domingo, 30 de junho de 2019
PRESIDENCIALISMO DISFUNCIONAL
Sérgio Abranches,
Folha de S.Paulo
Presidencialismo sob Bolsonaro é disfuncional
Jair Bolsonaro escolheu uma Presidência
de confrontação desde a posse. Não foi surpresa. Ele anunciou sua
disposição de enfrentamento já na campanha. Recusando o enquadramento
institucional do presidencialismo de coalizão, tem tido sucessivas derrotas
para um governo nos seus primeiros seis meses. Este é o período em que, normalmente,
o presidente tem mais força de atração e convencimento.
Basta examinar um dia para ter uma boa ideia desse confronto
permanente e suas consequências. Na última terça-feira (25), o presidente
viu-se forçado acancelar
os decretos que afrouxavam a regulação sobre posse e porte de armas, para
evitar um decreto legislativo retirando-lhes validade. Mas editou novos decretos,
com teor similar, e enviou projeto de lei ao Legislativo, pelo qual seria
autorizado a legislar sobre uso, posse e porte de armas sem autorização
parlamentar.
No mesmo dia, o
presidente do Senado devolveu a medida provisória pela qual Bolsonaro
pretendia reestabelecer a transferência da Funai e da demarcação de terras
indígenas para o Ministério da Agricultura, medidas rejeitadas pelo Congresso
em maio. A MP afrontava, numa canetada, o Legislativo e a Constituição. A lei
proíbe a reedição de medida provisória sobre matéria rejeitada pelo Congresso
na mesma sessão legislativa.
Não bastassem os atritos com o Parlamento, o presidente
ainda entrou em controvérsia com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB),
seu aliado na campanha, acerca de um hipotético autódromo para
hipotéticos Grandes
Prêmios de Fórmula 1 no Rio de Janeiro, retirando-os de Interlagos.
Esses atropelos resultam do mal entendimento do modelo
político brasileiro. As
regras atuais foram pensadas para que ele fosse mais durável e mais eficaz do
que o da Constituição de 1946. Tiveram sucesso. O presidente ficou
relativamente mais forte, e o Congresso, relativamente mais fraco.
O Senado conquistou o poder de iniciar legislação,
equiparando-se à Câmara em vários aspectos. Aumentou-se também a dependência do
presidente em relação à coalizão no Legislativo —o presidente, porém, é dotado
de mais recursos para formar e coordenar essa coalizão.
Como a representação partidária nas duas Casas não tem a
mesma composição, o presidente, no limite, precisa organizar e gerenciar uma
coalizão bifronte, estabelecendo convergência e sincronia entre suas duas
cabeças. Não é tarefa fácil, em
um sistema multipartidário heterogêneo e fragmentado.
A
coalizão se tornou um imperativo da governabilidade porque é
improvável que o partido do presidente alcance a maioria nas duas Casas do
Legislativo —e praticamente impossível que faça sozinho a maioria necessária
para emendar a Constituição (60%). O eleitorado brasileiro é muito heterogêneo,
social e regionalmente. A correlação eleitoral de forças entre os partidos
varia muito ao longo da federação.
As características sociológicas do eleitorado, a lógica da
representação proporcional com lista aberta e as
regras para organização partidária propiciam e incentivam a fragmentação
partidária.
Essa combinação dificulta ainda mais a conquista da maioria
parlamentar por um só partido, além de gerar bancadas com agendas mais
diferenciadas, carregadas de demandas locais, corporativistas e setoriais. Um
presidente minoritário fica refém de maiorias muito ocasionais. Elas se formam,
em geral, apenas em temas da agenda que refletem verdadeira emergência nacional
ou interesses de forças socioeconômicas poderosas o suficiente para pressionar
o Congresso.
O eleitorado do presidente é nacional e plural. Deputados e
senadores são eleitos por recortes específicos dos eleitores de seus estados,
aos quais têm que responder em alguma medida e evitar descontentar gravemente.
Daí surge a necessidade de, uma vez formada a coalizão, promover o ajuste político
entre sua pauta de políticas e as inclinações de sua base parlamentar.
Dotado de poder de agenda, o presidente pode coordenar e
dirigir o processo legislativo nesse universo fracionado de interesses
parlamentares. Ele tem a iniciativa legislativa preferencial e a capacidade de
determinar a tramitação em urgência de seus projetos. Tem, assim, precedência
na deliberação sobre as proposições que considera prioritárias.
Tem, adicionalmente, exclusividade de iniciativa em vários
campos, como o orçamentário. O presidente ganhou a possibilidade de legislar
por decretos e medidas provisórias e manteve o poder de veto. Tudo isso confere
maior poder de agenda ao presidente que ao Congresso.
O que limita esse poder de agenda quase absoluto no
presidencialismo de coalizão brasileiro?
Em primeiro lugar, a coalizão, pois demanda que o
presidente, na promoção de seus projetos, equilibre, concilie e contemple seus
interesses com os da representação mais significativa no Congresso e os das
minorias politicamente relevantes.
No plano político, o fator que qualifica o poder
presidencial é a disposição e a capacidade de formar uma coalizão majoritária,
o mais homogênea e compacta possível, dado o grau vigente de fragmentação
partidária, e compartilhar com ela parte dos bônus decorrentes desse poder.
No plano propositivo, o desafio é ser capaz de formular uma
agenda que, respeitando suas preferências ideológicas, expresse a pluralidade
de interesses presentes na maioria que o elegeu e na maioria representada por
sua coalizão.
Em segundo lugar, os limites dados por mecanismos
contramajoritários, de freios e contrapesos, como o controle jurisdicional de
constitucionalidade do Supremo Tribunal Federal, o controle de contas pelo TCU,
a defesa da probidade administrativa pelo Ministério Púbico, entre outros.
Estamos no período posterior a uma ruptura
político-eleitoral que
desestabilizou nosso modelo político. Desfez-se o padrão de disputa
bipartidária pela Presidência entre PT e PSDB, com dominância do primeiro, e de
competição multipartidária nas eleições proporcionais, visando à criação de
bancadas mais numerosas para formar, com vantagem, a coalizão de governo.
Houve, também, uma ruptura político-ideológica relevante.
Com a polarização extremada, a vitória de Bolsonaro levou à Presidência, pela
primeira vez, uma agenda antagônica tanto à adotada pelo PSDB nos governos FHC
quanto à implementada pelo PT. Diverge da visão mediana do Congresso em áreas
sensíveis como direitos humanos, liberdade de expressão e cátedra (educação,
ciência e cultura), meio ambiente, uso de armas, direitos e saúde da mulher,
liberdade de gênero.
Os problemas maiores começam pela recusa do presidente em
governar de acordo com o modelo institucional, mesmo na hipótese de adotar
novos critérios de formação da coalizão, sem o “toma lá, dá cá” espúrio e sem
corrupção.
Ele rejeita e antagoniza as condições institucionais do
modelo político, por confundi-las com práticas de clientelismo e corrupção.
Prefere governar como presidente minoritário e sem coalizão, negociando
maiorias casuais e apelando à sua —declinante— base
social para pressionar o Congresso. Agravam-se os problemas com sua
preferência por uma agenda estreita, miúda, que representa apenas o núcleo
minoritário dos que o elegeram.
O quadro de complicações se completa com um presidente de
mentalidade autoritária, arroubos populistas, politicamente fraco, que usa os
poderes presidenciais com imperícia e se rebela contra as decisões do
Legislativo que lhe são contrárias.
