Domenico de Masi lançou, em 2013, a obra intitulada O
Futuro Chegou. Basicamente, o livro procura examinar vários exemplos de
formas de organização das sociedades modernas. O autor apresenta o modelo
econômico e social de alguns países que se destacavam no cenário global da
época. China e Estados Unidos da América, por exemplo. Em outros capítulos, ele
retrata o modo de produção capitalista, alguns exemplos de capitalismo mais
social, comunismo e mais. A ideia de Domenico é apresentar pontos fortes e
fracos de cada modelo e, no capítulo final, mostrar qual seria o melhor modelo
para as sociedades do futuro.
Domenico de Masi é um sociólogo italiano. E é importante
saber da nacionalidade do autor para entender o peso do capítulo final do
livro. Após apresentar os modelos mais relevantes e conhecidos de nossa época e
épocas passadas, Domenico apresenta o que para ele era o modelo mais avançado
de sociedade e que deveria ser um sul (não gosto dessa visão de norte sempre
sendo o referencial positivo) para todos os países do mundo. Domenico apresenta
o Brasil. O Brasil de 2013.
Na visão do autor, o Brasil era um país capaz de reduzir a
pobreza, sair do mapa da fome e ainda gerar riqueza. Era um país com uma
cultura de tolerância do diferente, do aproveitamento do ócio e da procura da
felicidade. Era assim que esse gigante da sociologia apresentava o nosso país
para o mundo. O Brasil era o modelo que o mundo deveria seguir para ser feliz.
Quem diria, Domenico, que em 2019 teríamos um presidente
perguntando sobre golden shower no twitter. Quem poderia imaginar um país dando
aval para execuções em comunidades. Quem sonharia com uma nota lançada à
imprensa pelo exército brasileiro acusando um pai de família de atirar contra
as forças armadas, sem nenhuma investigação prévia do fato. O que deu errado?
Talvez Domenico não saiba, ou talvez tenha escolhido o
título do seu livro de propósito, mas o Brasil já brincava de dizer que era o
país do futuro. E a frase terminava dizendo que o futuro nunca chegava.
Novamente o futuro foi para longe e ficamos com um passado que deixa o medievo
com inveja.
Parece que o Brasil tem medo do futuro. E não só parece; ele
tem. Por quê? Porque o fantasma da igualdade rondava o país.
Em 2018, o Brasil figurava na posição de número 99 do
coeficiente Gini, o que indica que o Brasil é um dos países mais desiguais do
mundo, já que nada mudou desde que colocaram você sabe quem no poder. No
ranking da desigualdade, perdemos apenas para o Paraguai, para a Namíbia e
alguns outros.
Lula acreditou que o bolo poderia crescer por tempo
indeterminado, ou seja, seria possível acabar com a pobreza sem mexer no lucro.
E as margens de lucro das empresas instaladas no Brasil eram superiores as
instaladas na Europa ou Estados Unidos até 2016.
Domenico, provavelmente, via que o bolo não cresceria para
sempre, mas que, com um bolo grande e um país democrático, o Brasil teria a
chance de ser mais igual (Domenico procura enxergar sinais de progresso nas
ondas de pequenas violências, como no caso de crianças contratas em países
pobres para trabalhos manuais).
E essa ideia não veio desacompanhada de outras análises.
Thomas Piketty afirma, no livro O Capital no século XXI, que a
tendência natural de um planeta globalizado e capitalista é um desenvolvimento
mais acelerado de países mais pobres e desiguais, enquanto países mais ricos
assistiriam a um esfriamento de suas economias. Essa previsão indica que os
países subdesenvolvidos se tornariam desenvolvidos e as economias mundiais
entrariam em uma espécie de equilíbrio. Algo muito semelhante as idealizações
de Adam Smith e algumas projeções de David Ricardo. O mundo fantástico de Bob.
Quer dizer: o mundo fantástico do livre mercado.
