A experiência ameaça suplantar a esperança. Desde que
Jair Bolsonaro começou seu mandato presidencial, caiu 13 pontos a proporção de
eleitores que acham boa ou ótima a ideia de um governo militar no Brasil.
Segundo pesquisa inédita do Ibope, em janeiro, logo após a posse, 62% dos
brasileiros idealizavam os militares no poder. Foi um recorde, mas a
presidência do ex-capitão do Exército não parece ter ajudado a sustentar tanta
expectativa. Em abril, a taxa foi a 49%. Ainda é alta, mas a oposição ao
governo militar ganhou força simultaneamente.
Em quatro meses, a fatia dos que acham o conceito de governo
marcial ruim ou péssimo cresceu de 32% para 45%. Ou seja, os 30 pontos que
separavam apoiadores de detratores da ideia viraram quatro. Os dois grupos
estão no limite de um empate técnico, já que a margem de erro da pesquisa é de
dois pontos percentuais, para mais ou para menos. Para os que trocaram de lado,
a experiência de ter um ex-militar no comando do país não está fazendo justiça
à esperança que tinham nesse tipo de governo.
A diminuição do apoio ao poder fardado coincide no tempo e
no tamanho com o desgaste de Bolsonaro. O presidente consumiu 14 pontos de sua
popularidade nos mesmos quatro meses.
Desde janeiro o Ibope mede mensalmente a taxa dos que
avaliam o governo Bolsonaro como ótimo+bom, regular ou ruim+péssimo. A curva da
popularidade presidencial foi descendente em fevereiro e março, e estabilizou
em abril. O ótimo+bom caiu de 49% para 39% do primeiro para o segundo mês de
governo, foi a 34% no terceiro e oscilou para 35% no quarto. No mesmo
intervalo, a taxa de ruim+péssimo cresceu todo mês: de 11% para 19% em
fevereiro, para 24% em março e 27% em abril. O percentual de regular foi de 26%
para 34% entre janeiro e março, e oscilou para 31% em abril. Em quatro meses, a
proporção dos que não souberam avaliar o governo caiu à metade. Foi de 14% para
7%.
Para a CEO do Ibope Inteligência, Márcia Cavallari, a
realidade não está correspondendo à expectativa, e, por isso, o otimismo da
população em relação ao governo militar se acomodou em um novo patamar, mais
modesto. “Não é um movimento ideológico da opinião pública. É pragmático. O
governo não está atendendo as expectativas quanto aos problemas mais imediatos
das pessoas: emprego, saúde, educação e segurança”, avalia Márcia. “A
expectativa do público era de que Bolsonaro fosse um governante forte, que
resolvesse. Se não resolve, impacta negativamente todo o governo. E os
militares são parte do governo.”
São parte importante do ministério, para desgosto do
primeiro-astrólogo, Olavo de Carvalho, que dia sim e dia também usa as mídias
sociais para atacar os generais embrenhados no governo Bolsonaro, e, em
especial, seu vice-presidente, Hamilton Mourão. Nos últimos dias, a crise se
intensificou com a sequência de tuítes e vídeos no YouTube que Carlos
Bolsonaro, o filho vereador do presidente, vem dirigindo contra Mourão – a
despeito da infrutífera tentativa de seu pai de acabar com o imbróglio.
Oque a pesquisa inédita do Ibope demonstra é que a
ideia de um governo militar só é majoritariamente aceita pelos brasileiros
quando eles não estão no poder. Diferentemente do que diz o primeiro-astrólogo,
os generais não “entregaram o poder aos comunistas”, ou seja, aos civis, por
livre e espontânea vontade. Entre outros motivos, a ditadura acabou porque
perdeu popularidade. Os 21 anos de torturas, desmandos e crises econômicas
desgastaram os militares junto à opinião pública. As consequências negativas
sobre a imagem dos generais como governantes se estendera por décadas após o
fim da ditadura.
Para demonstrar isso, é necessário explicar como foi feita a
medição. A pedido da piauí, o Ibope incluiu uma pergunta nas
rodadas de janeiro e abril do BUS – a pesquisa-ônibus que o instituto faz
mensalmente em todo o país juntando questões de diferentes clientes sobre temas
diversos. A pergunta repetiu a formulação do World Values Survey, para que o
resultado fosse comparável aos das pesquisas feitas sobre o tema no Brasil em
1997, 2006 e 2014: “Vou descrever alguns tipos de sistemas políticos e gostaria
de saber o que o senhor pensa sobre cada um deles como modo de governar o país.
Para cada um, diga se é ótimo, bom, ruim ou péssimo?” Uma das opções é “ter um
governo militar”.
Nas três primeiras medições, a maioria dos brasileiros
achava a ideia de um governo militar no país ruim ou péssima: 52% em 1997, 62%
em 2006 e 60% em 2014. Foi só depois do movimento pelo impeachment de Dilma
Rousseff, que ganhou as ruas em 2015, que a tendência se inverteu. As
manifestações na avenida Paulista, em São Paulo, por exemplo, eram pontuadas
por faixas e carros de som que faziam a apologia de uma intervenção militar.
O sucesso do impeachment e o fracasso popular do governo que
sucedeu ao de Dilma, capitaneada pelo MDB de Michel Temer, deram novo impulso
ao saudosismo militarista. A onda foi quebrar na campanha eleitoral de 2018 e
foi surfada com êxito não apenas por Bolsonaro mas por dezenas de candidatos
que usaram suas patentes militares na urna e acabaram eleitos deputados, senadores
e governadores. Foi, ao que sugerem os novos números do Ibope, um momento de
exceção. Bastaram quatro meses de experiência de um governo militarizado para
derrubar a taxa de popularidade dos militares.
Em alguns segmentos da sociedade, a decepção com a experiência
já equilibrou, se equivale ou mesmo supera a esperança em um governo fardado.
Há empate entre ótimo+bom e ruim+péssimo entre os brasileiros que estudaram até
o ensino médio. Entre quem fez faculdade já houve uma reversão: 54% passaram a
rejeitar militares no poder, contra 43% que ainda acham uma boa ideia. O
principal segmento que ainda dá uma pequena vantagem aos que apoiam os
militares é o dos evangélicos, entre os quais 57% acham bom ou ótimo um governo
fardado. Mas mesmo entre eles o apoio está em queda. Sinal disso foi que um dos
líderes evangélicos no Congresso, o deputado Marco Feliciano (Podemos-SP),
apresentou o pedido de impeachment de Mourão – pedido que foi rejeitado pelo
presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Jornalista da piauí, foi repórter e colunista de
política na Folha e no Estado de S. Paulo e
presidente da Abraji


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