Ele tem conseguido formar maiorias eventuais em algumas
decisões econômicas, nas quais há maior convergência entre sua agenda e a da
maioria do Congresso, principalmente por causa da gravidade da crise. Nenhum
político quer ser responsabilizado pelo agravamento do quadro atual. O
presidente, porém, tem perdido na sua pauta preferencial, de natureza
comportamental e ideológica.
Ele se dedica com entusiasmo apenas à pequena política, aos
temas miúdos, contidos em si mesmos. Foi o que praticou a vida toda como
parlamentar. Nunca esteve no centro dos grandes debates constitucionais e
institucionais, da macropolítica do desenvolvimento e da construção do futuro.
Não parece disposto a mudar.
Presidente minoritário, em uma relação estressada com o
Congresso, recusando-se a aceitar decisões dos parlamentares, preferindo
governar por decretos, com imperícia e estreiteza de objetivos, convocando sua
base social para pressionar as instituições republicanas, namora —para usar um
termo do seu vocabulário— a instabilidade política.
Abre
uma larga brecha para a iniciativa do Legislativo, transferindo para ele
parte do poder de agenda.
Todavia, essa possibilidade de protagonismo do Legislativo
tem problemas. No contexto de relações crispadas, como agora, a maior parte do
ativismo legislativo tende a ser retaliatório. É o que tem ocorrido.
O protagonismo do Legislativo manifesta-se mais como crise do que como alternativa funcional. Pode permitir a aprovação de uma ou outra medida relevante, sob a pressão da crise socioeconômica, mas não é o suficiente para sustentar a governança do país.
O protagonismo do Legislativo manifesta-se mais como crise do que como alternativa funcional. Pode permitir a aprovação de uma ou outra medida relevante, sob a pressão da crise socioeconômica, mas não é o suficiente para sustentar a governança do país.
No regime presidencialista, o eixo central do processo político
é a Presidência —e o agente principal, o presidente. Apenas no parlamentarismo
o Parlamento ocupa o centro do governo, tendo no primeiro-ministro seu agente
principal.
A responsabilidade pelas políticas no presidencialismo é do
presidente —e essa responsabilidade estrutura o jogo de expectativas, demandas
e o cálculo estratégico dos demais agentes políticos. Para o Legislativo
assumir a coordenação da gestão da agenda de políticas e assegurar a
governabilidade, seria preciso transferir para ele a responsabilidade, o que
demandaria a mudança de regime, de modelo político.
O Congresso
é hiperfragmentado e
os partidos, na sua maioria, não têm consistência programática. O plenário,
hoje, é dominado por numerosas siglas medianas. As dez maiores legendas na
Câmara têm entre 29 e 54 cadeiras. Outras cinco, de 10 a 28 cadeiras. As seis
restantes, de 4 a 8. No Senado, sete partidos têm entre 6 e 13. Nove têm de 1 a
4.
O Congresso é dividido por natureza. Só consegue unir-se em
torno de mínimos denominadores comuns, ou após demorada construção de consenso
social e político, estimulado pela convicção geral de que há uma
emergência.
Ainda não há comprovação, por exemplo, de que exista
consenso acerca da reforma da Previdência, para que seja aprovada sob a
liderança e coordenação do presidente da Câmara. Não é do feitio do
Legislativo, no presidencialismo de coalizão, tomar decisões que contrariem
amplos setores da sociedade.
As bancadas não se dispõem a tomar medidas que possam desagradar
suas bases eleitorais, muito diferenciadas entre si, sem incentivos adicionais.
Os presidentes das Casas do Congresso não têm controle sobre o volume
suficiente desses incentivos. Quem tem é o Executivo.
Como se espera que esse conjunto fracionado, dividido entre
governistas, independentes e oposicionistas, exerça protagonismo na adoção de
uma agenda tão controvertida? Ainda mais quando se vê que parte dos governistas
não está solidamente alinhada às propostas do governo e, em muitos casos,
defende posições distintas às do presidente.
O problema começou já na posse do novo governo. Ao decidir
não formar uma coalizão, o presidente abriu mão do protagonismo decisório.
Descartou a possibilidade de construir uma maioria negociada no Congresso e
gerou paralisia decisória que afeta o desempenho de seu governo e, por
decorrência, sua popularidade. Diante do impasse, passou a governar por
decretos, inclusive para reintroduzir temas rejeitados pelo Congresso.
Fere a divisão constitucional entre os Poderes, extrapola os
limites de suas atribuições legislativas e provoca a reiterada judicialização
de suas decisões. É um caminho limítrofe ao autoritário, com vários riscos. O
campo próprio na democracia constitucional para o embate entre governo e
oposição é o Congresso. Ao voltar-se contra as regras do jogo, provoca
inquietação, radicaliza a polarização e gera o perigo de instabilidade política
e social.
A história registra muitos casos de mentalidades
autoritárias no governo que buscam um pretexto crível para endurecer o regime.
Não creio que seja esta a disposição consensual entre os que ocupam postos de
comando na atual gestão.
Governando por decretos, Bolsonaro encontra
rapidamente os limites constitucionais à decisão discricionária do
presidente. Enfrenta bloqueios no Congresso. Boa parte dos decretos tende a ser
judicializada, porque extrapola a competência constitucional da Presidência e
pode receber o veto do Judiciário.
Suas atitudes agravam o impasse em que o país já se
encontrava desde oprocesso
de impeachment de Dilma Rousseff. Os atritos com o Legislativo e o
Judiciário aumentam aceleradamente o stress institucional.
Não vejo como o modelo político brasileiro possa transitar
do presidencialismo de coalizão para um parlamentarismo voluntarista, a não ser
em um perigoso processo de dissolução institucional. Algumas das derrotas
recentes de Bolsonaro no Congresso tiveram natureza retaliatória.
O maior engessamento orçamentário, ampliando a faixa
impositiva das liberações de recursos, buscou travar a discricionariedade do
presidente na alocação das verbas, em retaliação à sua negativa de negociar
politicamente.
As mudanças nas regras, sobretudo nos prazos, de exame das
medidas provisórias limitaram ainda mais essa prerrogativa presidencial. Acopladas
às alterações que já haviam sido feitas em períodos anteriores, dificultam
muito a aprovação de MPs mais controvertidas, caso da maioria daquelas
assinadas por Bolsonaro.
Aumentou a propensão no Legislativo a barrar decretos
presidenciais que avançam sobre suas atribuições. A judicialização tornou-se
outro fator de limitação do poder presidencial —e ele também tem reagido mal ao
controle jurisdicional do STF.
Presidente politicamente fraco, minoritário, com relações
atritivas com o Congresso, insistindo em uma agenda unilateral e pouco
representativa da maioria eleitoral que eventualmente o elegeu, com a
popularidade em queda, passa a exercer atração decrescente sobre as forças
políticas. Elas tendem a se afastar do presidente e a gravitar em torno de outras
lideranças, se este quadro persistir.
A transição provocada pela ruptura político-eleitoral está
incompleta. Houve a quebra do quadro político-institucional anterior, mas não
houve nem reforma, nem substituição do modelo político. Resta muito fio desencapado
pelo caminho. Basta juntar três e se terá um curto-circuito institucional,
capaz de comprometer a governabilidade.
O modelo político está em estado disfuncional, falhando
serialmente. Algumas medidas mais técnicas ou de necessidade urgente, com pouca
perda para as bases dos parlamentares, podem passar. Mas há paralisia crescente
e áreas essenciais de governo estão totalmente inertes, sob comando inepto, sem
base política, como a Educação.
