No final de ano, costumo tirar uma semaninha de descanso.
Continuo lendo e escrevendo. Mas tento me libertar dessa gigantesca máquina de
informação que nos bombardeia, incessantemente, com notícias, imagens,
logotipos, memes, posts e tuítes. É uma forma de sobreviver ao estresse, à
produção de cortisol que inibe a glicose no hipocampo e danifica a memória. Com
o tempo, um cérebro absolutamente informado corre o risco de ser um cérebro em
pandarecos.
Mas, como sou brasileiro, tomo minhas precauções. No início
do mês, escrevi um artigo intitulado “Cuidado com dezembro”. É o mês que os
políticos preferem para suas decisões absurdas, pois há férias, e o espírito de
Natal embala as pessoas comuns. O artigo era resultado de uma experiência de
meio século, pois seu ponto de partida foi o AI-5, em 13 de dezembro de 68.
Vivendo e aprendendo. As táticas parecem cada vez mais
sofisticadas. Marco Aurélio decidiu numa canetada libertar 169 mil presos
(segundo a Procuradoria-Geral da República), Lula inclusive. Não deu certo. Era
claro que não daria. Lula nem chegou a arrumar as malas.
No meio do ano, acompanhei da Rússia uma tentativa
semelhante. Para mim, era evidente que não daria, mas a cena política teve sua
dose de drama. A decisão de Marco Aurélio era tão absurda que durou apenas
algumas horas. Foi derrubada, e todos que a temiam respiraram aliviados.
O que há de novo neste dezembro é a tática do bode na sala.
A libertação de 169 mil presos cumpriria esse papel. O bode foi retirado, e
poucos se deram conta de que Lewandowski autorizou um aumento do funcionalismo,
que Rodrigo Maia promulgou uma lei que permite às cidades gastar mais, e os
deputados deitaram e rolaram nos projetos de isenção fiscal e aumento do Fundo
Partidário. Eles sabem que isso tudo resulta em quebradeira, mas contam, como
sempre contaram, com alguma forma de aumentar impostos.
A relativa frieza não é incapacidade de me indignar. Apenas
tento economizar energia, sobretudo depois de um ano tão intenso como foi 2018.
Se mergulhar acriticamente no turbilhão de notícias e
polêmicas nacionais, estou perdido. De um modo geral, tenho acesso a elas
depois de um dia de trabalho na rua ou no mato.
Às vezes, consigo uma precária conexão no hotel e caio num
intenso debate sobre Jesus na goiabeira. Sinceramente, por mais calorosos que
sejam os argumentos, minha pergunta não faz sentido, apesar de falarmos o mesmo
idioma: eram goiabas brancas ou vermelhas?
Isso porque andei lendo um texto sobre Karl Barth, e sua
mensagem é clara: traduzir a revelação divina em termos que não são os da fé
está destinado ao fracasso.
Na infância, a árvore de preferência é a jabuticabeira.
Havia a chácara de um turco, e subíamos para colher algumas jabuticabas. Os
empregados às vezes respondiam com tiro de sal e atingiam o bumbum dos meninos.
Doía.
Assim como no sertão de Guimarães Rosa, Deus, se vier, terá
de vir armado; na chácara do turco, Jesus teria de vir acolchoado.
Observo que, nos Estados Unidos, alguns escritores acham que
o ano de 2018 foi de muita raiva. Isso aconteceu também no Brasil. Eles propõem
a catarse e a reconciliação como antídoto.
É um remédio fácil de receitar. O difícil é encontrar a
fórmula. Em dois lugares importantes, Minas e São Paulo, a diplomação dos
deputados, que sempre é uma cerimônia tediosa, resultou em pancadaria.
Um livro chamado “Seis propostas para o próximo milênio”
aconselhou a leveza como uma das qualidades para o século XXI. No Brasil de
hoje, consigo apenas uma semaninha para levezas. Perco uma parte de dezembro
advertindo sobre armadilhas da época e entro janeiro com um pé atrás, desde o
naufrágio do Bateau Mouche e o deslizamento na Enseada do Bananal, em Angra.
Muito possivelmente, teremos um ano melhor. Se não houver
reconciliação, apenas um pouco mais de tolerância já pode ajudar. O resto são
chuvas de verão, seu potencial destruidor, e cerca de 500 cidades brasileiras
com um índice absurdo de infestação de Aedes aegypti, o mosquito de dengue e
chicungunha.
Mas isso já e falar de volta às aulas, em pleno período de
férias. Por enquanto, vamos saudar o bode na sala: não soltaram 169 mil
criminosos. Cobraram apenas alguns bilhões pela gentileza.
Artigo publicado no Jornal O Globo em 24/12/2018
Nenhum comentário:
Postar um comentário