O indulto de Temer e Pezão na cadeia são dois temas já
batidos nesta manhã de segunda. Vejo um elo entre esses dois fatos, próximo de
uma teoria conspiratória, mas não há razão para ocultá-lo. Tanto Temer quanto
Pezão já trabalham de alguma forma com a ideia de uma passagem pela cadeia. É
como se ja estivessem pensando numa próxima eleição, xerife da cela, quem sabe.
Temer sabe muito bem que incluir corruptos no seu indulto de
Natal vai abrir um abismo maior ainda entre ele e a sociedade, que condenou
pelo voto as velhas práticas da política brasileira. Mas, por outro lado, vai
aumentar seu crédito junto aos presos, não só os que participavam da aliança no
governo, mas também os do seu próprio partido: ex-ministros, parceiros como
Eduardo Cunha.
Pezão declarou que tinha saudades de Sérgio Cabral e
gostaria de abraçá-lo na cadeia. Disse também que gostaria de encontrar Lula.
Nunca se sabe para onde vão te levar após a prisão.
Não é correta, se essa ideia for verdadeira, a tese de que
os políticos brasileiros não veem um palmo diante do nariz. Quando houver
tempo, poderemos até investigar os reflexos da passagem de tantos dirigentes
pelas cadeias que alguns até ignoravam como funcionam.
Por enquanto, ainda temos que lidar com os seus rastros em
liberdade. O indulto é um deles. É possível indultar presos por corrupção? A
maioria dos ministros disse sim, afirmando que não há restrições a esse crime.
Tratam de um presidente abstrato. Temer é investigado, duas vezes a Câmara lhe
forneceu uma blindagem. Ele vai libertar presos da Lava-Jato, a mesma operação
que desmantelou toda a quadrilha da qual é um dos principais remanescentes em
liberdade.
Nessas circunstâncias, só resta o protesto nas ruas. Mas,
ainda assim, o tema nos colhe num mês ingrato para protestos. Há 50 anos, o
regime militar lançou o AI-5, endurecendo sua política e realizando a censura
nos jornais com a presença de seus agentes no interior das redações.
O aniversário de meio século do AI-5 será no dia 13. Uma das
lembranças mais nítidas que tenho do período foi, precisamente, a dificuldade
de protestar. Não nos prendiam por isso, mas era um período de Natal: o “blim
blão” dos sinos, o farfalhar de papéis enrolando presentes, o panetone em
promoção. Ninguém queria saber de AI-5. Ainda bem que dezembro de 68 está
longe, tanto o país quanto o Natal devem ter mudado nesse período. De qualquer
forma, cuidado com dezembro.
Mais próximo de minha memória está a aventura de ter feito
política no Rio de Janeiro e tentar, de alguma, forma derrubar a máfia
bilionária que acabou arruinando o estado.
Em 2010, por exemplo, Cabral já gastava fortuna com robôs na
internet. Chegamos a reunir documentos para oferecer à imprensa. Os robôs não
falavam inglês, mas tinham um forte sotaque, escreviam frases grosseiramente
traduzidas. Ninguém se interessou. O tema era era muito abstrato naquela época.
Era o mesmo que falar do rombo na camada de ozônio: ninguém o notava a olho nu.
Apesar de tudo, não restou ressentimento. Sobretudo no caso
de Pezão. Em muitos desastres, o encontrei trabalhando. Sérgio Cabral não
visitava os locais de tragédia. Como jornalista, entretanto, não pude deixar de
comentar um tema, naquela época do escândalo dos guardanapos. O apartamento de
Pezão tinha sido assaltado no Leblon e, segundo a notícia, foram levadas muitas
joias. Soou estranho para mim que um homem aparentemente simples tivesse muitas
joias em casa. O tempo passou, eles foram sendo presos aos poucos, hoje quase
todo o governo está na cadeia, inclusive sua base parlamentar.
O Rio quebrou, foi preciso uma intervenção federal na
segurança pública, o estado elegeu um homem desconhecido do grande publico até
as vésperas da eleição. Às vezes tento esquecer todo esse período sinistro. Os
principais atores estão presos. Isso conforta parcialmente a opinião pública.
Mas o legado ainda vai nos assombrar durante muitos anos. Foi uma calamidade
que passou em nossa vidas e algumas consciências se deixaram levar. Agora é
juntar os cacos, abastecer o motor econômico do Rio com o petróleo que restou,
e subir de novo a montanha. Pra cima, é preciso fôlego.
Pezão entrou, outros serão soltos por Temer, que um dia será
preso tambem. Não é um caminho linear. Murilo Mendes tem um verso em que diz:
“Ainda não estamos habituados com o mundo/ Nascer é muito comprido.”
No caso do Brasil, então, o parto é muito prolongado.
Artigo publicado no Jornal O Globo em 03/12/2018


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