Trata-se de uma situação premonitória de crises de
governabilidade. A paralisia decisória encontra um quadro social e econômico
desalentador. O país está com a economia parada. Tem mais chance de resvalar
para a depressão do que para um reaquecimento suficiente para recobrar
dinamismo sustentado e gerar mais conforto econômico para a população. Um
governo que frustra as expectativas e uma economia que desalenta a maioria são
ingredientes perigosos em qualquer lugar.
O avanço do populismo cesarista em várias democracias do
mundo está associado à falta de respostas estruturais, funcionais, para os
problemas criados por uma transição global radicalmente transformadora. Ela põe
em xeque modelos de negócios e a eficácia representativa das democracias em
sociedades fluidas, que mudam rapidamente, impulsionadas por forças sociais
emergentes e pressionadas por forças sociais em declínio.
Mas o que parecia uma tendência avassaladora e durável está
dando sinais de ser uma onda, que refluirá em algum momento. Já há indícios de
que ela começa a regredir.
O avanço dos Verdes e o crescimento aquém do esperado dos
ultranacionalistas no Parlamento europeu, a
dupla derrota de Recep Tayyip Erdogan na eleição para a prefeitura de Istambul,
na Turquia, são sinais prováveis desse início de refluxo.
E por que reflui? Porque essas lideranças apelam para a
raiva, a decepção e o desencanto da maioria com a persistência dos problemas e
a falta de representatividade da velha política. Não têm, todavia, soluções
estruturais que de fato mitiguem os efeitos da transição e a tornem menos
inóspita.
Ao contrário, medidas ultranacionalistas, radicalização nos
costumes, rejeição aos imigrantes são contraproducentes. Reduzem as
possibilidades de respostas que funcionem e aumentam o desconforto geral. No
entanto, a decepção com o que parecia uma alternativa, uma novidade, amplifica
o desgosto e afasta as pessoas da política. Pode ser o início de uma nova forma
de alienação coletiva, um distúrbio da transição, que agrava a falta de opções
políticas viáveis, democráticas e eficazes.
O Brasil foi alcançado por esta onda em um momento
particularmente delicado. Vinha de uma recessão, cuja retomada foi abortada.
Hoje, a economia está, como disse, parada. O desemprego, altíssimo. A renda
real é insatisfatória para a maioria. A sensação de empobrecimento e a falta de
perspectiva se generalizam.
O país vivia, além disso, um momento político grave,
resultado da contrariedade magoada com as revelações e a condução da Lava Jato,
que culminaram na prisão de Lula, e do atormentado processo de impeachment de
Dilma Rousseff.
Abriram-se fissuras de difícil sutura no tecido social. O
delicado quadro de uma nação na UTI, sofrendo de politraumatismo
político-econômico severo, demandaria uma Presidência com acuidade cirúrgica e
muita sensibilidade.
O caldo de ressentimentos que alimentou a campanha
eleitoral, contudo, levou à escolha de um presidente sem habilidades para a
mediação de conflitos e inapto para conduzir o país a uma recuperação
tranquila. Adepto de terapias invasivas, agrava os traumas e prolonga a
síndrome da transição.
Desta vez, o epicentro da crise política não é o
Legislativo, é a Presidência. Há forças no ecossistema político-econômico que
podem empurrar o país no rumo de uma recessão democrática. Pelo princípio da
precaução, esse perigo não deve ser desprezado por ter baixa probabilidade de
ocorrência.
É a partir da compreensão dos fatores de risco presentes no
ambiente que podemos desenvolver práticas preventivas capazes de imunizar a
democracia brasileira, preservar suas virtudes e corrigir suas falhas.
Sérgio Abranches, sociólogo, é autor dos livros “A
Era do Imprevisto: A Grande Transição do Século XXI” e “Presidencialismo de
Coalizão - Raízes e Evolução do Modelo Político Brasileiro” (Companhia das
Letras).
Ilustração de Rodrigo Bivar, artista plástico.
QUEM VIGIA O VIGIA ?
Na vida pública, quem ganha poder deveria também ter mais
responsabilidade. Por esse prisma, agiu bem o Senado Federal ao aperfeiçoar
e aprovar dispositivos que punem criminalmente o abuso de autoridade, no
bojo de projeto que aperta o cerco contra a corrupção.
O juiz, de acordo com o texto votado
na quarta (26), estará sujeito a penas que vão de seis meses a dois anos de
detenção se praticar atos como o de proferir julgamento em situações em que a
lei o impede ou opinar sobre processos ainda pendentes de decisão.
Já o integrante do Ministério Público submete-se ao mesmo
espectro de punição se emitir parecer em situação proibida pela legislação ou
se investigar alguém sem mínimos indícios de prática criminosa, entre outros
atos tipificados.
A motivação político-partidária nas condutas de magistrados,
procuradores e promotores também vai se tornar crime na hipótese de esse trecho
do projeto passar incólume pela Câmara dos Deputados.
Os senadores tomaram o cuidado de estreitar a margem de
interpretação para quem for aplicar os princípios elencados no texto.
Não basta a autoridade ter incidido nas situações descritas
para ser enquadrada. É preciso que tenha atuado deliberadamente, com a intenção
de prejudicar alguém ou de obter vantagem. Os legisladores, porém, apenas contribuíram
para o anedotário ao acrescentar a esse rol de motivações dolosas o mero
capricho e a satisfação pessoal.
Não procedem as críticas de que o avanço do projeto sobre
crimes de abuso de autoridade seria uma retaliação às operações anticorrupção
da parte de políticos, potenciais alvos dessas investigações.
Inibir nos investidos do poder de Estado a propensão, demasiado humana, para o desvio é uma lacuna secular da legislação brasileira.
Inibir nos investidos do poder de Estado a propensão, demasiado humana, para o desvio é uma lacuna secular da legislação brasileira.
Impregna-se na tradição mandonista da República, desde a sua
fundação, a cultura da autoridade que não deve satisfação a ninguém, ao que
corresponde a figura de um cidadão mal protegido, sujeito a arbitrariedades
cotidianas.
A esse substrato a Constituição de 1988 acrescentou
categorias superpoderosas de fiscais e aplicadores da lei, sob o objetivo
meritório, e satisfatoriamente atingido, de impedir a brotação do germe
cesarista sempre latente no Executivo.
E quem controla o controlador?
O sistema apenas tímida e tardiamente tem se lembrado da
necessidade de estabelecer limites também a esses agentes. É fraquíssima a
capacidade de atuação independente de órgãos de correição, como o Conselho
Nacional do Ministério Público, um exemplo do mais rematado corporativismo
nacional.
Por isso iniciativas para trazer mais equilíbrio
a essa relação, sob a forma de legislações razoáveis e ponderadas como a que
saiu do Senado, merecem ser saudadas.
A SERVENTIA DA IMPRENSA
Editorial O Estado de S.Paulo
Houve notável entusiasmo de grande parte da sociedade
brasileira com os resultados das eleições de 2018, porque esse desfecho parecia
simbolizar uma ruptura com a era lulopetista, marcada pela corrupção e pela
irresponsabilidade administrativa. O triunfo dos candidatos que se apresentaram
como o “novo” e como a antítese de tudo o que se atribuía ao PT indicava a
clara insatisfação do eleitorado com aquele estado de coisas e, por
conseguinte, denotava a esperança de mudanças radicais que despertariam o enorme
potencial adormecido em razão da captura do Estado por quadrilhas e corporações
corruptas.
