O autor é filho do jornalista, escritor e diplomata espanhol
Manuel Penella de Silva (1910-1969), que foi o “ghost writer” da primeira
versão de “A Razão da Minha Vida”, livro atribuído à mulher de Juan Domingo
Perón (1895-1974).
Penella vem a público agora para contar algo que os
argentinos não sabiam: a versão original, que tinha sido escrita por seu pai a
partir dos depoimentos de Evita, de Perón e da observação minuciosa feita sobre
o entorno do casal, foi alterada em quase todo o seu conteúdo.
Foram tiradas partes consideradas demasiadamente reveladoras
da intimidade e do pensamento da então primeira-dama e dos bastidores do poder
durante o governo peronista. Em seu lugar, foram inseridos vários elogios ao
presidente e general Perón.
O livro que hoje conhecemos saiu em 1951, apenas um ano
antes da morte de Evita em decorrência de um câncer –a essa altura, ela já
estava doente. Penella diz crer que nem a própria Evita conheceu a versão final
do livro que assina. Avidamente lido pelas mulheres peronistas, a obra foi
adotada nas escolas argentinas por muitos anos.
Transformado em um panfleto doutrinário, o livro foi
renegado por Penella de Silva, que não recebeu pelo trabalho e teve de passar
apertos para sustentar a família até conseguir deixar a Argentina.
Até então, ele havia tido uma carreira cheia de êxitos, como
correspondente na América Central, na Suíça e na Alemanha durante a Segunda
Guerra. Também era autor de livros sobre a atualidade do período.
Conta o filho que o pai se sentiu atraído pela figura de Eva
Perón em 1947, porque vinha se interessando pelo papel da mulher na política
internacional. Por conta disso, fez as malas, rumou para o sul e aproximou-se
do casal Perón, ganhando sua confiança a ponto de ser designado para a tarefa
de escrever o livro.
“Meu pai tinha uma sensação positiva em relação à Argentina
daquela época, e essa sensação se manteve até 1951. Parecia um lugar moderno,
onde uma nova proposta política vinha surgindo”, conta Penella filho à Folha.
“Com a descoberta do diagnóstico da doença de Evita e o resultado da publicação
do livro imperdoavelmente alterado, ele entrou numa verdadeira depressão.”
Uma das razões pelas quais Penella de Silva ficou tão
alterado é porque ele não gostava nada do general Perón. Também afirmava que
Evita era o verdadeiro motor do que considerava ser uma “revolução”.
Com as mudanças feitas por pessoas próximas a Perón, o
ex-presidente argentino ficou parecido com uma figura santa. O livro se
transformou em um convite para adorá-lo. Já Eva surgia quase que apenas como
uma pessoa que sustentava o mito. Na versão original do livro, cujos trechos são
publicados em “Evita y Yo”, percebe-se um trabalho mais rebuscado para retratar
a personagem e seu tempo, também mais jornalístico, crítico e menos laudatório.
“Para meu pai, a autêntica revolucionária era Eva Perón, e
não seu marido. Por isso se dedicou tanto a esse trabalho. Ele tinha grande
admiração por ela”, conta o filho.
Para ele, se a versão original tivesse vindo a público, a
imagem de Evita hoje seria outra. Além de perder o aspecto doutrinador, a obra
faria com que Evita “tivesse um lugar muito mais destacado na história do
feminismo contemporâneo, e não teria sido embrulhada por uma ideologia
ultraconservadora pela qual é conhecida hoje e que não fazia parte de sua
personalidade”.
O escritor também crê que as alterações tiveram como
objetivo deixar apenas o que o texto tinha de apreciação de que a Argentina era
o “país do futuro” naquela época.
Foi retirada a preocupação de Penella de Silva, e de Evita,
com a miséria. “Havia tanta miséria naquela época como há agora, e ela estava
legitimamente preocupada com isso. Se tivesse permanecido a versão de meu pai,
o legado do livro seria continuar chamando a atenção para sua personalidade
humanista e justiceira”.
Da Folhapress
Nenhum comentário:
Postar um comentário