A apuração criminal sobre a movimentação atípica de Fabrício
Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), completa nesta
terça-feira (30) um total de 482 dias sem uma conclusão.
Policial militar aposentado, Queiroz era uma espécie de chefe
de gabinete do filho do presidente Jair Bolsonaro na Assembleia Legislativa do
Rio, e o relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) que
o menciona junto com outras dezenas de assessores de políticos chegou no dia 3
de janeiro ao Ministério Público do estado.
Inicialmente, houve a produção de uma série de relatórios, e
a investigação formal foi instaurada em 30 de julho do ano passado. Ela
tramitou até janeiro no gabinete de procurador-geral de Justiça, Eduardo
Gussem, em razão do foro especial a que Flávio tinha direito como deputado
estadual.
O caso depois foi remetido à primeira instância da
investigação porque, ao ser eleito senador, ele perdeu o foro em casos que
envolvem seu mandato anterior na Assembleia Legislativa, isso baseado em uma
decisão tomada pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
A Folha de S.Paulo mostrou em fevereiro que a apuração sobre
o caso Queiroz perdeu velocidade durante a campanha eleitoral. O
procurador-geral de Justiça afirmou à época que um dos motivos para isso foi a
preparação de operações que prenderam prefeitos e vereadores em cidades do Rio
de Janeiro.
A investigação atualmente é tocada pela Promotoria de
Justiça, com apoio no âmbito criminal do Gaecc (Grupo de Atuação Especializada
em Combate à Corrupção). Há também investigação na área cível para analisar
eventual improbidade administrativa.
A investigação está sob sigilo, motivo pelo qual não é
possível saber o estágio em que se encontra nem que medidas foram tomadas até
agora.
Em fevereiro, Queiroz admitiu que recebia parte dos valores
dos salários dos colegas de gabinete. Ele diz que usava esse dinheiro para
remunerar assessores informais de Flávio, sem o conhecimento do deputado e
filho do presidente da República.
Há outros 22 procedimentos criminais e cíveis abertos
envolvendo outros políticos e seus assessores, como o presidente da Assembleia,
André Ceciliano (PT).
COMO COMEÇOU A INVESTIGAÇÃO?
A apuração que atingiu Flávio Bolsonaro tem origem em etapa
da Lava Jato do Rio que tinha deputados da Alerj (Assembleia Legislativa do
Estado do Rio de Janeiro) como alvo. Em 2017, três deles, incluindo o então
presidente da Casa, Jorge Picciani, do MDB, foram presos.
Um relatório do Coaf feito no âmbito dessa investigação
mencionava movimentações financeiras atípicas dos assessores dos deputados
estaduais, incluindo Fabrício Queiroz, que até outubro foi funcionário
comissionado de Flávio na Casa.
Em 2018, o Ministério Público do estado recebeu dados dessa
operação e, em novo desdobramento, abriu investigações criminais para apurar
essas suspeitas.
O QUE É O COAF?
O Conselho de Controle de Atividades Financeiras é um órgão
de inteligência que atua contra a lavagem de dinheiro e, mais recentemente, o
financiamento ao terrorismo. No novo governo, migrou do antigo Ministério da
Fazenda para o Ministério da Justiça.
O QUE É MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA ATÍPICA?
As instituições financeiras são obrigadas a informar ao órgão
todas as operações consideradas suspeitas, como repasses ou saques fracionados.
Há dezenas de critérios para que uma movimentação seja
enquadrada nesse perfil, como transações de quantias significativas por meio de
conta até então pouco movimentada ou mudança repentina e injustificada na forma
de movimentação de recursos.
Movimentação atípica, porém, só se torna crime se a origem
do dinheiro for ilícita.
QUAIS SÃO AS SUSPEITAS SOBRE FABRÍCIO QUEIROZ?
Segundo o Coaf, Fabrício Queiroz, que era policial militar e
uma espécie de chefe de gabinete informal do filho de Bolsonaro, movimentou R$
1,2 milhão de janeiro de 2016 a janeiro de 2017 -entraram em sua conta R$ 605
mil e saíram cerca de R$ 600 mil.
Além do valor, considerado incompatível com o patrimônio de
Queiroz, chamaram a atenção dos investigadores o volume de saques (que chegaram
a cinco em um mesmo dia) e o fato de ele ter recebido repasses de oito
funcionários do gabinete de Flávio. Queiroz se apresentava como motorista do
gabinete.