Para os mais empolgados, a vaga reformista, capitaneada não
só pela eleição do presidente Jair Bolsonaro, como pela surpreendente renovação
dos quadros parlamentares na União e nos Estados, demanda da sociedade
brasileira total engajamento para atingir os fins a que se destina – quais
sejam, limpar o País da corrupção e das influências da esquerda e colocá-lo no
rumo do crescimento exuberante, mercê das reformas estruturais modernizantes.
Mas o que deveria ser um movimento de revivificação das forças nacionais vai-se
tornando um impulso de radicalização e de desunião, incapaz de analisar
criticamente as razões de sua própria paralisia. Prefere-se atribuí-la a quem não
anuncia sua absoluta aderência aos, digamos, princípios do bolsonarismo e a
quem quer que deles se desvie ou em relação a eles nutra qualquer crítica.
Nesse contexto, não são poucos os que julgam que a própria
imprensa deveria unir-se aos esforços do governo. O jornalismo, segundo essa
visão, deveria refrear seu natural ímpeto de fazer reparos às iniciativas
governamentais, pois estas visariam exclusivamente ao interesse público e ao
bem comum; por outro lado, o jornalismo deveria dedicar-se a apontar as artimanhas
daqueles que lucrariam com o retorno ao desvario lulopetista.
Conforme essa visão, os erros do governo e de seus membros
seriam fruto quase natural e esperado de um pedregoso processo de reconstrução
nacional, ao passo que qualquer reparo aos projetos governistas só pode ser
resultado do inconformismo da “velha política” com o saneamento moral
empreendido pelo bolsonarismo. Logo, ao focar sua atenção mais no governo,
procurando dissecar os problemas políticos e administrativos da Presidência de
Jair Bolsonaro, a imprensa estaria fazendo o jogo dos inconformados e, no
limite, prejudicando o País.
É neste momento, portanto, que se faz essencial relembrar
qual é a serventia da imprensa em uma democracia. O escritor George Orwell, que
entendia como poucos a essência do totalitarismo, dizia que, “se liberdade
significa alguma coisa, significa o direito de dizer às pessoas o que elas não
querem ouvir”.
A imprensa estará cumprindo bem seu papel se mantiver em
relação ao governo o distanciamento necessário para ter sobre ele uma visão
questionadora e independente. É o que o Estado vem fazendo ao
longo de sua história de 144 anos. Não se trata de fazer a crítica pela
crítica, e sim observar se os princípios da boa administração e da boa política
estão sendo respeitados, pois disso depende em grande parte a saúde da
democracia.
Por isso, nenhum governo pode ser tratado com
condescendência pela imprensa. O escrutínio público dos atos de governantes em
geral é o único antídoto eficaz para o autoritarismo. Sem essa fiscalização
permanente, que é tarefa precípua do jornalismo sério, os cidadãos tendem a
ficar no escuro a respeito de decisões que afetam o País e seu futuro. Sem
informações críticas para aquilatar o trabalho das autoridades, os cidadãos
podem se ver enredados quer pelo discurso oficial, quer pela narrativa da
oposição – em qualquer dos casos, alimentam-se o populismo e o extremismo, sem
que o interesse nacional seja de fato atendido.
Há quem diga que, a despeito de tudo isso, a imprensa
deveria “colaborar” para que o governo seja bem-sucedido, pois disso dependeria
a redenção do País. Essa colaboração se daria de duas formas: primeiro, por
meio do reconhecimento das boas intenções do governo; segundo, por meio da
crítica aos que estariam efetivamente prejudicando o País – nomeadamente os
corruptos recalcitrantes.
Ora, nesses termos não haveria mais a necessidade de uma
imprensa livre; bastaria a propaganda oficial. Mas então não estaríamos mais
numa democracia.
A LEI E A PALAVRA
Janio de Freitas, Folha de S.Paulo
A velha Operação Abafa já está reativada, como passo inicial
para proteger Sergio Moro e Deltan Dallagnol de
consequências legais pela trama contra réus da Lava Jato. De sua parte, o
governo mergulha no compra-e-vende da corrupção política. O desemprego cresceu
mais, o tal PIB desfalece. A Presidência deslanchou o esbanjamento de dinheiro
público com publicidade de Bolsonaro. O cinismo se impõe, portanto, para que
tudo fique menos confuso. E mais repulsivo.
Discreto como convém, o Conselho Nacional do Ministério
Público arquivou
a representação pelo necessário exame da conduta do procurador
Dallagnolrevelada pelo site The Intercept Brasil. Na argumentação
engavetadora, o corregedor Orlando Rochadel Moreira sustenta que a veracidade
das gravações não pode ser comprovada, e Moro e Dallagnol “não reconhecem os
diálogos utilizados”.
Só se feitas e infrutíferas as tentativas de verificar a
autenticidade caberia dizê-la impossível. O apressado arquivamento é contra a
tentativa devida. Há outra via, porém. Cinco dias depois da primeira exposição
de combinações entre juiz e procurador, Moro ainda dizia sobre sua indicação, a
Dallagnol, de mais acusadores de Lula: “Eu recebi aquela informação e aí foi
até um descuido meu, apenas passei pelo aplicativo”. É o reconhecimento
inequívoco, e a um só tempo, da autenticidade da gravação, das frases
registradas e, ainda, da participação ilegal do juiz nas investigações contra
um réu.
Desde sua primeira entrevista sobre as gravações, no dia
seguinte à divulgação pelo Intercept, Moro as autentica: “Quanto ao conteúdo,
eu não vi nada de mais”. Nenhum reparo, nenhuma suspeita. Era aquilo mesmo:
“nada de mais”, nem no que disse nem no material jornalístico.
A “normalidade” da participação e do “conteúdo” se
sustentaria em dois artigos da Lei de Ação Civil. Citados por Moro, autorizam o
juiz a “comunicar ao Ministério Público” o “conhecimento de fatos que podem
constituir crime ou improbidade administrativa”. Pois sim.
Foi mais uma saída de má-fé a juntar-se ao histórico de Moro
nesse gênero. Ele omite que essa comunicação, por exigência da mesma lei, seja
feita formalmente nos autos. Assim o juiz agirá às claras, para conhecimento da
acusação e da defesa, preservada a imparcialidade judicial. A prática de Moro,
ao contrário, é a do subterfúgio, da conspiração, da perseguição sub-reptícia
ao réu.
Ao desconsiderar essas evidências, além de muitas outras da
trama de juiz e procurador, o corregedor Rochadel também não saiu da
normalidade. O lugar dado a Moro e à Lava Jato é acima da lei, dos tribunais,
dos conselhos, da ética, de nós outros. Continuaram lá.
2- Para cada deputado que apoie a “reforma” da Previdência,
a liberação de R$ 10 milhões agora e outro tanto na votação em plenário.
Bolsonaro ia acabar com o compra-e-vende. Jamais um presidente levou a
corrupção política a método e a despudor tão explícitos.
3- A equipe da editora do Senado foi dispensada de repente.
Sem explicação e sem respeito ao trabalho de recuperação histórica, às vezes
até literariamente arqueológico, que desde o governo Sarney compôs preciosa
biblioteca brasiliana. O bolsonarismo chegou ao Congresso.
4- A comemoração de Bolsonaro pelo acordo União
Europeia-Mercosul esqueceu um pormenor: em campanha e depois da posse ele disse
que retiraria o Brasil do Mercosul, alvo de variados impropérios seus.
