Bolsonaro na área da
Educação. A ideia é focar em cursos que preparem os alunos para o mercado de
trabalho. Além de caolho, o pressuposto é preconceituoso e ignora a relevância
das Humanidades na vida atual.
O presidente usou
sua conta no Twitter para dizer que haverá um corte de investimentos nas faculdades
brasileiras de ciências humanas. Repetiu o discurso do novo ministro da
Educação, que anda afirmando que “a função do governo é respeitar o dinheiro do
pagador de imposto” e, por isso, o ensino deve se voltar para a disseminação de
“habilidades” que ajudem os jovens a entrar no mercado de trabalho.
Para o governo,
“poder ler, escrever e fazer conta” é o mais fundamental. Exclui-se, desde
logo, o saber pensar, o saber conviver, o saber apreciar o belo. O pragmatismo
é rasteiro, na doce ilusão de que a educação garantirá a aquisição de ofícios
que “gerem renda para a pessoa e bem-estar para a família delas”, melhorando a
sociedade.
A postura
governamental ignora alguns fatos elementares. Antes de tudo, parece pressupor
que os gastos das Humanidades ultrapassam os gastos com as demais áreas
científicas e acadêmicas, quando todos sabem que a verdade está do lado oposto:
dos cerca de R$1 bilhão investidos em pesquisa no Brasil, somente 160 milhões
vão para as Ciências Humanas. O governo economizará pouquíssimo caso deixe de
injetar dinheiro nas faculdades de Humanas.
O argumento
orçamentário, portanto, não procede, deixando evidente que a intenção do
governo é de outra natureza: ele acredita que as Humanas são um reduto das
esquerdas, uma espécie de “foco subversivo” permanente. Despreza o pluralismo
que vigora nessas áreas e ignora por completo a dimensão cívica, técnica e
cultural das Ciências Humanas, que são vitais seja para o aprimoramento da
língua e a formação reflexiva, seja para a investigação dos graves problemas
sociais do País, como a desigualdade, a pobreza, a violência.
É difícil acreditar
que alguém, ao final da segunda década do século XXI, não valorize a
contribuição que a sociologia, a ciência política e a antropologia têm dado
para a compreensão das sociedades e a abordagem dos múltiplos temas
socioculturais. Sem elas, nenhum diagnóstico pode ser concluído, nenhuma
política pública consegue ser formatada, executada e avaliada. A própria
diversidade brasileira fica à margem, sem consideração adequada.
Numa época de
complexidade crescente, demonstra ignorância e alienação quem procura rebaixar
as ciências que podem se valer de perspectivas transdisciplinares para atingir
a totalização crítica da experiência humana e a valorização da vida.
Alguém poderia dizer
que o governo deseja imprimir marca tecnocrática à sua política educacional.
Antes fosse, ao menos o caminho seria desastroso mas conhecido. O governo,
porém, quer deslizar mais para baixo, abandonando qualquer tipo de filosofia
educacional. Mistura problemas pedagógicos com organização acadêmica,
privilegia a caça à esquerda em vez de apresentar planos e propostas para
melhorar o ensino superior, faz crítica ideológica sem qualquer avaliação de
desempenho.
Ainda que
concentrada nas Humanidades, a perspectiva governamental mostra-se hostil ao
conjunto da vida universitária. Coube ao ministro da Educação a façanha de
ameaçar as universidades que permitirem a ocorrência de “balbúrdias” em seu
interior, expressão genérica que pode se referir a tudo ou a qualquer coisa.
Ao atropelar a
autonomia das universidades e comprimi-las com cortes e pressão, o governo
exibe sua face arbitrária e destemperada. Demonstra ignorância e vontade de
agredir tudo o que pode fazer pensar. Parece muito mais interessado em produzir
fumaça e provocar do que em administrar o sistema universitário brasileiro e
proteger as atividades de pesquisa e produção de conhecimento.
As Humanidades não
podem ser suprimidas por decreto, indispensáveis que são à compreensão da vida
social e à organização de um ensino superior de qualidade. O governo não sabe o
que fazer nem com a Educação Básica, nem com o ensino universitário. Falta-lhe
tudo o que é indispensável para a gestão de sistemas estratégicos: senso de
proporção, inteligência crítica, equilíbrio, temperança, respeito à
diversidade. Prefere coagir, sem se dar conta de que, ao assim proceder, está a
destruir tudo o que já se construiu no País em termos educacionais. Não
colocará nada no lugar, a não ser provocações. Sua maior contribuição será
semear pânico e confusão.
A brutalidade
governamental esbarrará na lógica dos fatos e na resistência de professores e
estudantes. De agressão em agressão, preparará o caos, sem se dar conta de que
nem sequer ele mesmo poderá disso se beneficiar.
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