QUAIS ERAM AS ORIGENS E O DESTINO DOS VALORES?
Chegaram à conta de Queiroz R$ 216 mil por meio de depósitos
em dinheiro e R$ 160 mil em transferências vindas, em boa parte, de
funcionários da Assembleia.
Nathalia Queiroz, filha do policial militar e ex-assessora
de Flávio na Assembleia e de Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados, depositou
R$ 84 mil. O destino dos valores sacados também chamou a atenção do Coaf. Quase
metade do valor, R$ 324 mil, foi sacada de uma agência que fica na Assembleia
do Rio.
O QUE QUEIROZ FALA SOBRE A MOVIMENTAÇÃO?
Em entrevista ao SBT, em dezembro, Queiroz atribuiu a
movimentação a negócios particulares, como a compra e venda de automóveis.
Em fevereiro, o ex-assessor adicionou outra explicação em
petição ao Ministério Público. Afirmou que recolheu parte dos salários de
funcionários do chefe para distribuir a outras pessoas para que trabalhassem
pelo então deputado estadual, ainda que não formalmente empregadas.
O objetivo, segundo ele, era aumentar o número de assessores
a fim de aproximar Flávio de sua base eleitoral. Na petição entregue à
Promotoria, ele diz que o senador não tinha conhecimento da prática. Até o
momento, contudo, Queiroz não informou quem eram os assessores informais do
senador.
QUAL O ELO DA MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA COM O PRESIDENTE
JAIR BOLSONARO?
Entre as transações de Queiroz, está um cheque de R$ 24 mil
para Michelle Bolsonaro, a atual primeira-dama.
Em entrevistas após a divulgação do caso, Jair Bolsonaro
disse que a primeira-dama recebeu o cheque porque o ex-assessor estava pagando
parte de uma dívida de R$ 40 mil que tinha com ele.
Essa dívida não foi declarada no Imposto de Renda. O
presidente afirmou ainda que os recursos foram para a conta de Michelle porque
ele não tem "tempo de sair".
QUAL FOI A MOVIMENTAÇÃO TOTAL NAS CONTAS DE QUEIROZ?
O relatório do Coaf que deu início ao caso abordava apenas
um período de 2016 a 2017. Reportagem do jornal O Globo, porém, afirma que,
além dos R$ 1,2 milhão inicialmente revelados, passaram por sua conta corrente
mais R$ 5,8 milhões nos dois exercícios anteriores, totalizando R$ 7 milhões.
POR QUE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA DE FLÁVILO BOLSONARO
TAMBÉM VEIO A PÚBLICO?
Em meio à apuração do caso Queiroz, o Ministério Público do
Rio solicitou ao Coaf novo relatório, desta vez sobre as contas de Flávio. A
Promotoria pediu as informações em 14 de dezembro e foi atendida no dia 17 -um
dia antes de ele ter sido diplomado senador. O mandato de deputado estadual de
Flávio terminou em 31 de janeiro, e ele assumiu uma cadeira no Congresso no dia
seguinte.
O QUE FOI REVELADO EM RELAÇÃO A FLÁVIO NESSE RELATÓRIO?
O Coaf apontou que o filho do presidente recebeu em sua
conta bancária 48 depósitos em dinheiro em junho e julho de 2017, sempre no
valor de R$ 2.000, totalizando R$ 96 mil.
De acordo com reportagem do Jornal Nacional sobre o caso, os
depósitos foram feitos no autoatendimento da agência bancária que fica dentro
da Assembleia, e os remetentes não foram identificados.
O que disse o filho do presidente a respeito? Em entrevista
à TV Record, ele disse que recebeu dinheiro em espécie pela venda de um imóvel
e que depositou R$ 2.000 por ser o limite no caixa eletrônico. O comprador do
imóvel, o ex-atleta Fábio Guerra, confirmou que pagou em dinheiro vivo porque
havia recebido em espécie valores da venda de um outro imóvel. A escritura da
transação, porém, aponta uma divergência de datas e registra que o sinal foi
pago meses antes.
O QUE É O PAGAMENTO FEITO POR FLÁVIO DE UM TÍTULO
BANCÁRIO DE R$ 1 MILHÃO?