5- Bolsonaro pode ser o fator decisivo na eleição da
Argentina. Para a cena de apoio público à reeleição de Macri, pôs um boné da
seleção brasileira na cabeça do colega. Mas os argentinos são mais argentinos
do que os brasileiros são brasileiros. Santinhos com fotos, lado a lado, de
Macri com seu boné e do opositor Alberto Fernández com boné da seleção
argentina —pronto, só faltará o email “Gracias, Bolso. Hasta pronto, Alberto”.
Janio de Freitas
Jornalista
MESSIAS PREGA NO DESERTO DE IDEIAS
Editorial ISTOÉ
Ok, vamos partir para as novas fixações, outros planos
prioritários, de nosso capitão-reformado eleito Jair Messias Bolsonaro, também
atendendo pela alcunha de “Mito” entre grupos de idólatras que cultuam a sua
infinita genialidade, digamos assim. Esqueçamos por um momento que ele tenta
premiar os maus hábitos de motoristas infratores, estendendo a pontuação das
penalidades, busca lançar crianças ao risco de acidentes automobilísticos com o
fim da exigência das cadeirinhas, eliminar o horário de verão, rever o sistema
da tomada de três pinos, armar a população para uma ameaça de golpe, comprar
drones que custam R$ 150 milhões/cada para vigiar o espaço aéreo e outras
quinquilharias ideológicas de quem parece estar sempre maquinando a próxima
traquinagem como deleite aos seguidores.
O que vai mudar de vez o País agora, pauta para um Brasil
melhor, na sua concepção, é a transferência do Prêmio de Fórmula Um para o Rio
de Janeiro. Interesse estratégico nacional, prega o Messias. Com um detalhe: a
Cidade Maravilhosa terá de construir um autódromo inteiramente novo, do zero,
após ter destruído por completo o último (em Jacarepaguá), por falta de uso.
Até já escolheu endereço — muito adequado, diga-se de passagem. Será em
Deodoro, na periferia da capital. Para quem não está familiarizado com a
localidade, o terreno fica plantado no meio do mato, cercado por favelas, sem
saneamento básico, sem vias de acesso, sem energia.
A exigir, portanto, das autoridades simpatizantes da
proposta um investimento brutal em infraestrutura e no sistema de suporte ao
pretendido evento. O Rio de Janeiro que já é célebre por erguer elefantes
brancos poderá ter mais um com o beneplácito, apoio e incentivo de Messias.
Será mesmo um novo monumento ao desperdício. Não foram suficientes os exemplos
das estruturas caindo aos pedaços e apartamentos encalhados da Vila Olímpica,
muito menos o símbolo da corrupção trazido pela bilionária reforma do Maracanã
ou o estado de ruínas das arenas e parque aquático, construídos para os jogos.
É preciso mais, muito mais investimentos em cacarecos para saciar os sonhos
birutas de governantes.
Por que investir em hospitais e escolas se o Rio já está
irremediavelmente falido nessas áreas? São necessários cartões-postais, as
chamadas obras faraônicas, enquanto o povo pena por emprego e qualidade de
vida. Na prática, o presidente Bolsonaro confunde vontades pessoais com planos
estratégicos. Transforma convicções em políticas de Estado. Arrasta
multidões de fanáticos ao cadafalso da disruptura social. É de um primitivismo
bárbaro andar produzindo agendas secundárias e fora de contexto. Nessa usina de
desvarios parece se pretender um regresso equivocado aos tempos de campanha,
quando promessas, mesmo irrealizáveis, entravam em evidência à cata do voto dos
incautos.
Em plena gestão de governo, atos e propostas continuam
midiáticos. Bolsonaro, mesmo desajeitado, “paga dez” flexões, arrisca dueto de
cantoria em italiano com a mãe, anda de jet-ski (antecessores fizeram o mesmo
em busca de cliques), visita freiras e fala em reeleição como se estivesse nos
derradeiros dias de mandato, prestes a necessitar do apoio popular em novo
escrutínio. Tática prematura, sem dúvida, para quem mal entrou em campo na
batalha de reconstrução do País. Ele sequer resolveu — e nessa toada vai demorar
a resolver — problemas estruturais graves como o desemprego e a queda do PIB
econômico.
Messias barbariza o espetáculo quando arma a sua tenda de
decretos para governar, tal qual um soberano, e depois é obrigado a voltar
atrás por ter atravessado a sinfonia de leis da Constituição. Fica então a se
queixar que estão querendo transformá-lo em “rainha da Inglaterra”, repetindo o
papel figurativo e simbólico da monarca inglesa. O mandatário escolhe, ele
mesmo, esse caminho e se isola. Parece pregar no deserto de ideias pelo simples
impulso de mandar, maior que o de governar. Deveria se movimentar na qualidade
de presidente de todos os brasileiros, ouvindo e atendendo aos mais de 200
milhões de habitantes dessa terra de dimensões continentais, e não restringindo
a pauta aos anseios da patota das redes, minoria que lhe diz amém.
ABRA O WHATSAPP, GILMAR !
Sérgio Pardellas, ISTOÉ
O ministro do STF Gilmar Mendes embebe-se em fúria toda vez
que o acusam de mover-se ao sabor das conveniências pessoais e políticas.
Nenhum escrúpulo de delicadeza o detém no arremesso à dignidade de quem ousa
criticá-lo. Trata-se de uma compreensível reação humana de quem, não raro,
adota comportamentos camaleônicos. Mendes, de fato, prefere ser uma metamorfose
ambulante. Senão vejamos. Em 2008, o ministro — então presidente da corte —
protagonizou o estrepitoso episódio que resultou na saída de Paulo Lacerda do
comando da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN). Chamou o então presidente
Lula às falas alegando ter sido grampeado numa conversa com o ex-senador
Demóstenes Torres — segundo o livro Operação Banqueiro, de Rubens Valente, o
famoso grampo sem áudio. “Não há mais como descer na escala da degradação
institucional. Gravar clandestinamente os telefonemas do presidente do Supremo
Tribunal Federal é coisa de regime totalitário.
É deplorável. É ofensivo. É indigno”, esbravejou o ministro
em setembro daquele ano. “Cabe ao presidente da República punir os responsáveis
por essa agressão”, acrescentou.
Mais de uma década depois, Gilmar Mendes imprime novas cores
a tema análogo. Agora, a invasão da privacidade de um magistrado deixou de ser
“deplorável”, “ofensivo”, “indigno” ou “coisa de regime totalitário”. O
ministro não se insurge mais contra quem possa ter violado as conversas do então
juiz, seja lá quem for. Pelo contrário. Em recente entrevista, disse enxergar a
prática de crime nos diálogos, não mais no hackeamento ou grampo — tanto faz.
Na última semana, passou a defender abertamente a anulação da condenação de
Lula, o mesmo a quem lá atrás havia chamado às falas.
Na época em que Gilmar Mendes foi grampeado sem áudio, o
ápice da ousadia política, louvada como uma iniciativa de quem nada tem a
temer, era colocar à disposição da Justiça as quebras dos sigilos telefônico,
bancário e fiscal. O correspondente hoje de tal destemido gesto é a abertura do
whatsapp ou telegram pessoal. Gilmar Mendes aceitaria desvelar o seu? O
ministro costuma ler em alemão. Deve conhecer, portanto, a frase cunhada por
Franz Kafka em conversa com o escritor germânico Max Brod. Ela se ajusta com
perfeição aos nossos tempos: “Há esperança. Esperança infinita, mas não para
nós”.
sábado, 29 de junho de 2019
DE VOLTA A VERSALHES
Demétrio Magnoli, Folha de S.Paulo
O SS George Washington, com Woodrow Wilson a bordo, levantou
âncora de Nova York no dia 4 de dezembro de 1918. Pela primeira vez, um
presidente dos EUA viajava ao exterior durante seu mandato.
