Do EL PAÍS
Um ano crucial para América Latina, com eleições no Brasil,
no México e na Colômbia
Para a América Latina, 2018 será um ano eleitoral de suma importância.
Os dois gigantes da região, Brasil e México, realizarão eleições presidenciais,
assim como a Colômbia, quarta economia regional. A Venezuela, protagonista de
uma crise política em constante escalada, supostamente também deve convocar uma
disputa para presidente. E, em Cuba, Raúl Castro anunciou que este ano
abandonará o poder. Veja o que está em jogo.
O Brasil celebra em 7 de outubro sua eleição mais importante
e mais imprevisível desde 1989, quando ocorreu a primeira escolha nas urnas de
um presidente após o fim da ditadura. A única coisa que se sabe com certeza é
que a surpresa daquela eleição, o então líder metalúrgico esquerdista Luiz
Inácio Lula da Silva, será também um protagonista da próxima disputa. Não se
sabe se Lula, presidente por duas vezes pelo PT e agora recorrendo de uma
condenação da Justiça, poderá ser candidato e se, caso não seja, terá, como
líder das pesquisas até agora, força para galvanizar apoios em torno do nome
que o substituir.
Do lado da centro-direita, também afetada pela Operação Lava
Jato, tampouco o panorama é claro. O veterano governador de São Paulo, Geraldo
Alckmim, do PSDB, caminha a passos largos para obter a candidatura do seu
partido, mas ainda trabalha para obter apoios de mais siglas enquanto tenta
vencer sua fragilidade nas pesquisas, especialmente no Nordeste. Há 24 anos no
poder do principal Estado do país, tentará conjugar o sentimento anti-Lula com
algum aceno de política social num país em que 70% do eleitorado tem renda
familiar de até 2 salários mínimos. Não é tarefa fácil, já que parte do apoio
entre investidores e empresários depende do endosso de Alckmin a indigestas
reformas, como a da Previdência.
Sem falar que Alckmin - ou quem quer que ocupe seu lugar no
espectro político- terá pela primeira
vez um adversário não só à esquerda, mas também à direita. A novidade da
eleição até o momento é o surgimento da candidatura isolada de extrema direita
do deputado e militar reformado Jair Bolsonaro, que aparece em segundo lugar
nas pesquisas baseada na pregação contra Lula e até na licença para matar para
policiais, um discurso de apelo em um país onde a violência urbana alcança
níveis alarmantes. Bolsonaro, por sua vez, terá de provar que sua força
eleitoral, é sustentável e perene, o que a maioria dos analistas duvida.
Seja como for, na crise profunda de credibilidade da classe
política atual, não se descarta que outsiders venham a surgir. No Brasil, o
clichê repetido é que tudo só se define mesmo é na campanha da TV, nas quais os
candidatos têm tempo gratuito para se vender aos eleitores de acordo com os
apoios partidários que consigam obter. Na divisão do tempo na TV, até o apoio
do PMDB, um partido à frente de um Governo com recorde de impopularidade, passa
a ter peso. Esse panorama, argumentam, costuma cortar o voo de qualquer
outsider. No entanto, com os últimos acontecimentos dentro e fora do país, pode
ser que clichês tenham ficado sem validade. Essa será a primeira campanha em
que os políticos poderão pagar por propaganda no Facebook, um passo com um potencial
imenso e ainda difícil de medir.
O calendário eleitoral já começará, na prática, com tudo
neste janeiro. O ano começará com mais um capítulo da novela jurídica de Lula,
acusado de ter obtido ganhos pessoais ilícitos como contrapartida por
supostamente ter facilitado contratos públicos. Lula já foi condenado em uma
das ações pelo juiz Sergio Moro. No dia 24 de janeiro, um tribunal superior vai
julgar se confirma ou não a pena. Tudo leva a crer que o ex-presidente deve,
sim, ser considerado culpado de novo, o que pela lei que visa tirar os
corruptos da política o impediria de concorrer. Ainda assim, resta um longo
caminho de contestações judiciais até o Supremo Tribunal Federal e o PT já
declarou que vai até o fim para manter Lula na corrida.
Não é uma questão menor: Lula, símbolo de uma era de ouro
especialmente para os brasileiros mais pobres, é o favorito isolado nas mais
recentes pesquisas, ainda que descontada a efetividade deste tipo de
levantamento tantos meses antes das urnas. O instituto Datafolha, de São Paulo,
estima que 38% dos eleitores como “lulistas” mais ou menos dispostos a seguir
sua indicação. Sem ele na disputa, cresce, por ora, a fatia de brancos e nulos,
abrindo ainda mais o campo das incertezas.