Segundo a TV Globo, o Coaf, em seu relatório sobre as
movimentações de Flávio Bolsonaro, identificou um pagamento de R$ 1.016.839 de
um título bancário da Caixa Econômica, mas sem especificar a data e o
favorecido.
Em entrevista para a Record, o senador eleito afirmou que
esse título se referia ao financiamento de um imóvel, o que é confirmado por
documentos registrados em cartório à época.
QUAL É O ESTÁGIO ATUAL DESSA INVESTIGAÇÃO?
O Ministério Público do Rio de Janeiro divulgou em fevereiro
deste ano todos os procedimentos adotados até aquela data, sem revelar o
conteúdo das diligências. Desde então, o procedimento é tocado em sigilo
absoluto, motivo pelo qual não há informações sobre novas medidas tomadas.
POR QUE FLÁVIO TENTOU PARALISAR A INVESTIGAÇÃO?
A investigação na parte criminal chegou a ser paralisada por
ordem do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, após pedido da defesa
de Flávio Bolsonaro.
Ele afirmava que o Supremo tinha de analisar a quem caberia
assumir o caso, já que Flávio foi eleito e diplomado senador, tendo direito a
foro especial. Diz ainda que o Ministério Público do Rio quebrou seu sigilo
bancário de forma ilegal, ao solicitar ao Coaf seus dados bancários sem
autorização judicial e pede a anulação de provas obtidas.
Ao fim do recesso do Judiciário, em 1º de fevereiro, o
ministro Marco Aurélio Mello indeferiu o pedido -o que, na prática, manteve o
caso no Rio de Janeiro. Flávio fez nova tentativa de paralisar a apuração no
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, mas não houve sucesso.
AS INFORMAÇÕES RELATADAS PELO COAF EQUIVALEM A QUEBRA DE
SIGILO BANCÁRIO?
Conforme as decisões da Justiça até agora, não. Em
julgamento sobre questão semelhante em 2017, o Superior Tribunal de Justiça, a
segunda mais importante corte do país, decidiu que a mera solicitação de
manifestação do Coaf não constitui "necessariamente, risco de obtenção de
informações protegidas por sigilo fiscal e, portanto, independente de prévia
autorização judicial".
QUE IRREGULARIDADES SÃO APONTADAS PELO MINISTÉRIO
PÚBLICO?
A apuração criminal corre sob sigilo e os promotores não dão
detalhes sobre o assunto. O pagamento de outros funcionários a Queiroz sugere a
prática de pedágio no gabinete, também apelidada de "rachadinha", que
ocorre quando alguém determina a retenção de uma parte dos salários de
servidores nomeados.
Em tese, essa situação pode configurar o crime de peculato
(desvio de dinheiro público). Antes de o STF interromper a investigação
criminal, o chefe do Ministério Público do Rio, Eduardo Gussem, disse que
poderia ser oferecida uma denúncia no caso Queiroz mesmo sem a realização de
oitivas com os alvos. O ex-assessor não apareceu em dois depoimentos marcados,
alegando problemas de saúde.
QUAL A RELAÇÃO DO CASO COM MILÍCIAS DO RIO?
Operação deflagrada no Rio em fevereiro tinha como um dos
alvos de mandado de prisão o ex-capitão da PM Adriano Nóbrega, suspeito de
chefiar milícias na cidade. A mãe e a mulher dele foram funcionárias do
gabinete de Flávio até o ano passado. O senador eleito atribuiu as indicações
aos cargos a Queiroz.
QUESTÕES AINDA SEM RESPOSTA
- Por que motivo Jair Bolsonaro emprestou dinheiro a alguém
que costumava movimentar centenas de milhares de reais?
- De que forma foi feito esse empréstimo pelo presidente e
onde está o comprovante da transação?
- Onde estão os comprovantes da venda e compra de carros
alegadas por Queiroz?
- Por que Queiroz ainda não entregou às autoridades a lista
das pessoas que recebiam como assessores informais de Flávio?
- Se Flávio possui apenas uma empresa, que foi aberta em seu
nome em 2015, como ele obteve R$ 4,2 milhões para comprar dois imóveis de 2012
a 2014?
- Por que Flávio fracionou o dinheiro da venda do imóvel, se
poderia ter depositado de uma só vez?
Da FOLHAPRESS
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