Junto com o presidente, o navio levava doutrinas que, nas
palavras de Henry Kissinger, “situaram os diplomatas europeus em terreno
completamente desconhecido”.
O Tratado de Versalhes, assinado em 28 de junho de 1919,
consagrou as duas ideias fundamentais de Wilson: autodeterminação dos povos e
segurança coletiva. Cem anos depois, os esperançosos faróis de Versalhes
converteram-se nas encruzilhadas cruciais da ordem global do século 21.
Paz perpétua —a utopia de Wilson seria erguida sobre o duplo
alicerce do direito de todas as nações a um governo soberano e da cooperação
mundial numa estrutura de prevenção de conflitos. Um “governo mundial”? A
igualdade entre as potências e as pequenas nações?
Na avaliação sardônica de um diplomata britânico, conta-nos
Margaret MacMillan, o sonhador presidente dirigia-se à Conferência de Paris
imbuído da “mesma fascinação de uma debutante com a perspectiva de seu primeiro
baile”. Mas, como a força quase tudo pode, os europeus bailaram a valsa
americana. A ordem que dali emergiu durou curtos 20 anos, até a deflagração da
nova guerra mundial. As duas ideias revolucionárias continuam a nos atormentar.
A Liga das Nações, imaginada por Wilson como substituto da
doutrina europeia do equilíbrio de poder, continha uma dúbia promessa americana
de ruptura com o isolacionismo. O próprio Wilson elegera-se, em 1916, sob um
slogan isolacionista: “Ele nos manteve fora da guerra”. Sua promessa foi
quebrada pelo Senado, que rejeitou a adesão dos EUA à Liga em novembro de 1919.
Mais tarde, diante de uma tragédia ainda maior, Franklin Roosevelt restauraria
o vaso partido da segurança coletiva, refazendo a obra inconclusa de Wilson
pela criação da ONU.
A longa paz armada da Guerra Fria sustentou-se tanto sobre a
segurança coletiva quanto sobre o equilíbrio de poder. A convicção
internacionalista de Roosevelt nutriu a aliança entre EUA e Europa, que
propiciaria, meio século depois, a derrubada do Muro de Berlim e a incorporação
dos antigos Estados-satélites soviéticos à União Europeia. Mas a corrente
histórica entrou em forte refluxo.
“America First”: no laboratório de Trump, a semente
congelada do isolacionismo foi cruzada com a do nacionalismo. Os EUA renegam,
um após o outro, seus compromissos multilaterais. O conceito de segurança
coletiva, invenção americana que reconfigurou a política mundial do século 20,
terá um lugar neste século 21?
“Os direitos e liberdades das pequenas nações” —o lema de
Wilson nunca ganhou significado preciso. Quais seriam, no xadrez das línguas e
etnias, os nacionalismos legítimos? O presidente americano não deu ouvidos aos
irlandeses, que queriam se separar do Reino Unido. Na prática, a
autodeterminação serviu ao objetivo das potências aliadas —Reino Unido e
França— de fragmentar os impérios da Europa Central. Mas o mapa wilsoniano da
Europa só durou até 1945, quando o manto da URSS desceu sobre os estilhaços
orientais dos impérios Russo, Alemão e Áustro-Húngaro.
Os impérios ressurgiram em novas roupagens. Na Europa
Ocidental, para extinguir a chama dos nacionalismos e resistir à pressão da
URSS, nasceu o embrião da União Europeia. O tratado fundador foi assinado em
Roma, num gesto simbólico destinado a avivar a memória de uma unidade
ancestral.
Dois blocos geopolíticos em confronto: alguém, apressado,
declarou a morte dos nacionalismos. Contudo, na Europa desse novo século, pelos
megafones de uma direita reinventada, ressurge o clamor da “nação de sangue”,
com seu cortejo de ressentimentos e seus agressivos impulsos de exclusão.
Cem anos, quase nada. As indagações de 1919 seguem,
intactas, entre nós.
*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue:
História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.
RAINHA DO PLANALTO
Editorial Folha de S.Paulo
A figura moderna e democrática do presidente da República
surgiu nos Estados Unidos, em 1787, a substituir a autoridade e a imagem
simbólica do então rei da Inglaterra.
Presidentes vivem em palácios, cercam-se de cortesãos e se
apresentam ao eleitorado como a grande liderança individual do país. Entretanto
submetem-se a mandatos fixos e têm seus poderes regulados por leis e demais
instituições.
No Planalto, Jair Bolsonaro (PSL) vai se atrapalhando com
limites e conceitos. “Querem
me deixar como rainha da Inglaterra?”, queixou-se do Congresso Nacional,
poucos dias atrás, a respeito de um projeto que impõe regras às indicações para
agências reguladoras, afinal sancionado
com vetos.
O incômodo decerto tem mais razões. O mandatário não se
conformou, por exemplo, ao ver rejeitado pelo Legislativo o trecho de uma
medida provisória que transferia ao Ministério da Agricultura —no qual
predomina a influência dos produtores rurais— a atribuição de demarcar terras
indígenas.
Neste mês, o governo voltou ao assunto por meio de uma nova
MP, restabelecendo o ditame original. “Quem
demarca terra indígena sou eu. Não é ministro. Quem manda sou eu”, declarou
Bolsonaro.
O tom monarquista, felizmente, não se repetiu na exposição
oficial de motivos da medida. Ali o Executivo argumenta, com sobriedade, que o
Congresso extrapolou suas prerrogativas ao legislar sobre diretrizes
administrativas reservadas pela Constituição ao presidente.
Fato é que, na segunda (24), o ministro Luís Roberto
Barroso, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu
a vigência do novo texto, apontando que a Carta veda a reedição de MP num
mesmo período legislativo. No dia seguinte, o presidente do Senado e do
Congresso anunciou que o dispositivo seria rejeitado pelo mesmo motivo.
Trata-se claramente de um tipo de conflito que poderia ser
resolvido mais facilmente pela via da negociação política —ou reservado a
objetivos mais fundamentais.
O padrão se repete com os esdrúxulos decretos que
ampliavam, de modo juridicamente duvidoso, o porte de armas de fogo. O Senado
barrou a ofensiva, e a Câmara se inclinava a seguir o exemplo. A iminência da
derrota levou o Planalto a substituir os textos e enviar projeto de lei sobre o
tema.
Bolsonaro dedica energia desproporcional a aspectos mais
ideológicos e populistas de sua agenda, incluindo do patrulhamento de
professores ao afrouxamento das regras de trânsito —e até à volta das corridas
de Fórmula 1 ao Rio.
Ao contrário do que entenderam muitos cortesãos palacianos,
a vitória eleitoral não leva um programa de governo ao trono. Se o presidente
dispõe de legitimidade para propor o que julga correto, nem um amplo respaldo
popular, nada palpável hoje, autoriza o atropelo das normas republicanas.
SISTEMA VIOLADO
Do The Intercept Brasil
‘MORO VIOLA SEMPRE O SISTEMA ACUSATÓRIO’
Chats da Lava Jato revelam que procuradores reclamavam de
violações éticas de Moro e temiam que operação perdesse toda credibilidade com
sua ida ao governo Bolsonaro
Procuradores do Ministério Público Federal, em mensagens
privadas trocadas em grupos com integrantes da Lava Jato, criticaram Sergio
Moro duramente pelo que consideraram uma agenda pessoal e política do juiz.
