O tripé de credibilidade do governo está sob fogo cerrado da
ala radicalizada do bolsonarismo, com o aval, quase sempre indireto, do próprio
presidente, convencido pelo filho tuiteiro Carlos e por seu guru esotérico
Olavo de Carvalho de que enfraquecê-lo é fortalecer um governo populista de
comunicação direta com os cidadãos através das novas mídias sociais.
É através delas que guru e seguidores desencadeiam sua
guerra particular contra quem possa ameaçar o “mito”. Em recente tuíte, Carlos
explicita esse temor ao dizer que os elogios ao “ótimo” Paulo Guedes visam a
enfraquecer seu pai. Foi assim também com o vice-presidente Hamilton Mourão,
uma reserva de bom senso em meio ao caos do governo, identificado pelos
radicalizados como querendo se transformar em um contraponto a Bolsonaro.
Tudo é feito premeditadamente, uma loucura aparente, com
muito método. Os superministros Paulo Guedes, da Economia, e Sergio Moro, da
Justiça, e os militares que fazem parte do governo precisam ser contidos como
forças políticas, para que se destaque a liderança pessoal de Bolsonaro.
O governo foi montado sobre um projeto populista que
pretende transferir ao presidente, e a mais ninguém, os êxitos alcançados,
desde o combate ao crime e à corrupção até uma eventual melhoria da economia. E
a visão do presidente e sua turma geralmente não combina com as de seus
principais assessores, pois objetivam fazer um governo sem limitações
institucionais, com resultados imediatos.
Não é por acaso, portanto, que, sempre que pode, Bolsonaro
lamenta ter que fazer a reforma da Previdência, defende os velhinhos e os
pobres, que supostamente estariam sendo prejudicados pelos estudos da equipe
econômica, promete ações que não se coadunam com a economia restritiva, quase
de guerra, defendida pelo ministro Paulo Guedes, como reajustar a tabela de
Imposto de Renda pela inflação. Ou interferir no preço do diesel.
Também no combate ao crime organizado e à corrupção,
fundamento para o então juiz Sergio Moro estar em seu Ministério, o presidente
tem uma visão simplista, que não leva à estruturação de um programa efetivo
como o que pretende Moro. Quem imaginava que a presença de Moro no governo
seria uma garantia de que excessos seriam contidos já teve, ele inclusive,
demonstrações de que há situações em que a ideologia fala mais alto.
Permitir que cada cidadão possa ter quatro armas em casa, e
não duas, como sugeria Moro, é exemplar dessa postura. Ampliar as
possibilidades de porte de arma, também. Quando foi divulgado o decreto sobre
posse de armas, Moro fez questão de frisar que não se tratava de porte.
Agora, teve que engolir o decreto, de que tomou conhecimento
pouco antes de ser divulgado. A falta de empenho do governo para manter o Coaf
no ministério de Moro é também indicativa de que Bolsonaro é capaz de abrir mão
de propostas coerentes, mas secundárias para o projeto político populista.
Da mesma maneira, sua dubiedade em relação aos ataques aos
militares mostra que, ao contrário do que se imaginava, estava interessado
apenas na aura de credibilidade que dão ao seu ministério, não nas suas
ponderações ou posturas democráticas, garantidoras da estabilidade.
Houve quem temesse que tantos militares juntos favorecessem
uma situação institucional precária, que levasse ao famoso “autogolpe”. O que
se vê é, ao contrário, os militares se transformando em garantidores das
liberdades democráticas, enquanto os bolsonaristas radicalizados os atacam.
Moro, de candidato natural à Presidência da República na
sucessão de Bolsonaro, passou a ter que engolir sapos enquanto faz hora para ir
para o Supremo Tribunal Federal. Foi essa a mensagem implícita da fala de
Bolsonaro, ao dizer que a primeira vaga que abrir no STF será dele.
Transformou-o em um subalterno sem grandeza, substituível, o que até agora
parecia impensável.
Moro está sendo vítima de ataques de dentro do Congresso,
porque é visto como perseguidor de político, e, no governo, de pessoas que não
gostam da ideia de que, sem ele e sem o ministro da Economia, Paulo Guedes, o
governo Bolsonaro acabaria. A ala radicalizada do bolsonarismo joga com outra
hipótese, a de que a liderança política do “mito” dispensa avalistas. O único
“super” é ele mesmo, cujo aval vem das ruas. O “mito” acima de todos.
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