De fato, o início da derivada da ascensão econômica pelo
tempo que Piketty previu aconteceu. Mas os países subdesenvolvidos não se
tornaram desenvolvidos. Aconteceu o óbvio. Países desenvolvidos meteram a mão
invisível no mercado para criar barreiras e dificuldades contra esse
equilíbrio, pois ele significaria menos lucro, e talvez menos pessoas morrendo
de fome. Mas o foco é o lucro.
Tivemos, com Trump, o aumento taxas de importação nos EUA, e
outros países instituindo barreiras para produtos de nações subdesenvolvidas a
fim de impedir um mundo mais igual. Existem muitos fatores para esse fenômeno,
mas tudo começa com átomos, quarks, strings – as partículas essenciais.
Pois, antes de gregos ou troianos, somos indivíduos. E
existe uma negação, um nihil que alguns tentam preencher com superioridade
diante de outros, com sensação de poder, de razão de existência na visão de si
como superior.
“Make America Great Again” é um jeito fofo de dizer: Ninguém
pode descobrir que somos iguais, humanos! É preciso manter o folclore de que
“lá nos estados unidos” tudo é perfeito. Lá o policial fala “PARADO” e se o
cidadão não parar o policial pode dar 25 tiros nele. E no outro dia a população
fará uma passeata em homenagem ao policial. Deixa esse povo descobrir que lá
morrem cerca de 160 policiais/ano, enquanto existem países semelhantes em que a
taxa não passa das dezenas.
“Make o pobre pobre again”. O risco do mundo mais
igualitário é justamente a sua igualdade. Imagine se a eleição não tivesse o
empurrãozinho do dono da Havan, da mamadeira erótica e da Record entrevistando
um indivíduo, que propõe a morte ou a expulsão de todos que não pensam igual a
ele, durante o processo eleitoral. Numa competição igual Bolsonaro não teria a
mínima chance, pois ele não tem capacidade para ocupar nenhum cargo que exija
inteligência. A parte boa é que ele mesmo admite isso. Acho fofo.
Na igualdade, o mero fato de nascer com privilégios não lhe
daria a certeza de ascensão sobre o outros, não lhe daria o medíocre orgulho de
ser mais que alguém. Orgulho que gente medíocre precisa para se sentir
importante. Então é preciso manter a desigualdade e justificá-la, legitimá-la,
colocá-la dentro de falácias.
São diversas as falácias, mas a mais comum é a que se resume
no termo Foucaltiano “empreendedor de si”. Essa falácia incentiva o indivíduo a
acreditar que ele é o único fator relevante para o seu próprio sucesso. O
ambiente em que nasceu, o país em que nasceu, a tonalidade da pele, nada disso
importa. Basta se esforçar. E é por isso que você nasceu na classe que nasceu.
E é por isso que nasceu no Brasil, porque você não foi um zigoto dedicado o
suficiente para nadar até a Suíça. Tudo culpa sua.
E nesse movimento, os ritos ganham importância como formas
de sustentar a falácia. Você não é um brasileiro, você é um Hickmann. Você não
é um humano, você é um americano. Você não é uma pessoa, você é um cristão
conservador, mas que assiste pornografia em nome de… Deixa pra lá. Você é
perfeito. E é perfeito porque merece, e aquele bandido merece a morte. Afinal
ele nasceu assim, né?
Ele nasceu bandido e você nasceu santo. Hitler bem que
tentou acabar com as pessoas que nasciam más.
E por falar em Hitler… Bolsonaro entra para um seleto
panteão juntamente com Adolf, Mussolini e outras figuras históricas. Pois,
apesar de muitos governantes usarem a ideia da divisão como um caminho para a
vitória nas urnas – vide Trump com a visão de que é preciso extirpar os
estrangeiros e os de matriz religiosa diversa da cristã do país – pouco líderes
falaram de extirpar os seus.
Até mesmo Trump fala de união quando assumiu o governo,
enquanto Bolsonaro fala de dividir, acabar, exterminar.