Eles foram além no decorrer e logo depois da campanha eleitoral de 2018: para
os procuradores, Moro infringia sistematicamente os limites da magistratura
para alcançar o que queria.
“Moro viola sempre o sistema acusatório e é tolerado por
seus resultados”, disse a procuradora Monique Cheker em 1º de novembro,
uma hora antes de o ex-juiz anunciar ter aceito o convite de Jair Bolsonaro
para se tornar ministro da Justiça. Integrantes da força-tarefa da Lava Jato
lamentavam que, ao aceitar o cargo (algo que ele
havia prometido jamais fazer), Moro colocou em eterna dúvida a legitimidade
e o legado da operação. Os óbvios questionamentos éticos envolvidos na ida do
juiz ao ministério poderiam, afinal, dar maior credibilidade às alegações de
que a Lava Jato teria motivações políticas.
Uma vez que o alinhamento de Moro com o bolsonarismo se
tornou claro, até os maiores apoiadores do ex-juiz dentro da Lava Jato
passaram a expressar um descontentamento antigo com as transgressões dele.
Mesmo o coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol (que sempre defendeu
Moro), e o decano do grupo, Carlos Fernando dos Santos Lima, íntimo do então
juiz, confessaram preferir que ele não aderisse ao governo Bolsonaro.
Um dia antes do anúncio de Moro, em 31 de outubro, quando
circulavam fortes boatos de que Moro participaria do governo Bolsonaro, a
procuradora Jerusa Viecili, integrante da força-tarefa em Curitiba, escreveu no
grupo Filhos do Januario 3: “Acho péssimo. Só dá ênfase às
alegações de parcialidade e partidarismo.”
A procuradora Laura Tessler, também da força-tarefa,
concordou com a avaliação: “Tb acho péssimo. MJ nem pensar… além de
ele não ter poder para fazer mudanças positivas, vai queimar a LJ. Já tem
gente falando que isso mostraria a parcialidade dele ao julgar o PT. E o
discurso vai pegar. Péssimo. E Bozo é muito mal visto… se juntar a ele vai
queimar o Moro.” Viecili completou: “E queimando o moro queima a LJ”. Outro
procurador da operação, Antônio Carlos Welter, enfatizou que a postura de Moro
era “incompatível com a de Juiz”:
31 de outubro de 2018 – Filhos do Januario 3
Isabel Groba – 09:24:41 – É o fim ir se
encontrar com Bolsonaro e semana que vem ir interrogar o Lula.
Jerusa Viecili – 09:25:20 – Concordo com tudo,
Isabel!
Laura Tessler – 09:25:27 – Tb!
Laura Tessler – 09:26:01 – Pelo amor de Deus!!!!
Alguém fala pro Moro não ir encontrar Bolsonaro!!!
Antônio Carlos Welter – 09:44:35 – Deltan Min do STF
é um cargo no judiciário, que seria o reconhecimento máximo na carreira. Como
ministro da justiça vai ter que explicar todos os arroubos do presidente, vai
ter que engolir muito sapo e ainda vai ser profundamente criticado por isso.
Veja que um dos fundamentos do pedido feito ao comitê da Onu para anular o
processo do Lula é justamente o de falta de parcialidade do juiz. E logo após
as eleições ele é convidado para ser Ministro. Se aceitar vai confirmar para
muitos a teoria da conspiração. Vai ser um prato cheio. As vezes, o convite,
ainda que possa representar reconhecimento (merecido), vai significar para
muita gente boa e imparcial, que nos apoia, sem falar da imprensa e o PT, uma
virada de mesa, de postura, incompatível com a de Juiz.
No dia seguinte, 1º de novembro, quando ficou claro
que Moro
seria anunciadocomo ministro da Justiça, outros procuradores do MPF não
envolvidos com a Lava Jato aderiram ao coro. Conversando no grupo BD,
do qual faziam parte procuradores de vários estados, eles dispararam duras
críticas ao ex-juiz:
1º de novembro de 2018 – BD
Ângelo – 10:00:07 – Cara, eu não confio no
Moro, não. Em breve vamos nos receber cota de delegado mandando acrescentar
fatos à denúncia. E, se não cumprirmos, o próprio juiz resolve. Rs.
Monique – 10:00:30 – Olha, penso igual.
Monique – 10:01:36 – Moro é inquisitivo, só manda
para o MP quando quer corroborar suas ideias, decide sem pedido do MP
(variasssss vezes) e respeitosamente o MPF do PR sempre tolerou isso pelos
ótimos resultados alcançados pela lava jato
Ângelo – 10:02:13 – Ele nos vê como “mal
constitucionalmente necessário”, um desperdício de dinheiro.
Monique – 10:02:30 – Se depender dele, seremos
ignorados.
Ângelo – 10:03:02 – Afinal, se já tem juiz, por que
outro sujeito processual com as mesmas garantias e a mesma independência?
Duplicação inútil. E ainda podendo encher o saco.
Monique – 10:03:43 – E essa fama do Moro é antiga.
Desde que eu estava no Paraná, em 2008, ele já atuava assim. Alguns colegas do
MPF do PR diziam que gostavam da pro atividade dele, que inclusive aprendiam
com isso.
Ângelo – 10:04:30 – Fez umas tabelinhas lá,
absolvendo aqui para a gente recorrer ali, mas na investigação criminal – a
única coisa que interessa -, opa, a dupla polícia/ juiz eh senhora.
Monique – 10:04:31 – Moro viola sempre o sistema
acusatório e é tolerado por seus resultados.
É particularmente significativo que procuradores tenham
chamado algumas absolvições de Moro de “tabelinhas” – destinadas a criar
uma falsa
percepção de imparcialidade –, já que as absolvições haviam sido
citadas pelo ex-juiz e por Deltan Dallagnol justamente para refutar acusações
de que Moro era o verdadeiro chefe dos procuradores.
Quando Moro foi finalmente confirmado como ministro da
Justiça, o procurador Sérgio Luiz Pinel Dias, que atua na Lava Jato no Rio de
Janeiro, digitou no grupo MPF GILMAR MENDES que, daquele
momento em diante, seria muito difícil “afastar a imagem de que a LJ integrou o
governo de Bolsonaro”:
1º de novembro de 2018 – Grupo MPF GILMAR MENDES
Thaméa Danelon – 10:19:01 – Bom dia pessoal.
Qual a opinião de vcs sobre Moro no MJ?
José Augusto Simões Vagos – 10:44:57 – Acho
inoportuno
Sérgio Luiz Pinel Dias – 10:50:51 – Thamea e
colegas, pessoalmente acho ruim para o legado da LJ, por melhor que sejam as
intenções dele de tentar influir por dentro. . . . Para mim, LJ, além de ser um
símbolo, é um método de atuação das nossas instituições, que nos permitiu, até
aqui, surfar juntos em uma excelente onda. Mas será difícil, muito difícil,
hoje e provavelmente no futuro, com a assunção de Moro ao MJ, afastar a imagem
de que a LJ integrou o governo de Bolsonaro. Vejo, por esse motivo, com muita
preocupação esse passo do Moro.
Mônica Campos de Ré – 10:54:12 – Concordo!
A procuradora Isabel Cristina Groba Vieira, da Lava Jato em
Curitiba, opinou no grupo Filhos do Januario 3: “É realmente
péssimo. O nome da LJ não pode ser conspurcado.”
