Chororô, análise, crítica e elogio fazem parte da história,
mas não alteram o seu desfecho
O futebol é um jogo que se decide no campo, a favor do time
que marca mais gols. É uma realidade inquestionável, que leva a Fifa a
determinar quem segue na competição, quem arrumas as malas e quem dá adeus à
Copa do Mundo. No entanto, isso não impede uma tonelada de versões, algumas
contraditórias, em torno do jogo jogado.
O treinador do México, por exemplo, atribuiu a vitória do
Brasil ao árbitro italiano. Segundo Juan Carlos Osorio, o juiz apitou muito e
cortou a intensidade com que os mexicanos jogavam no primeiro tempo.
Ele não conseguiu explicar por que voltaram menos intensos
ainda no segundo tempo da partida. Será que magoaram com o juiz e decidiram
boicotá-lo chutando apenas uma bola ao gol?
O treinador do México, como todos os outros, entre os dois
tempos, faz uma preleção no vestiário. Indiretamente, Osorio confessou seu
fracasso em reanimar um time cujo ritmo de jogo depende do apito do juiz.
O que fazer? É uma versão. Da mesma forma, um ator de “Harry
Potter”, o britânico Matthew Lewis, afirmou que Neymar é patético porque se
contorceu com as dores depois de um pisão no tornozelo.
Ele trabalha com palavras e poções mágicas. Mas, na
realidade de um pé de carne, osso, nervos, unhas e cartilagens, quem deveria
ter a última palavra sobre a dor de um golpe deveria ser o dono do pé.
Todo chororô, toda análise, toda crítica e todo elogio fazem
parte da história, mas não alteram o seu desfecho quando se trata de avançar
para uma próxima etapa da competição.
Os ficcionistas do futuro poderão ser mais flexíveis ainda e
abrir mão do próprio desfecho, que fica à escolha de cada um, assim como os
detalhes e as peripécias da história.
Mas nem eles podem abrir mão de uma determinada trajetória,
porque, se o leque for muito aberto, o nonsense pode tornar o relato
desinteressante e até monótono.
No fundo, quando se trata de futebol, todos nós queremos
fazer um exercício de explicação, determinar uma lógica, domar o imprevisível
com categorias mentais.
Ninguém foi tão longe nesse esforço quanto o escritor,
jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues. Quando as coisas se tornavam absurdas
e aparentemente escapavam de nosso poder de nomeá-las, ele não só achava a
explicação como conseguia encarná-la num personagem: o Sobrenatural de Almeida.
Portanto, a soma do esforço coletivo acaba nos dotando de
uma capacidade insuperável de domar um real que nos escapa, no futebol e na
própria vida.
arte e liberdade
Na política, os teóricos criam um script que nos leva
inexoravelmente a um paraíso, onde os homens não exploram os homens, e cada um
será atendido de acordo com suas necessidades.
A certeza de um roteiro para a História e também para o
futebol acaba nos levando a uma intolerância.
Existe um espaço de liberdade onde cada um explica a
realidade à sua maneira. É a atividade artística.
Qualquer tentativa de reduzir a imensidão dessa liberdade
resulta em momentos medíocres da arte, como o realismo socialista que está em
exposição até setembro num museu de Moscou, a Galeria Tretyakov, precisamente
com alguns quadros sobre futebol e o esporte em geral.
Por isso, uma das coisas mais bonitas desta Copa, assim como
nos outros Mundiais, é essa disparidade de visões, uma sinfonia de choros,
lamentos e gritos de vitória.
No dia de um jogo decisivo como o de hoje,entre duas grandes
equipes, ao acordar ouço Carlos Santana, uma voz do México:
“Let the
children play
Yo le digo
caballero
Que los niños le quieren jugar
Ellos tienen que jugar
Ellos tienen que jugar”.
Artigo publicado no O Globo em 05/07/2018
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