Sempre que uma Copa do Mundo é realizada, suscita em mim uma
ingênua pergunta: é possível canalizar a energia nacional para outro tema que
não seja o futebol? A reconstrução do Brasil, por exemplo?
A pergunta é ingênua porque uma Copa do Mundo é competição
internacional com objetivos bem definidos e regras claras. É fácil torcer pelo
Brasil e a vitória se mede de forma inequívoca a favor de quem marca mais gols.
Os observadores da História recente da Rússia – escrevo de
Moscou – indicam que o país vivia uma crise muito grande na virada do século e
essa crise se caracterizava também por falta de uma ideia unificadora. Foi
quando surgiu Putin prometendo recuperar a grandeza perdida.
Nunca chegamos a ser uma potência mundial. Não temos,
portanto, a nostalgia de glórias pretéritas. No entanto, mesmo descontando a
megalomania e o voluntarismo do período do petismo, podemos ser mais
importantes do que somos no momento.
Num processo eleitoral com tantas divisões, é irreal pensar
numa unidade que nos arrebate como a possível conquista da Copa do Mundo. Mas
quem sabe não seja possível buscar essa visão quase utópica comendo pelas
beiradas, como se diz na gíria política.
A CNI produziu uma série de documentos e produziu debates
entre os candidatos, buscando algum nível de consenso entre as suas propostas
para o país. Assim o farão outras entidades de classe. O comandante do Exército
recebeu os candidatos não para propor políticas, mas para ouvi-los e preparar a
instituição para trabalhar com aquele que entre eles for o eleito pelo processo
democrático.
Ao menos na aparência, a tarefa do eleitor será escolher bem
seu candidato. Mas não creio que a tarefa se esgote aí, entre nós, eleitores
com alguma experiência. É possível traçar um roteiro que nos leve a alguns
pontos de unidade, a algumas saída em que, não importa quem seja o vencedor, o
Brasil saia ganhando.
Por exemplo: quando ouvimos a opinião de milhares de
brasileiros sobre o que o País precisa, é muito grande o número dos que apontam
obras inacabadas como um dos nossos grandes problemas. É possível levar os
candidatos a se comprometerem, nos primeiros cem dias de governo, a apresentar
um plano de conclusão dessas obras. É simplesmente impossível desejar que o
mesmo plano valha para todos, um vez que as prioridades de cada um são
diferentes. Mas o simples fato de obter um compromisso nesse campo, contando
com as diferenças individuais, já seria uma vitória.
Da mesma forma, é possível destacar o saneamento como um
tema nacional, tão inequívoco como a necessidade de derrotar em campo a Sérvia
ou a Costa Rica. Cabem aí tantas variações quanto os palpites num bolão,
escalar Gabriel de Jesus ou Firmino, usar 4-3-3 ou 4-4-2, não importa. O que
realmente importa é ganhar essa partida. E nossos candidatos como um técnico de
seleção têm de apresentar seu projeto e ser cobrados por ele.
Outro tema que nos pode unir é o combate à corrupção. Sei
que alguns o desprezam. Mas são tão poucos como os que não se importavam com
uma vitória do Brasil na Copa.
Aqui também, apesar da aparente unanimidade, há opiniões
diversas. O projeto de iniciativa popular, dilacerado na Câmara, tem muitos
pontos questionáveis, até mesmo à luz da Constituição. No entanto, uma resposta
ao problema também é uma questão nacional, se consideramos as opiniões em todos
as enquetes populares do tipo o Brasil que eu quero. A esquerda brasileira
despreza esse tema, mas, assim como em 1992 em nosso país, ele foi um dos mais
importantes nas eleições mexicanas, em que Obrador triunfou.
Enfim, embora não seja fácil impulsionar alianças dos
candidatos, e, de qualquer forma, duas visões diferentes vão se encontrar no
segundo turno, talvez seja possível costurar uma aliança de expectativas dos
eleitores. Pessoalmente, conheço todos os principais candidatos. Não me
sentiria confortável apontando seus defeitos ou exaltando suas qualidades. Meu
esforço é escapar disso e encontrar uma área de atuação em que, de certa forma
todos ganhem.
Os mais empolgados veem nisso uma forma de subir no muro. É
uma ilusão: nada mais fácil do que acionar a metralhadora giratória num leque
tão vulnerável de candidatos. O problema é que, saindo do Brasil, ainda que por
um curto de período de tempo, é possível sentir como nos atrasamos e como em
alguns pontos estamos retrocedendo.
De certa forma, os benefícios da Copa do Mundo escorreram
entre os dedos em 2014. Os russos aproveitaram melhor. As cidades, como Moscou,
viveram um momento de florescimento urbano real.
É cada vez mais necessário sentir a urgência de retomar o
caminho das reformas econômicas e políticas. Os mais combativos verão o caminho
através do conflito e das contradições. E até certo ponto têm razão. O problema
é que nos últimos tempos essa tática acabou aprofundando a divisão do País e
nos afastando cada vez mais de uma ideia unificadora.
Não seria o momento de uma inflexão? Do reconhecimento de
que, apesar das divergências, é preciso trabalhar nos temas unitários para
atingir um objetivo não tão inequívoco como vencer uma Copa do Mundo, mas pelo
menos estar entre os melhores?
Temos tudo para isso: talento, extensão, recursos naturais,
cultura. Claro que nessa lista estou omitindo nossos defeitos. Mas é exatamente
disso que se trata: fixar nas qualidades e tentar um passo à frente.
Num simples artigo não é possível abordar todos os pontos em
que uma expectativa unitária possa ser construída. Mas é em torno dessa ideia
que pretendo trabalhar depois desta passagem pela Rússia, no momento em que
arrumo as malas para cair na real.
Como sempre, ao som de Antonio Carlos Jobim, minha alma
canta.
Artigo publicado no Estadão em 13/07/2018
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