sábado, 13 de abril de 2019

É BLASFÊMIA QUE CHAMA ?

Da Folha de S.Paulo
"Só faltou Jesus. Alguém tem o 'zap' dele?", brinca um dos cem líderes evangélicos convidados para um almoço onde "todo mundo que importa" estaria lá. Todos para ver o presidente Jair Bolsonaro (PSL).
Se Jesus foi onipresente na oratória do público, em carne e osso compareceram alguns dos maiores pastores do Brasil, além do governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), e os presidentes do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, e do Senado, Davi Alcolumbre (anunciado como "o judeu cristão").
No menu não são só as batatas gratinadas, o penne à bolonhesa, a picanha ao chimichurri, o frango com ervas. O prato principal no banquete organizado nesta quinta-feira (11) pelo pastor Silas Malafaia, num hotel na Barra da Tijuca, vem do Oriente Médio.
Israel pode até ser tema indigesto para uma parte do governo que prefere não enervar países muçulmanos para não prejudicar a exportação de carnes à região. Mas não neste salão, onde a transferência da embaixada brasileira para Jerusalém é questão de honra.
Cabe a John Hagee, fundador da Cornerstone, uma megraigreja texana, e da Christians United for Israel, a maior organização cristã-sionista do mundo, o primeiro e mais longo discurso da tarde.
Prega o americano, com amparo de um pastor-tradutor: "A menina dos olhos de Deus precisa da nossa ajuda". E corajosos, continua, são os políticos que entendem que "quando você começar a abençoar Israel de maneira prática, haverá uma explosão sobrenatural”.
Quem Hagee garante que lhe deu ouvidos: Donald Trump. O pastor esteve na Casa Branca em 2017 e, diz, repetiu as mesmas palavras para o presidente americano, um ser "gracioso, defensor apaixonado de Israel".
Meses depois, Trump decretou a mudança do corpo diplomático dos EUA para a cidade dividida entre uma parte ocidental e outra oriental, reivindicada por palestinos como sua futura capital.
Por ora, Bolsonaro anunciou a criação de um escritório de representação comercial por ali, e manteve a embaixada em Tel Aviv. "Queremos cumprir esse compromisso, mas, como um bom casamento, tem que namorar, ficar noivo. Nesse caso a noiva me merece", justificou após a fala de Hagee.
Creditando-se como amigo pessoal "de Bibi" (Binyamin Netanyahu, que acabou de assegurar seu quinto mandato como primeiro-ministro israelense), o evangelizador americano disse ver o Brasil como "a chave para a América Latina". Eis que, "como um raio do céu", veio Malafaia e o convidou para o Brasil. Gratidão.
"Minha vida é feita de muita coincidência", diz Bolsonaro na sua vez de discursar. Ali estão reunidos personagens que o lembravam de passagens centrais em sua vida.
Malafaia, por exemplo, celebrou seu casamento com a primeira-dama Michelle, em 2013, numa cerimônia em que o noivo chorou ao trocar alianças ao som de “Jesus, Alegria dos Homens”, de Bach.
E Israel lhe é caro há ao menos três anos. Em 12 de maio de 2016, dia em que o Senado autorizou a abertura do processo de impeachment da petista Dilma Rousseff, Bolsonaro e filhos foram batizados nas águas do rio Jordão —onde diz a Bíblia que Jesus teria sido feito o mesmo. A imersão foi feita pelo Pastor Everaldo, presidente de seu partido à época, o PSC. "Tocou minha alma", afirma Bolsonaro.
É a deixa para falar dos filhos políticos, "que muitos teimam em afastar de mim, mas ninguém afasta o filho do pai ou o pai do filho". O senador Flávio, o deputado Eduardo e o vereador Carlos são vistos por uma ala de seu governo como foco de instabilidade para o pai.
Magno Malta (PR-ES) virou "guerreiro" na boca do presidente.
Se na campanha chegou a ser chamado de "vice dos sonhos" por Bolsonaro, passada a eleição lhe restou o título de "elefante branco" (palavras do vice de fato, general Hamilton Mourão): sem mandato, já que não foi reeleito ao Senado, e também sem espaço no governo.
A confraternização desta quinta pode ajudar a içar o ex-senador do ostracismo político. Senta-se cara a cara com Alcolumbre, atual presidente do Senado, e próximo a Bolsonaro, de quem ganha um afago. “Quase chorei, confesso. Que nunca mais nos afastemos”, diz o presidente.
Meninas de um lado, meninos de outro. São duas mesas principais no salão do Hilton, acomodadas sob um telão onde se lê "que Deus abençoe o Brasil!" e à frente de mesas menores.
À direita, esposas e filhas. À esquerda, além da ala político-judiciária, almoçam o anfitrião Malafaia e os patronos das duas maiores Assembleias de Deus (AD), José Wellington Bezerra da Costa (ministério Belém) e Manoel Ferreira (Madureira). Os assembleianos, segundo o Censo, formam a ala majoritária dos evangélicos no Brasil. O próprio Malafaia comanda a AD Vitória em Cristo.
Dois nomes ausentes, apesar dos lugares reservados: Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), o filho 02 do presidente, e Marcelo Crivella (PRB), prefeito do Rio e sobrinho do bispo Edir Macedo.
Papéis indicam onde cada um deve ficar, do médico pessoal do presidente a deputados como o federal Sóstenes Cavalcante e o estadual Samuel Malafaia, ambos do DEM-RJ —o primeiro cria política do pastor Silas, o segundo, seu irmão.
O deputado Cezinha de Madureira (PSD-SP) mostra uma foto postada em seu Instagram na véspera, ele e Bolsonaro. À Folha o representante da AD Madureira na Câmara diz que o presidente lhe perguntou quem iria ao almoço desta quinta-feira, para ver se era jogo ele ir também. Concluiu que sim.
Mal Bolsonaro entra na sala, o grito irrompe: "Bem-vindo, capitão!". O apóstolo César Augusto (Igreja Fonte da Vida) puxa uma oração “pelo novo tempo que começou nesta nação”. A mesa está servida.
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