Estava me acostumando, é hora de voltar. Um pouco mais,
talvez eu me acomodasse
Depois de tanta retranca e de tantos pontapés, um jogo. Esse
gesto de desenhar um retângulo no ar, indicando a tela de TV — e o VAR —,
parece que contaminou o mundo. Jornalistas, torcedores, turistas, espectadores
ocasionais, todos parecem fazer um retângulo no ar antes de emitir sua opinião.
Tenho assistido aos jogos em russo. Comentários e debates,
também. Acho ótimo, pois não entendo nada. Só no dia seguinte consigo ver o que
se passa no Brasil. Os debates são acalorados, mas felizmente há uma muita gozação
recíproca.
Jornalistas esportivos não usam gravata, são mais leves.
Alguns se politizaram com o tempo e ganharam a solenidade de um senador. Mesmo
assim, só de vez em quando.
A Copa está para os jornalistas esportivos como Florença,
para Leonardo da Vinci, no século XV: estimula a criatividade e a associação de
diferentes disciplinas. É a biografia de Da Vinci que estou lendo no intervalo
dos jogos e no tempo em que passo batendo perna, fotografando a Rússia.
O que une a todos é a paixão pelo futebol. Apesar de o meu
trabalho não estar diretamente ligado a ele, assisti a todas as partidas, mesmo
as mais tediosas, como Bélgica e Inglaterra, França e Dinamarca.
Confesso que foram poucos os lances que me fizeram saltar da
cadeira, exceto, é claro, os gols do Brasil, por menos plásticos que tenham
sido.
Os jovens não se lembram muito da tabelinha, consagrada por
Pelé e Coutinho e muito comum no futebol brasileiro. Hoje há um tal bolo na
área que as tabelinhas ficam bem mais difíceis. Parece que existe também uma
barreira em que todos os chutes a gol esbarram e nas quais se perdem.
Tanto que alguns dos gols mais interessantes foram feitos
bem de fora da área. Os de Cavani contra Portugal, Di Maria contra a França e
Pavard contra a Argentina.
Eu sabia que o grande adversário seria a Bélgica. Acabaram
vencendo, embora ainda ache que o nosso futebol é superior. A saída do Brasil
muda toda a minha perspectiva. Trabalhei até o primeiro jogo da tarde. Passei a
manhã na casa de Gorki.
Tudo muito bem, mas creio que tenha chegado a hora de
arrumar as malas. A força que nos movia e o interesse pela Rússia dependiam
muito do nosso futebol.
Isso não significa que o interesse vá desaparecer. Pelo
contrário, levo muitas histórias na bagagem, e algumas delas vou escrevendo
ainda por aqui.
Assim como iríamos comemorar juntos, vamos viver juntos a
dor da derrota. Ela é muito diferente de 2014. Caímos jogando melhor no segundo
tempo, perdemos alguns gols que em outras circunstâncias seriam imperdíveis —
enfim, coisas do futebol. Como sempre, na vitória ou na derrota, ele nos
prepara para a vida. E temos um ano cheio pela frente agora que, de uma certa
forma, a Copa do Mundo deixou de despertar em nós um grande interesse.
Hoje acordei, chamei um táxi e, para minha surpresa, ele
chegou na mesma hora. Fui ao museu, entrei no metrô e, num átimo, descobri a
linha que me trazia de volta.
Estava me acostumando. Hora mesmo de voltar. Um pouco mais
de tempo, talvez me acomodasse. Pelo menos esse é um consolo. A vitória talvez
nos empurrasse para novos desafios.
Mas, falando em desafio, isso é o que não falta ao Brasil.
Inclusive o de ganhar a próxima Copa do Mundo.
Artigo publicado no O Globo em 06/07/2018
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