A vida cotidiana
parece impossível na Venezuela. Parece inviável até quando a gente compara a
dureza dos vizinhos à situação terrível das famílias muito pobres no Brasil,
que recebem em média R$ 186 por mês do Bolsa Família e pagam R$ 2,50 pelo quilo
do arroz mais barato. Pode ser pior.
Uma dúzia de ovos em Caracas sai por 6.400 bolívares. Um
quilo de arroz, por 8.000 bolívares. O salário mínimo, mais o bônus
alimentação, é de 65 mil bolívares, US$ 12,50, pelo câmbio oficial. Um frango
custa uns 25 mil bolívares. Uma banana (uma unidade), 1.200 bolívares. Mais da
metade dos trabalhadores do setor formal ganha um salário mínimo, mas as
estatísticas são precárias.
É difícil entender a economia de um país em que a inflação
em março era de 1.623.656% ao ano. Baixou um pouco. Havia chegado a 2.688.670%,
em janeiro.
No auge do horror, a inflação brasileira foi a 6.821% ao
ano, em 1990. Diferença de milhares para milhões, favor prestar atenção.
A inflação é calculada pela Assembleia Nacional, pois faz
muitos anos ninguém acredita nas mentiras do governo (quando os números
existem). É preciso recorrer a estimativas privadas ou a instituições
internacionais para saber algo tão básico quanto o valor da produção nacional,
o PIB.
Os números da ONU (Cepal) e do FMI divergem um pouco, mas
desde 2013 a economia encolheu pelo menos 45%. O PIB do Brasil, que vive uma
depressão, diminuiu 4,2% no mesmo período. Nos chutes para este ano, a recessão
venezuelana deve ser de 10% a 25%.
Em uma década, a produção de veículos caiu uns 95%. Sim,
quase tudo se foi, quase não se fabricam carros por lá, como quase mais nada. O
que havia de indústria foi arruinado por desordem extrema e por importações,
facilitadas pela demagogia do dólar barato e pagas pelo petróleo caro —enquanto
durou.
As importações totais do país caíram 85% desde 2012. O país
não tem dólares suficientes para comprar produtos no exterior, dá calotes na
dívida e se vira com refinanciamentos e empréstimos de russos e chineses. Nos
chutes informados do FMI, a taxa de desemprego seria de 35%.
O país começou a entrar em colapso no ano da morte de Hugo
Chávez, em 2013. Na média dos últimos 20 anos, cerca de 90% do valor das
exportações veio do petróleo (mais de 95%, nesta década).
O preço do barril baixou muito a partir de 2014, o que
explodiu de vez a economia, é verdade.
No entanto: 1) Quase todos os países da América Latina vivem
de commodities. Mesmo levando em conta a importância excessiva do petróleo, a
Venezuela se desgraçou mais que os vizinhos; 2) O governo gastava como se o
preço do barril fosse ficar alto para sempre. Quem tem renda variável e despesa
permanentemente alta, um dia quebra; 3) O governo destruiu a PDVSA, a
petroleira estatal; 4) Não há nada parecido com política econômica na Venezuela
faz mais de dez anos; 5) A produção de petróleo caiu pela metade desde 2013.
O déficit do governo começou a explodir nesta década. Nas
contas do FMI, anda pela casa de 30% do PIB (no pior desta crise desesperadora,
chegou a 11% no Brasil). O governo paga as contas com emissão de dinheiro
(digital, pois nem imprimir notas consegue: falta moeda na praça).
Sim, o boicote americano piorou a situação, o que nem de
longe explica o desastre. A reconstrução, se e quando vier, vai depender de anos
de tutela e de empréstimos externos de muitas dezenas de bilhões de dólares.
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