A distribuição de diferentes agências responsáveis por
comércio exterior no organograma administrativo do governo é quase sempre uma
decisão difícil. Não se trata apenas da disputa corporativa por espaços e
cargos, o que seria, dentro de certos limites, normal. Trata-se da necessidade
de articular visões e interesses distintos, mas igualmente legítimos, no âmbito
de um processo decisório que logre tirar o melhor proveito dos benefícios que o
comércio exterior traz para produtores e consumidores, enfim, para o País.
O Ministério da Economia tende a privilegiar, no intercâmbio
comercial, a contribuição para a eficiência da economia. O ministro do Comércio
estará voltado para o potencial e as vulnerabilidades do setor produtivo. A
diplomacia dirigirá o seu foco ao processo negociador e à remoção dos
obstáculos para a exportação, e assim por diante.
Diferentes países já adotaram as mais diversas estruturas,
quase sempre colegiadas, para a coordenação do comércio internacional. O Canadá
inseriu as diferentes agências no âmbito do Ministério dos Negócios
Estrangeiros. Poucos anos depois, no entanto, recriou a Secretaria de Comércio.
A Grã-Bretanha reúne a maioria das funções numa agência de comércio que
responde ao mesmo tempo aos Ministérios do Comércio e dos Assuntos
Estrangeiros. A França reforçou recentemente a Ubifrance como órgão central
para a promoção das exportações e atração de investimentos.
A China, por sua vez, favorece a centralização do comércio e
dos investimentos no exterior num ponto focal, que articula os formuladores de
política e negociadores com os dirigentes de empresas. Assegura assim uma visão
de conjunto, como se tivesse o painel de bordo do piloto de um avião, que lhe
permite monitorar as principais variáveis do intercâmbio econômico com o exterior.
A experiência mostra, assim, que não existe a priori um
modelo único ou ideal, mas é preciso contar com um ou mais órgãos colegiados
com a capacidade de fixar políticas e de articular as diferentes iniciativas
que compõem a promoção das exportações e a atração de investimentos.
Tive a oportunidade de participar do desenho e da criação da
Câmara de Comércio Exterior (Camex) e fui mais tarde o seu presidente. Criada
em 1995, a Camex tinha o objetivo de coordenar os ministérios envolvidos no
comércio internacional.
Em 2001, como ministro da Indústria e do Comércio, autorizei
a transferência de uma fatia dos recursos do Sebrae para a Agência Brasileira
de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), com a finalidade de preparar
e apoiar as empresas, sobretudo as médias e pequenas, para a exportação. Sua
criação, portanto, visou uma efetiva parceria entre o governo e o setor
privado, que, por sinal, participa do rateio dos custos relativos à maioria das
operações, sobretudo no exterior. Daí por que a composição de suas instância
dirigentes deve associar ou alternar representantes dos setores público e
privado.
Ao longo de mais de uma década, a Apex logrou resultados
expressivos. O primeiro deles foi o de superar progressivamente as redundâncias
que se manifestavam entre suas operações no exterior e os setores de promoção
comercial de quase uma centena de consulados e embaixadas. O processo de fusão
institucional em curso trará importantes sinergias para fortalecer uma
complementaridade natural. A Apex tem certamente mais entrosamento e
capilaridade com as empresas no Brasil; o Itamaraty, por sua vez, oferece o
apoio local de sua ampla rede no exterior, assegurando assim a continuidade das
ações e a familiaridade com o mercado local.
O centro de inteligência da Apex recrutou por concurso e
treinou um contingente de profissionais qualificados, que desenvolveram novas
metodologias para identificar oportunidades e barreiras à exportação para os
principais mercados, que levam em conta não apenas a estrutura tarifária, mas
igualmente toda uma panóplia de barreiras técnicas e licenças de caráter
protecionista.
Alguns poderiam alegar que os recursos destinados à Apex são
elevados ou mesmo excessivos. Podem até ser, se as funções da Apex e do setor
de promoção comercial do Itamaraty, ora em processo de fusão, continuarem a
concentrar-se nas rotinas de um tempo que já passou. Mas as dotações da Apex
seriam inteiramente justificadas para atender a uma visão mais ampla e moderna
da promoção econômica do Brasil no exterior, que venha a incluir igualmente a
cooperação técnica e a promoção da imagem do Brasil no exterior, como já foi
esboçado, mas não concretizado.
O Brasil realiza, há varias décadas, uma cooperação técnica
reconhecidamente competente. Muitas vezes, no entanto, parece mais voltada para
cultuar as heranças do passado do que para construir as pontes para o futuro.
Poucos talvez se deem conta de que a cooperação técnica é, e deve ser, a porta
de entrada para a exportação de produtos e serviços, tecnologias e equipamentos.
Um importante líder africano comentou certa vez em São Paulo que a África não
precisa de compaixão, mas de investimentos, sobretudo no ramos do agronegócio,
em que o Brasil desenvolveu uma tecnologia própria para as culturas de zona
tropical.
Outro fator relevante é a adequada e continuada promoção da
imagem do Brasil. De um país de oportunidades, de produtos de qualidade, com
agregação de valor. De tecnologias e serviços apropriados para países em
desenvolvimento. Vale lembrar, também, a promoção do turismo, que tecnicamente
é a prestação de um serviço, que é feito no Brasil, e não no exterior.
É hora de pensar grande e ter ambições maiores. A sociedade
brasileira já demonstrou a determinação de pôr a casa em ordem. Resta ajustar
sua inserção internacional às demandas e oportunidades de um mundo global, em
profundas transformações.
*EMBAIXADOR EM WASHINGTON, FOI MINISTRO DA INDÚSTRIA E DO
COMÉRCIO EXTERIOR
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