MÉXICO
Em 1.o de julho, o México realizará uma eleição presidencial
imerso num contexto profundamente difícil. Seis anos atrás, o presidente
Enrique Peña Nieto dava ensejo um sexênio de esperança, com uma série de
reformas obtidas com o consenso da maioria das forças políticas. Mas a segunda
parte do mandato prejudicou – e, em algumas ocasiões, solapou – a imagem do
país. Os casos de corrupção atingem continuamente o círculo mais próximo de
Peña Nieto e, inclusive, o governante Partido Revolucionário Institucional
(PRI). Além disso, a violência tingiu o país de sangue como nunca antes. Ante a
ausência de dados oficiais para dezembro, tudo indica que 2017 será o ano mais
violento desde que existem registros.
A batalha para suceder Peña Nieto já começou. A campanha
eleitoral se anuncia com hostilidades, mais brutal do que nunca e com um
possível cenário até agora inédito: três candidatos chegando com chance de
vitória até o último momento. Tudo isso em plena renegociação do Tratado de
Livre Comércio (TLC) com os Estados Unidos e o Canadá e com a sombra de Donald
Trump vindo do norte.
O líder em todas as pesquisas continua sendo Andrés Manuel
López Obrador, duas vezes candidato, líder do Movimento de Regeneração Nacional
(Morena), um partido que criou à sua imagem e semelhança quando abandonou o PRD
no início deste sexênio. Esta será a última vez – segundo ele – que López
Obrador tentará chegar à presidência, que perdeu em 2006 por meio ponto para
Felipe Calderón. O líder do Morena continua transmitindo uma imagem negativa
para um amplo espectro do eleitorado, que o considera uma ameaça para o país –
o que vem impedindo que desponte nas pesquisas.
E se alguém tem uma imagem ruim no México atual é o PRI,
que, para solucionar seu desgaste, optou por ter como candidato alguém que não
milita no partido, embora tenha pedido ao PRI que o faça “seu”: José Antonio
Meade. Ex-secretário da Fazenda e único membro do Gabinete de Peña Nieto que
esteve no anterior de Felipe Calderón, Meade é a aposta do partido tricolor
para se manter no poder, do qual, em 90 anos de história, só esteve longe
apenas entre 2000 e 2012.
Como alternativa ao partido considerado “da corrupção” e à
ameaça do suposto populismo, apresenta-se Ricardo Anaya, que até semanas atrás
era presidente do Partido Ação Nacional (PAN), a tradicional formação opositora
do México. Ele lidera a candidatura que seu partido cristalizou ao lado do
progressista PRD e do Movimento Cidadão – uma amálgama com muitas divisões
ideológicas que, no entanto, podem se consolidar nesta época em que preponderam
as emoções.
Enquanto o país espera para ver quantos candidatos
independentes poderão participar da batalha final – só Jaime Rodríguez El
Bronco e Margarita Zavala, esposa do ex-presidente Calderón, parecem ter lugar
garantido –, a única certeza é que os desafios do próximo mandatário do México
serão enormes. Além de conter a hemorragia da corrupção e da violência, ele
deverá articular, pela primeira vez na história moderna do país, um sistema de
Justiça independente que coloque um freio na impunidade galopante.
COLÔMBIA
Em maio de 2018, a Colômbia realiza eleições presidenciais
das quais dependerá, em boa medida, a consolidação do processo de paz com as
Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), após o acordo selado em
novembro de 2016 pelo Governo de Juan Manuel Santos. O mandatário deixa o cargo
após duas legislaturas que deram fim ao conflito armado com a guerrilha mais
antiga da América Latina e lhe valeram o Prêmio Nobel da Paz, mas motivaram uma
dura oposição de boa parte da sociedade, incentivada por seu antecessor, o
ex-presidente Álvaro Uribe.
A partir deste ano, os ex-combatentes terão uma
representação garantida no Parlamento – uma das cláusulas dos acordos de paz –,
e seu máximo líder, Rodrigo Londoño, “Timochenko”, pretende disputar com os
candidatos dos partidos tradicionais. Com esse horizonte, em meio a um clima de
elevada polarização social, o país andino atravessa sua transição depois de
meio século de guerra. Essa transformação vai repercutir na economia, na
arquitetura institucional, na luta contra o narcotráfico, na insegurança que ainda
persiste nas zonas rurais e nos principais aspectos da convivência. O próximo
chefe de Governo será o encarregado de pilotar essa etapa.
