O futuro ministro da Cidadania, Osmar Terra, falou em
proibir o álcool em algumas circunstâncias e provocou polêmica. Creio que as
pessoas entenderam que Terra queria proibir o álcool de forma geral.
A experiência no Brasil, no entanto, já mostrou que em
certos momentos é possível controlar o consumo com êxito na redução da
violência. Para isso é necessário um mapa preciso dos incidentes violentos,
indicando hora e lugares onde acontecem.
Não concordo com a visão geral de Osmar Terra sobre política
de drogas. Mas também não concordava com a visão proibicionista do velho e
saudoso Elias Murad. Uniam-me a Murad, assim como a Osmar Terra, não só a
amizade cotidiana, mas uma certa humildade diante desse complexo problema, para
o qual ninguém pode dizer que tenha todas as únicas respostas certas.
Basta ver, no momento, a devastação humana que o consumo de
opiáceos está provocando nos Estados Unidos. É um desafio para o governo Trump,
mas suas raízes o antecedem.
Mas a democracia nos faz experimentar. No Brasil, com a
vitória conservadora, é razoável que a política de Terra seja desenvolvida. No
Canadá, por exemplo, o governo rumou noutro sentido, legalizando a maconha.
Dizem os jornais que a Marlboro entrou no negócio e suas ações subiram mais que
as da Bombardier, a correspondente canadense da Embraer.
Não sou ingênuo a ponto de apresentar uma única variável, o
sucesso econômico, como critério para analisar uma política dessa envergadura.
Apenas registro: a democracia abre o caminho para diferentes experimentos.
Esse pequeno debate em torno do anúncio de Osmar Terra me
fez refletir sobre o passado, mais especificamente o período Jânio Quadros. Sem
querer comparar governos, registro apenas que naquela época havia também uma
combinação entre temas conservadores nos costumes e medidas amargas na economia.
Nos costumes, os temas são muito mais voláteis do que a
constância insuperável do preceito econômico que nos proíbe de gastar mais do
que produzimos, ao longo de muito tempo. Nenhum governo federal se importaria
hoje em proibir brigas de galo, como Jânio fez. Mesmo temas mais amplos, como
as vaquejadas e os rodeios, deslocam-se para o Congresso e o STF.
O que diria, então, da proibição do biquíni? Isso provocaria
um movimento maior que a revolta das vacinas nos tempos de Osvaldo Cruz. Talvez
nem isso, apenas uma explosão nacional bem-humorada.
O interessante em Jânio não era a coexistência dessas duas
pautas, que, em outro nível, existem também no governo Bolsonaro. O
interessante era como Jânio as combinava.
Sempre que era forçado a tomar medidas econômicas
impopulares, Jânio lançava uma dessas proibições que eletrizam a opinião
pública. Era muito mais confortável canalizar as atenções para o biquíni do que
para as combalidas finanças nacionais.
Não creio que Bolsonaro siga o mesmo caminho. Nada neste período
preparatório sugere o cinismo e a sofisticação de Jânio. Além do mais,
parece-me que Bolsonaro realmente acredita nos temas de comportamento que
defende e vai brigar por eles com o entusiasmo de quem se batizou no Rio
Jordão.
Mais que semelhanças, vejo no governo Bolsonaro o fim de
algo que surgiu no governo Jânio: a chamada política externa independente, que
estabeleceu relações diplomáticas com países socialistas, Cuba incluída. Ainda
sem julgar o mérito dessas políticas, tudo indica que o peso ideológico na
gestão Ernesto Araújo vai revolucionar as bases do trabalho de Afonso Arinos.
Portanto, as comparações entre os governos Jânio e Bolsonaro não podem ignorar
essa descontinuidade.
Por falar em Afonso Arinos, recebi nas vésperas do Natal o
monumental livro de memórias, intitulado A Alma do Tempo. Um verdadeiro ato de
heroísmo do editor José Mario Pereira, da TopBooks. O livro tem 1.790 páginas.
Ainda não cheguei à metade do caminho. Cuidarei dele em outros textos.
Os últimos anos foram muito focados na experiência do PT, no
máximo, no governo tucano, que lhe antecedeu. Com a ajuda de Arinos e,
certamente, de Joaquim Nabuco, ambos atores e intérpretes da saga política
familiar, é possível olhar um pouco mais para trás, puxar fios mais longos da
meada histórica.
A primeira tarefa, e nisso creio que as memórias de Arinos
ajudam, será examinar a experiência de Jânio. Não cheguei no livro plenamente a
ela. Mas já no início há referências à instabilidade de Jânio.
Collor foi também uma experiência conservadora. Mas parecia
voltado para a economia, para um consumo cosmopolita, uma clássica defesa do
meio ambiente.
Bolsonaro pertence aos tempos modernos, em que, segundo
Umberto Eco, se desenha um populismo qualitativo de TV ou internet, no qual a
resposta emocional de um grupo selecionado de cidadãos pode ser apresentada e
aceita como a “voz do povo”. A diferença é que ele chegou ao poder não pela
resposta emocional de um grupo selecionado, mas pela vontade da maioria do povo
brasileiro. Em outras palavras, até aqui, tudo bem.
Até onde minha vista alcança, os primeiros sobressaltos
estão ao norte. Maduro assume dia 10 e a Colômbia propõe que os outros países
não reconheçam seu novo governo. Por sua vez, o próprio Maduro andou
apreendendo um navio da Guiana, reavivando aquele velha querela em torno de
Essequibo, problema que vem desde o século 19 e envolve uma região rica em
minérios e um mar potencialmente com muito petróleo. E ainda por cima disse que
o general Mourão tem cara de louco. Mourão serviu na Venezuela, conhece a
gênese do bolivarianismo.
Vai ser preciso cabeça fria naquela fronteira, concentrar no
trabalho humanitário. Provocações podem surgir. Maduro está precisando de
inimigos para garantir a coesão interna.
O Brasil só precisa de paz para se reconstruir.
Artigo publicado no Estadão, em 28/12/2018
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