quarta-feira, 8 de maio de 2019

O QUE FAZER COM A APEX ?

Sérgio Amaral, O Estado de S.Paulo
A distribuição de diferentes agências responsáveis por comércio exterior no organograma administrativo do governo é quase sempre uma decisão difícil. Não se trata apenas da disputa corporativa por espaços e cargos, o que seria, dentro de certos limites, normal. Trata-se da necessidade de articular visões e interesses distintos, mas igualmente legítimos, no âmbito de um processo decisório que logre tirar o melhor proveito dos benefícios que o comércio exterior traz para produtores e consumidores, enfim, para o País.
O Ministério da Economia tende a privilegiar, no intercâmbio comercial, a contribuição para a eficiência da economia. O ministro do Comércio estará voltado para o potencial e as vulnerabilidades do setor produtivo. A diplomacia dirigirá o seu foco ao processo negociador e à remoção dos obstáculos para a exportação, e assim por diante.
Diferentes países já adotaram as mais diversas estruturas, quase sempre colegiadas, para a coordenação do comércio internacional. O Canadá inseriu as diferentes agências no âmbito do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Poucos anos depois, no entanto, recriou a Secretaria de Comércio. A Grã-Bretanha reúne a maioria das funções numa agência de comércio que responde ao mesmo tempo aos Ministérios do Comércio e dos Assuntos Estrangeiros. A França reforçou recentemente a Ubifrance como órgão central para a promoção das exportações e atração de investimentos.
A China, por sua vez, favorece a centralização do comércio e dos investimentos no exterior num ponto focal, que articula os formuladores de política e negociadores com os dirigentes de empresas. Assegura assim uma visão de conjunto, como se tivesse o painel de bordo do piloto de um avião, que lhe permite monitorar as principais variáveis do intercâmbio econômico com o exterior.
A experiência mostra, assim, que não existe a priori um modelo único ou ideal, mas é preciso contar com um ou mais órgãos colegiados com a capacidade de fixar políticas e de articular as diferentes iniciativas que compõem a promoção das exportações e a atração de investimentos.
Tive a oportunidade de participar do desenho e da criação da Câmara de Comércio Exterior (Camex) e fui mais tarde o seu presidente. Criada em 1995, a Camex tinha o objetivo de coordenar os ministérios envolvidos no comércio internacional.
Em 2001, como ministro da Indústria e do Comércio, autorizei a transferência de uma fatia dos recursos do Sebrae para a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), com a finalidade de preparar e apoiar as empresas, sobretudo as médias e pequenas, para a exportação. Sua criação, portanto, visou uma efetiva parceria entre o governo e o setor privado, que, por sinal, participa do rateio dos custos relativos à maioria das operações, sobretudo no exterior. Daí por que a composição de suas instância dirigentes deve associar ou alternar representantes dos setores público e privado.
Ao longo de mais de uma década, a Apex logrou resultados expressivos. O primeiro deles foi o de superar progressivamente as redundâncias que se manifestavam entre suas operações no exterior e os setores de promoção comercial de quase uma centena de consulados e embaixadas. O processo de fusão institucional em curso trará importantes sinergias para fortalecer uma complementaridade natural. A Apex tem certamente mais entrosamento e capilaridade com as empresas no Brasil; o Itamaraty, por sua vez, oferece o apoio local de sua ampla rede no exterior, assegurando assim a continuidade das ações e a familiaridade com o mercado local.
O centro de inteligência da Apex recrutou por concurso e treinou um contingente de profissionais qualificados, que desenvolveram novas metodologias para identificar oportunidades e barreiras à exportação para os principais mercados, que levam em conta não apenas a estrutura tarifária, mas igualmente toda uma panóplia de barreiras técnicas e licenças de caráter protecionista.
Alguns poderiam alegar que os recursos destinados à Apex são elevados ou mesmo excessivos. Podem até ser, se as funções da Apex e do setor de promoção comercial do Itamaraty, ora em processo de fusão, continuarem a concentrar-se nas rotinas de um tempo que já passou. Mas as dotações da Apex seriam inteiramente justificadas para atender a uma visão mais ampla e moderna da promoção econômica do Brasil no exterior, que venha a incluir igualmente a cooperação técnica e a promoção da imagem do Brasil no exterior, como já foi esboçado, mas não concretizado.
O Brasil realiza, há varias décadas, uma cooperação técnica reconhecidamente competente. Muitas vezes, no entanto, parece mais voltada para cultuar as heranças do passado do que para construir as pontes para o futuro. Poucos talvez se deem conta de que a cooperação técnica é, e deve ser, a porta de entrada para a exportação de produtos e serviços, tecnologias e equipamentos. Um importante líder africano comentou certa vez em São Paulo que a África não precisa de compaixão, mas de investimentos, sobretudo no ramos do agronegócio, em que o Brasil desenvolveu uma tecnologia própria para as culturas de zona tropical.
Outro fator relevante é a adequada e continuada promoção da imagem do Brasil. De um país de oportunidades, de produtos de qualidade, com agregação de valor. De tecnologias e serviços apropriados para países em desenvolvimento. Vale lembrar, também, a promoção do turismo, que tecnicamente é a prestação de um serviço, que é feito no Brasil, e não no exterior.
É hora de pensar grande e ter ambições maiores. A sociedade brasileira já demonstrou a determinação de pôr a casa em ordem. Resta ajustar sua inserção internacional às demandas e oportunidades de um mundo global, em profundas transformações.
*EMBAIXADOR EM WASHINGTON, FOI MINISTRO DA INDÚSTRIA E DO COMÉRCIO EXTERIOR
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