Foi-se a época em que a política era monopólio dos
políticos, dos militares e dos diplomatas. Na política moderna, principalmente
depois da II Guerra Mundial, passou a ser também o universo de atuação da
burocracia e dos cidadãos, em razão da ampliação da presença do Estado na vida
da sociedade e do surgimento de partidos de massas de caráter democrático. Eram
esses os grandes atores da democracia representativa, que parecia consolidada
após o fim da União Soviética e o colapso do chamado socialismo no Leste
Europeu, até que a crise fiscal colocou em xeque as políticas social-democratas
e social-liberais e os partidos políticos e a imprensa foram ultrapassados
pelas redes sociais na formação da opinião pública.
O Brasil não está fora desse contexto, muito pelo contrário.
O que vem acontecendo no governo Bolsonaro, a rigor, é anterior à sua eleição e
faz parte desse processo, assim como foi a eleição de Donald Trump nos Estados
Unidos, a vitória do Brexit na Inglaterra, a emergência de lideranças
populistas em praticamente todos os países da Europa e a eleição de governos de
extrema-direita em alguns países do Ocidente. O que acontece, em perspectiva, é
uma corrida para reinventar o Estado e dar conta das mudanças provocadas pela
globalização e o multilateralismo, nas quais as democracias do Ocidente
enfrentam mais dificuldades do que os países autoritários do Oriente que estão
se modernizando mais rapidamente.
Estados Unidos e China protagonizam essa corrida. Nas
últimas décadas, houve uma mudança de eixo dos fluxos de comércio mundial, que
se deslocaram do Atlântico para o Pacífico, o palco principal da guerra
comercial entre essas duas potências econômicas, que lideram a economia do
planeta. No passado, essa disputa se deu entre a Inglaterra e a Alemanha, de igual
maneira, uma potência marítima e outra continental, provocando duas guerras
mundiais. Espera-se que agora ocorra num ambiente de paz. O Brasil foi
arrastado para essa disputa de maneira esquizofrênica, porque optou por um
alinhamento automático com os Estados Unidos ao mesmo tempo em que não pode
abdicar da China como principal parceira comercial. O mais correto seria tirar
partido dessa disputa.
A eleição de Trump, com sua guinada nacionalista na política
externa, nacionalista na economia e ultraconservadora nos costumes, foi uma
resposta dos eleitores norte-americanos mais conservadores, ao desemprego e à
grande massa de imigrantes latinos. De certa forma, os indicadores econômicos
dos Estados Unidos mostram que a guerra comercial de Trump com a China e a
contenção da chegada de imigrantes estão rendendo dividendos econômicos
favoráveis, revertendo as altas taxas de desemprego. Não se deve subestimar a
influência que isso vem tendo na política do Ocidente. Aqui no Brasil, a
eleição de Bolsonaro, sua política econômica ultraliberal e conservadorismo
radical nos costumes seguem o exemplo de Trump.
Volatilidade
É aí que entra a política nas redes sociais. Sem elas, Trump
não seria sequer candidato do Partido Republicano. De igual maneira, Bolsonaro
não teria sido eleito presidente da República. As redes adquiriram tal
protagonismo que já não se pode fazer política como antigamente, mesmo fora dos
processos eleitorais. Isso vale sobretudo para os políticos, cuja relação com
eleitores mudou radicalmente. O tsunami que varreu boa parte do Congresso mudou
radicalmente o modo de atuar no parlamento brasileiro. Basta ver as “lives” que
os deputados eleitos pelas redes sociais fazem constantemente no próprio
plenário da Câmara e do Senado, com as transmissões ao vivo de sua atuação e
narrativas “customizadas” sobre as sessões legislativas, com posts e vídeos com
a interpretação de cada um sobre o que acontece no Congresso em tempo real.
A relação entre o Executivo e os demais poderes, inclusive o
Judiciário, cujo vértice, o Supremo Tribunal Federal (STF), também é midiático,
mudou significativamente, em meio a disputas pela afirmação de cada poder. Tudo
mediado pelas redes sociais, nas quais partidos, grupos de pressão e cidadãos
influenciam o posicionamento de cada parlamentar nas votações. Mesmo os meios
de comunicação de massa tradicionais, inclusive a televisão, estão sendo
obrigados a serem cada vez mais interativos e presentes nas redes sociais, para
manterem seus públicos e influenciarem os novos atores. Os políticos
tradicionais que sobreviveram ao tsunami de 2018 estão aprendendo a lidar com a
nova situação e repensando sua forma de atuação, levados pelo instinto de
sobrevivência e pela nova experiência que estão passando no próprio Congresso.
Entretanto, os políticos que emergiram das redes sociais,
como o próprio presidente Jair Bolsonaro, também estão passando pelo
aprendizado de ter que lidar com a política institucional, com as regras do
jogo democrático e a dura realidade da distância existente entre o mundo
virtual de redes sociais e a capacidade de dar respostas efetivas e velozes à
crise do sistema representativo e do modelo de capitalismo de Estado colapsado
pela crise fiscal. No caso do presidente da República, o caráter bonapartista
de seu governo não o coloca acima de classes sociais bem definidas e partidos
políticos, como no modelo clássico de “regime do sabre”, mas numa espécie de
tapete voador ao sabor das ondas telemáticas de uma “sociedade líquida”, com
risco permanente de volatilização da própria imagem. E aí que todos os atores
em cena — políticos, militares, diplomatas, burocratas, formadores de opinião,
influenciadores digitais e cidadãos — estão desafiados a encontrar saídas
robustas para os impasses que se apresentam à democracia brasileira.
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