camada de verniz em questões de
igualdade”, relembra Bates. Preenche-se a cota colocando responsáveis políticas
nas áreas tradicionalmente consideradas da esfera feminina.
5. ... e são menosprezadas por isso.
“A sub-representação desanima muitas mulheres políticas a se
ocupar de ‘problemas da mulher’ para não ficarem marcadas como fracas”, diz a
teórica Kezia Dugdale. A própria ideia de women issues, entendidos como algo
que envolve desde a violência de gênero até a política reprodutiva, é
extremamente prejudicial, já que parece que os problemas sofridos pelas
mulheres são problemas de mulheres, o que não é a mesma coisa. Como se isso não
perpetuasse o sistema, e os homens que os sustentam.
6. Elas perdem se têm filhos...
A condição de mãe sempre passará por cima de qualquer outra,
qualquer que seja o contexto. No livro se recorda que quando a astronauta russa
Yelena Serova se preparava para ir ao espaço depois de anos de treinamento, o
que os jornalistas lhe perguntaram foi como isso afetaria a criação de sua
filha. Também quando em 2014 se anunciou o nome de Rona Fairhead, embaixadora,
ex-presidente do Financial Times Group e conselheira da PepsiCo e do HSBC como
candidata a dirigir o BBC Trust, o órgão que regulamenta a rádio e televisão
pública britânica, um jornal deu como título: “Mãe de três filhos, pronta para
dirigir a BBC”. Ninguém quer que se dê menos importância aos cuidados, mas que
sejam importantes para todos. Atualmente circula muito pelas redes uma conversa
que ao que parece aconteceu entre a prefeita de Barcelona Ada Colau e o
jornalista Antonio García Ferreras. Ele disse a ela: “Prefeita, última
pergunta, já que o seu filho te espera”. E ela respondeu: “E o seu espera a
você também”. E pronto.
7. ... E perdem mais ainda se não têm.
The New Statesman é uma revista clássica do trabalhismo; o
Sunday Times, um jornal mais próximo dos conservadores. Os dois, porém,
incorreram no mesmo erro em 2016: publicaram artigos, no caso da revista, na
capa, sobre as “líderes sem filhos”, buscando a relação entre as carreiras de
Angela Merkel, Theresa May, a escocesa Nicola Sturgeon e outras políticas, e o
fato de não terem filhos. A ex-primeira ministra australiana Julia Gillard
também foi apelidada por seu rival conservador de “deliberadamente infértil”.
Andrea Leadsom, que enfrentou May pela liderança dos tories, por sua vez, se
deu mal com a jogada no ano passado. Quando insinuou que sua oponente não podia
encabeçar um partido se sequer tinha encabeçado uma família, a opinião pública
voltou-se contra ela.
8. O corpo das mulheres grávidas é de domínio público.
“Saí para jantar e, quando fui pagar, o dono do lugar me
perguntou sobre minha gravidez. Para minha surpresa, me disse: que bom que você
conseguiu manter um peso baixo. É algo importantíssimo”, conta um testemunho de
Everyday Sexism. Há centenas de outros exemplos. Qualquer pessoa que tenha
passado por isso deparou com desconhecidos espontâneos de ambos os sexos que
oferecem mitos médicos sem base, conselhos (conselhos nada, exigências!) de
criação e sentenças universais nos locais mais insuspeitos. Como afirma Bates,
“a calvície afeta cerca de metade da população masculina a partir dos 50 anos,
mas não vemos pessoas estranhas na rua aproximando-se para fazer comentários
sobre a escassez de folículos, tocando o couro cabeludo alheio com toda
confiança, como se o processo biológico, devido a sua visibilidade, fosse de
alguma forma assunto público”.
9. Qualquer ambiente é bom para sexualizar uma mulher.
Bates reúne alguns exemplos que seriam cômicos se não fossem
tão trágicos: a vez em que Andrea Thatcher, neta da primeira-ministra, falou em
seu funeral e a mídia se entusiasmou: uma jovem loira e exuberante! Aos 15
minutos, o Daily Mail tinha subido pelo menos 20 fotos dela no site. Ou os
comentários suscitados por Amanda Knox, Foxy Knoxy para alguns veículos, e
Reeva Steenkamp, a mulher sul-africana assassinada por Oscar Pistorius pelo
fato de serem brancas, magras e sexualmente objetizáveis.
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