Os temas são sombrios, mas as cores vibram. As mulheres são
excêntricas e absolutamente normais na excentricidade. A volta da matriarca que
já havia morrido é nada mais do que fato corriqueiro na vida bruta daquelas
mulheres. Ao acompanhar os resultados das eleições na Espanha, me veio à cabeça
o filme de Pedro Almodóvar. Enquanto o xará Pedro Sánchez liderava seu partido
para a vitória, pensava em Volver. Talvez a associação tenha vindo da presença
feminina – 65% do ministério de Sánchez fora formado por mulheres após as
eleições que removeram Mariano Rajoy do cargo de primeiro-ministro em 2018, o
que repercutiu mundo afora na ocasião. No entanto, é mais provável que a
associação tenha vindo do título do filme: Pedro Sánchez voltou fortalecido
após a rejeição de sua proposta orçamentária que resultou nessas últimas
eleições.
A vitória do PSOE de Sánchez e o enfraquecimento do Partido
Popular (PP) de Mariano Rajoy, além da ascensão do partido de extrema-direita
VOX, ainda serão esmiuçadas à exaustão por cientistas políticos e analistas
diversos. Evidentemente, as eleições da Espanha têm marcas profundamente
espanholas – os movimentos separatistas da Catalunha, o referendo
inconstitucional sobre a independência da região, e tantos outros temas mais
tiveram peso sobre o resultado. Contudo, é possível identificar traços mais
gerais com implicações interessantes para a política e para a política
econômica em tempos de extremismos. No caso da política, a ameaça do
radicalismo neofascista do VOX pode ter sido bastante importante para mobilizar
os impressionantes 76% de eleitores que compareceram às urnas no último
domingo.
Mas tão interessante quanto refletir sobre como a Espanha
pode ajudar o centro político a volver é pensar sobre quais as políticas
econômicas que podem frear a sanha nacionalista ultraconservadora. Durante o
curto governo iniciado em maio do ano passado, o PSOE conseguiu promover alguns
avanços importantes no combate às desigualdades – tanto de renda, como de
gênero – priorizando o aumento do salário mínimo, do investimento público, e a
adoção de medidas para diminuir as disparidades entre homens e mulheres – sem
comprometer a sustentabilidade das contas públicas no médio prazo. Não custa
lembrar que a população espanhola já estava farta da austeridade, do desemprego
elevado, da estagnação da qualidade de vida, da sensação de injustiça social
provocada tanto pela crise econômica, quanto pelas revelações de corrupção no
PP, tradicional partido de centro-direita.
Portanto, a vitória do PSOE levanta a pergunta: seria
possível atrair eleitores indignados por meio de políticas redistributivas,
porém fiscalmente prudentes, que eliminem a tentação de resvalar para o
extremismo? Em que medida pode um partido de linha mais moderada – seja à
esquerda ou à direita – oferecer um seguro social atraente por meio da política
econômica sem prejudicar a estabilidade do país? Se o nacionalismo
ultraconservador for fruto da insegurança provocada pelas inovações
tecnológicas, pela globalização, pela imigração, essas perguntas tornam-se
extremamente relevantes. Ou seja, talvez seja possível reconstruir o centro
político e eliminar a radicalização com um programa econômico fundamentado
nessas inseguranças e voltado para a provisão desse seguro social, o que seria
uma espécie de reinvenção da social democracia. Por ora, a Espanha serve como
exemplo de que isso é possível, ainda que difícil.
Traduzir isso para o Brasil, contudo, não é difícil. Ao que
tudo indica, o governo destrambelhado de Bolsonaro pouco ou nada fará pelas
redes de proteção social, mas talvez faça algo pela sustentabilidade fiscal
caso consiga emplacar a reforma da Previdência. Com taxas de desemprego
elevadas, uma economia semiestagnada – a Previdência não é bala de prata para o
crescimento – e parcelas da população sem muita esperança de que haverá
melhoria de vida, parece claro o caminho para a construção de um centro que
seja prudente no manejo fiscal de médio prazo, mas que responda às inseguranças
de curto prazo. Quem o fará em meio à balbúrdia tupiniquim tem sido mais
difícil de enxergar do que o caminho em si.
Volto ao início. Como a obra cinematográfica de Almodóvar, o
resultado das eleições espanholas é ao mesmo tempo unicamente espanhol e
profundamente global. Há lições e aliterações importantes para o Brasil. Aos
que repudiam o retrocesso radical: há retorno.
*Economista, pesquisadora do Peterson Institute for
International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University
Nenhum comentário:
Postar um comentário