Bolsonaro organizou
sua campanha presidencial em torno de um discurso ideológico, não de uma
plataforma de governo. Hoje, quatro meses após a posse, temos finalmente uma
clara plataforma de governo. O nome dela é faroeste Brasil.
Bolsonaro anunciou a
intenção de conceder aos proprietários rurais o direito a portar armas e um
passaporte de impunidade, cinicamente descrito como “excludente de ilicitude”,
para os que alvejarem invasores. A pretensão, que viola as leis existentes,
implica a formação de milícias rurais privadas com selo oficial: o retorno a um
passado no qual a proteção da propriedade privada se sobrepunha ao monopólio
estatal da violência legítima.
Bolsonaro anunciou
uma “limpa no Ibama e no ICMBio” e um drástico corte de recursos para a
estrutura de fiscalização das unidades de conservação. Seu filho Flávio
apresentou projeto de alteração do Código Florestal que eliminaria o capítulo
referente à reserva legal de vegetação nativa nas propriedades rurais. A supressão
permitiria o avanço das culturas em áreas de matas protegidas em
estabelecimentos situados na Amazônia. De fato, seria a legalização dos
negócios ilegais de desmatadores, madeireiros, palmiteiros, mineradores e
invasores de terras indígenas. No Brasil profundo, passaria a valer a lei do
colono armado.
Bolsonaro anunciou a
retirada de todos os radares de tráfegoinstalados em rodovias federais. Há, de
fato, uma lucrativa indústria de multas de trânsito que opera à base de
armadilhas como radares ocultos, variações bruscas de limites de velocidade e
confusa sinalização. Daí, o presidente não extraiu a necessidade de adequar o
sistema de fiscalização ao propósito de educação dos motoristas. Optou, no
lugar disso, por um programa de anarquia individualista nas estradas.
O ministro da
Justiça de Bolsonaro, Sergio Moro, tem especial apreço por prisões preventivas.
O juiz Marcelo Bretas, que segue a mesma linha, criticou a “visão tradicional”
dos tribunais superiores que limitam a prisão preventiva às hipóteses previstas
no Código de Processo Penal. Bretas expressou a visão de Moro ao afirmar que
“hoje em dia é muito difícil o sujeito fugir” e, por isso, “o que querem é
conseguir habeas corpus”. No discurso legal bolsonarista, o habeas corpus é
rebaixado do estatuto de pilar fundamental do direito moderno, salvaguarda da
liberdade do cidadão diante do arbítrio estatal, à condição de estratagema de
criminosos para escapar à justa punição.
Lula restaurou o
Estado balofo, paternalista, corporativista e intervencionista, legado pelo
varguismo. Bolsonaro gira o leme até a posição oposta, tentando instaurar o
vale-tudo. O espírito da fronteira tomou o Palácio do Planalto. Cada uma das
iniciativas presidenciais constitui um ataque às regras de convivência social
que previnem o “estado de natureza” hobbesiano: a “guerra de todos contra
todos”.
Mas, que ninguém se
engane: a plataforma de governo não é, rigorosamente, a do “Estado mínimo”
desenhado nas utopias ultraliberais. Segundo Bolsonaro, o princípio do “Estado
mínimo” aplica-se às esferas da administração das coisas e da garantia da
liberdade dos indivíduos. Por outro lado, aplica-se o princípio do “Estado
máximo” à esfera dos costumes e aos interesses das corporações de “amigos do
rei”.
O “Estado máximo”
bolsonarista emerge em atos de puro arbítrio inscritos numa arena de “guerra
cultural”, como a interferência palaciana na publicidade do Banco do Brasil e
os propalados cortes seletivos de verbas a cursos de humanas e universidades
“esquerdistas”. Assoma, igualmente, na concessão de benefícios preferenciais a
grupos de pressão como igrejas, caminhoneiros e ruralistas.
Bolsonaro só não é
um Putin, um Erdogan, um Maduro ou um Ortega porque está no país errado. Aqui,
vale o que está escrito na Constituição. Por enquanto.
Demétrio Magnoli,
sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É
doutor em geografia humana pela USP.
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