Ao determinar que o Ministério da Economia corrija pela
inflação os valores da tabela do Imposto de Renda (IR) das pessoas físicas, o
presidente Jair Bolsonaro demonstrou ignorar, mais uma vez, a gravidade das
contas públicas. Para piorar, admitiu a possibilidade de elevar os limites de abatimento,
da base de cálculo do mesmo imposto, os gastos das famílias com educação e
saúde.
Nos dois casos, as mudanças resultarão em queda da
arrecadação de tributos federais, no momento em que o governo tenta convencer a
sociedade de que precisa tirar de seu bolso, ao longo de dez anos, R$ 1,1
trilhão para tentar salvar a Previdência Social e o regime de aposentadoria dos
funcionários públicos federais. O aceno, de caráter populista, ignora o fato de
que, desde 2014, o setor público (União, Estados e municípios) acumula déficits
primários em suas contas, isto é, não consegue arrecadar o suficiente para
cobrir as despesas correntes, excluídos os gastos com o serviço (juros) da
dívida.
Não é coincidência o fato de que, desde 2014, a economia
brasileira vive um pesadelo. Encolheu quase 8% no triênio 2014-2016 e cresceu
apenas 1,1% tanto em 2017 quanto em 2018. Considerando-se que a população
brasileira cresce, em mésio, pouco mais de 1% ao ano, a renda per capita teve
queda real de quase 10% durante os três anos de recessão e, nos últimos dois
anos, ficou estagnada.
Quando se esperava que o novo governo usasse o capital
político conquistado na eleição de 2018 para, rapidamente, aprovar no Congresso
a reforma da Previdência, medida fundamental para motivar o empresariado a
tirar o pé do freio e colocar a economia para andar, o que se viu, até o
momento, foi um presidente sem convicção da agenda econômica que o elegeu e sem
força ou interesse para arbitrar disputas internas que têm provocado desgaste
na relação com a sua própria base de apoio, no Poder Legislativo.
Por que a geração permanente de déficits primários pelo
setor público impede a recuperação da atividade? Porque, se os gastos públicos
crescem acima da arrecadação tributária, o governo é obrigado a endividar-se no
mercado, por meio de emissão de títulos públicos, para levantar os recursos
necessários. Obviamente, se não dispõe de dinheiro sequer para bancar a despesa
primária, não o tem também para honrar o gasto com os juros da dívida pública.
A consequência é o crescimento da dívida.
Como não há superávit primário há cinco anos, isto é, uma
sobra de recursos depois de pagar as despesas, a dívida bruta do setor público
não para de crescer, aproximando-se neste momento do equivalente a 80% do PIB,
o dobro da média dos países emergentes, classe de economias à qual o Brasil
pertence.
Essa situação cria enorme incerteza sobre horizontes cada
vez mais curtos. Por quê? Porque, se nada for feito, a dívida atingirá níveis
que farão os detentores de títulos públicos duvidar da capacidade do governo de
honrar o pagamento desses papéis. O resultado será a elevação da taxa de juros
a patamares cada vez mais altos. Isso ocorre porque, para continuar comprando
os títulos e portanto seguir financiando o Tesouro Nacional, os investidores
incorrerão em risco crescente, o que os levará a exigir prêmios mais elevados,
ou seja, juros maiores.
É nesse contexto que entra a necessidade inequívoca de se
reformar a Previdência. Se aprovadas, as mudanças não resolverão o problema
fiscal de curto prazo. No entanto, alterações aprovadas agora indicariam que,
no futuro próximo, o rombo da Previdência, que no ano passado somou quase R$
300 bilhões, incluindo na conta os rombos provocados pelas aposentadorias dos
trabalhadores do setor privado e do setor público, desapareceria.
Alguém pode fazer o seguinte questionamento: por que, então,
apesar da penúria das finanças públicas, as condições financeiras (juros, bolsa
de valores e taxa de câmbio) ainda não se deterioraram? Isso não ocorreu até o
momento porque, desde a queda da presidente Dilma Rousseff, em maio de 2016,
governo e mercado fecharam acordo tácito, segundo o qual, a reforma da
Previdência será aprovada. Como sempre faz o mercado, os feitos futuros da
reforma foram “antecipados” nos preços dos ativos. Até quando? Não se sabe, mas
em breve todos saberemos com a aprovação ou não da reforma.
Diante desse quadro, abrir mão de receitas tributárias agora
não faz o menor sentido. Conceder mais benefícios fiscais a setores da
sociedade é suicídio. Os governos no Brasil gastam mais com quem menos precisa.
Aumentar esse desequilíbrio é uma afronta aos mais pobres. A Constituição de
1988 universalizou o direito dos brasileiros aos serviços públicos de saúde e
educação. Sendo assim, não deveria ser permitida a transferência de recursos
públicos do Estado para entes privados nessas áreas.
As perdas de receita com gastos (benefícios) tributários,
por exemplo, chegaram aR$ 270,4 bilhões em 2017 – mais que o dobro dos R$ 124,3
bilhões de déficit primário do governo central naquele ano – e a R$ 283,4
bilhões em 2018. Neste ano, a conta crescerá novamente (ver gráfico). Do total,
R$ 20 bilhões serão abatidos dos gastos da classe média com saúde e educação
particulares, montante que faz bastante falta ao orçamento da saúde e da
educação.
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