E talvez a minha fala lhe cause mágoas daqui para a frente,
mas todos nós temos de admitir que Bolsonaro tem feito um ótimo serviço. Ele
está cumprindo o que propôs como poucos fizeram. O problema é que ele não
propôs melhorar nada.
Se você reparar bem, os discursos dele sempre diziam que
“tem que acabar com isso aí” – a tosquíssima frase virou até chacota para se
referir a uma fala sem conteúdo. Repare que ele não falou em melhorar o país,
mas em mudar. E mudar pode ser para melhor ou para pior.
E tem gente surpresa com o fato dele se calar quando um
cidadão brasileiro é executado pelo exército de seu país. Obviamente ele não
falará nada, pois é exatamente isso que ele espera para o país. Bolsonaro não
ficou triste nem surpreso, pois é exatamente esse o país que ele quer. Ou você
acha que ele teria a mínima chance de vencer uma eleição ou se perpetuar no
poder se o país progredisse?
Bolsonaro não tem propostas, ele tem desejos. O desejo dele
é o caos para que ele fale do caos. E é por isso que ele não fez nada pelo Rio
De Janeiro nesse longo tempo de legislativo que ele tem, porque se algo
melhorasse ele perderia o palco. O caos é o palanque de Bolsonaro.
E nada disso é sem motivo. Domenico De Mais apontou um
futuro o qual Bolsonaro não podia suportar. Um país no qual os preconceitos
dele fossem malvistos. Onde a ignorância dele não lhe daria aval para colocar a
família toda na política. Onde ele andaria diariamente vigiado por olhares de
piedade.
Bolsonaro tinha duas opções: mudar a si ou mudar o país. E
eu já disse em outros textos que mudar a si é coisa para gente corajosa.
Bolsonaro criou um país pobre, triste, assustado, violento e
preconceituoso dentro de sua mente. E dessa ideia ele criou sua procissão
política. Em nome de dias melhores para ele, onde ele não fosse visto como um
ser fraco, mas como um mito. O mito da maldade em um sistema mal. Mito! Mito!
Mito!
E o mundo permite a aproximação quando há afinidade. Ele bem
que tentou ser amigo do Donald, mas não deu muito certo, já que Trump não quer
um amigo, ele quer um servo, e isso o Bolsonaro sempre foi (o famoso militar
que presta continência para a bandeira estrangeira. Eita desejo de ser
americano). E foi assim que começou a relação do mitomaníaco com o Olavo de
Carvalho. Pois ambos são muito parecidos. Ignorantes até os ossos, covardes,
medrosos e orgulhosos.
Olavo era ruim demais para o Brasil que era feliz. Então ele
foi embora daqui para não ver o nosso progresso. E lá de longe criou o Brasil
dos sonhos dele. O Brasil das conspirações comunistas alienígenas que só
poderiam ser derrotadas pelos cristãos assassinos em Cristo. E Olavo atirou
pedras até que não houvesse mais nenhuma pelo chão. Jesus saiu de perto e
apareceram os mestres do capitalismo para tentar ressuscitar aquele que tem o
pensamento morto.
Olavo idealizou o Brasil da mais miséria, da mais
desigualdade, da mais violência. E, juntamente com Bolsonaro, está construindo
esse sonho. A educação está sendo sucateada, os policias podem matar e negociar
preços sem maiores riscos, o tráfico de drogas segue lucrativo e as milícias
agradecem. As evidências são queimadas em uma fogueira simbólica na Nova
Berlim.
O Brasil se deteriora para você, cidadão brasileiro, mas se
torna um paraíso para estes dementadores.
Não sou o único a tentar explicar esse fenômeno, e talvez
sequer seja o mais claro. Portanto, segue uma lista de nomes de canais do
Youtube que dissecam o quadro narrado acima: Normose; Henry Bugalho, Canal
Púrpura, Coisas que você precisa saber, Meteoro Brasil, Frank Jaava, Tese Onze,
Quadro em Branco, leitura Obrigahistoria, Justificando.
Martel Alexandre del Colle é policial
há 10 anos. É aspirante a Oficial da Polícia militar do Paraná.
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