Depois de mais de um ano de pré-campanha, a corrida
eleitoral começa a se definir em torno de seis nomes, representantes das
principais famílias políticas. As pesquisas projetam um panorama muito
fragmentado, com um embate entre quem apoia e quem rechaça os acordos de paz, e
a necessidade de formar alianças, no primeiro ou segundo turno ou até antes das
eleições legislativas convocadas para maio. Sergio Fajardo, ex-prefeito de
Medellín e antigo governador do departamento de Antioquia, encabeça a maioria
das pesquisas. Defende a reconciliação do país como prioridade social e evita
os rótulos ideológicos. No entanto, disputará com a líder do Partido Verde,
Claudia López, e o progressista Polo Democrático, de Jorge Enrique Robledo, sob
as siglas da Coalizão Colômbia.
No espectro mais conservador se destacam três figuras:
Germán Vargas Lleras, Iván Duque e Marta Lucía Ramírez. O primeiro, dirigente
da Mudança Radical, foi vice-presidente de Santos até março de 2016. Duque é o
aspirante do Centro Democrático, a legenda de Uribe, mas depois do acordo
alcançado por este com o também ex-presidente Andrés Pastrana terá que medir apoios
com Ramírez, do Partido Conservador e ex-ministra.
O ex-prefeito de Bogotá Gustavo Petro, que em um sistema
político tradicional ocuparia um espaço marcadamente de esquerda, aparece
também, por ora, entre os favoritos. Mas seu movimento teria de buscar o apoio
de outros setores e não descarta a possibilidade de tentar envolver Humberto de
la Calle, mas o candidato do Partido Liberal tem se mostrado cauteloso com
relação a seus planos. De la Calle foi chefe da equipe negociadora do Governo
com as FARC, é advogado e tem uma extensa carreira política –foi
vice-presidente de Ernesto Samper há duas décadas. Seu projeto político busca
reduzir o clima de crescente indignação dos colombianos e a desconfiança nas
instituições com um programa taxativo contra a corrupção.
VENEZUELA
A Venezuela acaba de encerrar um dos anos mais sombrios de
sua história recente. O regime de Nicolás Maduro jogou por terra os últimos
recursos que permitiam a existência de um contrapoder na vida pública do país.
Desmantelou o Parlamento eleito em dezembro de 2015, de maioria oposicionista,
e convocou a eleição de uma Assembleia Nacional Constituinte, uma câmara sem
representantes críticos ao chavismo que se transformou em um mero braço
executor do Poder Executivo. A oposição rejeitou participar dessas eleições,
realizadas em julho, disputou as eleições regionais –em que denunciou fraude– e
se dividiu nas municipais, no último trimestre. Houve quatro meses de protestos
de rua ininterruptos que deixaram mais de 120 mortos. A tendência hiperinflacionária,
a incompetente gestão da política monetária, a repressão, a corrupção e o
afundamento da petroleira estatal, a PDVSA, coroam esse dramático panorama.
O país deveria realizar eleições presidências este ano.
Maduro já manifestou sua intenção de optar pela reeleição. No entanto, ameaçou
fazer isso em condições de abririam o caminho para sua perpetuação no poder, a
eliminação da oposição e a consolidação do autoritarismo. O sucessor de Hugo
Chávez pretende punir os partidos majoritários da coalizão oposicionista Mesa
da Unidade Democrática (MUD) por boicotarem as eleições de prefeitos. O
mandatário aproveitou esta circunstância para intimidar os partidos de seus
principais adversários (Vontade popular, de Leopoldo López; Primeiro Justiça,
de Henrique Capriles; e Ação Democrática, de Henri Ramos Allup) e adverti-los
de que não poderão apresentar candidatos. Dias depois, a Assembleia
Constituinte deu o primeiro passo para a proibição dessas legendas, que por ora
se traduz em obstáculos administrativos.
Se Maduro cumprir sua ameaça, não só converterá a realização
das eleições em uma farsa, mas dinamitará de modo irreversível as últimas
tentativas de diálogo, que depois de repetidos fracassos vem sendo mantidas há
alguns meses na República Dominicana. Além disso, contribuiria para incrementar
a pressão da comunidade internacional, sobretudo dos Estados Unidos, dos países
vizinhos e da União Europeia. As conversações com a oposição foram acompanhadas
em 2017 de gestos que a MUD considera insuficientes, como a libertação de
alguns presos políticos ou a concessão da prisão domiciliar a Leopoldo López.
No entanto, a convocação de eleições presidenciais constitui
a principal reivindicação há anos. Essa votação é vital para a reativação da
Mesa, que atravessa um de seus piores momentos, marcado por tensões internas e
divisões. Na semana passada a coalizão admitiu em um comunicado “graves erros e
omissões” e se comprometeu a recuperar a unidade e a eleger um candidato único
para as próximas eleições, que ainda não têm data.
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