‘ERRO CRASSO’
AS CRÍTICAS A MORO vinham se acumulando desde
muito antes do anúncio oficial de que ele seria empregado de um presidente de
trajetória marcada por apologia à tortura, à ditadura e a declarações misóginas
e homofóbicas. A três dias do segundo turno das eleições, em 25 de outubro, os
procuradores Jerusa Viecili e Paulo Roberto Galvão lamentaram que Moro e que a
própria força-tarefa passassem a impressão de favorecer a candidatura de
Bolsonaro.
Galvão se mostrava especialmente preocupado com o silêncio
da força-tarefa em relação às declarações do político contra a liberdade de imprensa
e ao seu desprezo pelo devido processo legal. Essas posições eram criticadas
pela Lava Jato quando verbalizadas por outros políticos. Galvão se incomodava
também com o silêncio dos colegas frente aos ataques dirigidos contra os
protestos anti-Bolsonaro que ocorriam em universidades, assim como Jerusa
Viecili:
25 de outubro de 2018 – grupo Filhos do Januário 3
Jerusa Viecili – 14:45:52 – Pessoal, desculpem
voltar ao assunto (sou voto vencido), mas, somente esta semana, várias pessoas,
inclusive alguns colegas e servidores, me questionaram a ausência de
manifestação da FT diante de alguns posicionamentos dos candidatos à
presidência. Fato é que sempre nos posicionamos diante de várias ameaças ao
nosso trabalho e, nos últimos dias, temos ficado silentes, mesmo com ameaças de
candidatos à independência do Ministério Público (nomeação de PGR fora da lista
tríplice) e à liberdade de imprensa. Em outros tempos, por motivos outros, mas
igualmente relevantes e perigosos, divulgamos nota, convocamos coletiva e
ameaçamos renunciar (!). Agora, jornalistas escrevem no Twitter que a LAVA JATO
é caso de desaparecido político, pois já alcançou o que queria. Acho muito
grave ficarmos em silêncio quando um dos candidatos manifesta-se contra a
nomeação do PGR da lista tríplice, diante de questões ideológicas. Mais grave
ainda, assistirmos passivamente, ameaças à liberdade de imprensa quando nós
somos os primeiros a afirmar a importância da imprensa para o sucesso da Lava
Jato. Igualmente grave, candidatos divulgarem nomes de futuros ministros que
são alvos de investigações e processos por corrupção. Nossa omissão também tem
peso e influência. Eu sinceramente não quero (e isso a penas a história dirá)
que a Lava Jato seja vista, no futuro, como perseguição ao PT e, muito menos,
como co-responsável pelos acontecimentos eleitorais de 2018. . . .
Três horas depois, o procurador Paulo Roberto Galvão disse
no mesmo grupo: “Pessoal, nós somos procuradores da República. Cumprimos a
nossa função no combate à corrupção, e não poderíamos ter feito diferente,
ainda que soubéssemos que daí poderia advir um eleito antidemocrático (e
sabíamos pois estudamos e conhecíamos o risco Berlusconi)”. Para ele, a
força-tarefa não poderia ser acusada de ter tentando influenciar as eleições
presidenciais, porque só fez o seu trabalho. “Infelizmente, Moro indiretamente
e Carlos Fernando diretamente erraram ao deixar transparecer preferência (o
primeiro) ou dizer abertamente de sua preferência (o segundo)”, ponderou.
Um dia depois, Jerusa Viecili insistiu no assunto: “Já
desvirtuam o que falamos contra a corrupção ser a favor do Bolsonaro.
mas não vou mais insistir. o
fato é que a FT sempre comentou tudo (desde busca e apreensão em favela, lei de
abuso de autoridade, anistia, indulto, panelinha, etc …) e agora não comenta
independencia do MP, liberdade de imprensa e BA em universidade”.

MORO ASSUME, AS RECLAMAÇÕES AUMENTAM
NA NOITE DO SEGUNDO TURNO, antes de ser anunciado o
resultado, procuradores da Lava Jato e outros membros do MPF se mostraram
irritados no grupo BD com a esposa de Moro. Mesmo depois de o
ex-juiz já
ter“cumpriment[ado] o eleito”, Rosângela comemorou
explicitamente a vitória de Bolsonaro em suas redes sociais:
28 de outubro de 2018 – grupo BD
Alan Mansur PRPA – 20:21:05 – Esposa de Moro
comemorando a vitória de Bolso nas redes
José Robalinho Cavalcanti – 20:21:29 – Erro
crasso.
José Robalinho Cavalcanti – 20:22:09 – Compromete
moro. E muito
Janice Agostinho Barreto Ascari – 20:25:30 – Moro
já cumprimentou o eleito. Como perde a chance de ficar de boa, pqp
Luiz Fernando Lessa – 20:25:56 – esse povo do
interior
Luiz Fernando Lessa – 20:26:02 – é muito simplório
Confirmada a vitória de Bolsonaro, o procurador Luiz
Fernando Lessa ironizou a ânsia de Moro em fazer parte do governo. Ainda no
grupo BD, ele se dirigiu ao então presidente da Associação Nacional de
Procuradores da República, José Robalinho Cavalcanti: “Robalinho, já tem lugar
na posse, do lado do Mourão? Com as tuas medalhas?”
As críticas à parcialidade e ao partidarismo do juiz
foram se intensificando à medida que a especulação acerca de um cargo para Moro
no governo Bolsonaro aumentava. Comentando uma postagem do
site O Antagonista, que tratava de uma suposta intenção de Bolsonaro de
nomear Moro ao STF e integrar a força-tarefa ao governo sob um “conselhão” a
ser presidido por Deltan Dallagnol, o procurador Paulo Galvão reclamou no
grupo Filhos do Januario 3: “impressionante como toda vez que moro fala
fora dos autos fala bobagem.” Quando Laura Tessler respondeu com uma defesa
moderada de Moro (“Ele quis estancar os boatos, mas sem fechar as portas”),
Jerusa Viecili respondeu: “o ‘sem fechar as portas’ é que é perigoso para um
juiz.”
No dia 31 de outubro, véspera do anúncio, a preocupação
dos procuradores deu lugar à raiva e até pânico quando foi postado no
grupo Winter is Coming um artigo
de O Globo com a notícia que Moro viajaria ao Rio de Janeiro para um
encontro com Bolsonaro na casa do presidente recém-eleito. Enquanto o sempre
leal Deltan defendia Moro sozinho, os outros procuradores manifestavam sua
indignação:
31 de outubro de 2018 – Winter is Coming
Janice Ascari – 08:06:11 – Moro se perdeu na
vaidade. Que pena.
João Carlos de Carvalho Rocha – 08:10:31 – Ele
se perdeu e pode levar a Lava Jato junto. Com essa adesão ao governo eleito
toda a operação fica com cara de “República do Galeão”, uma das primeiras
erupções do moralismo redentorista na política brasileira e que plantou as
sementes para o que veio dez anos depois.
Às 9h36, Ascari completaria, no mesmo grupo: “Se Moro
topar ser MJ, para mim será a sinalização de estar de olho na próxima campanha
presidencial.”
Simultaneamente, o assunto mobilizava o grupo Filhos
do Januario 3.
31 de outubro de 2018 – Filhos do Januario 3
Jerusa Viecili – 08:48:20 – Espero que não seja
verdade 

Jerusa Viecili – 08:48:20 – https://glo.bo/2JrHJrR
Deltan Dallagnol – 08:51:47 – Ótima decisão pras
leniências tb
Deltan Dallagnol – 08:52:47 – Ele vai checar lá.
Ficou 1 ano sozinho. Acho que pessoal será sensível, mas veremos
Deltan Dallagnol – 08:54:16 – Acho que não vai
converter nem desconverter ng do que já acha sobre a LJ, nesse ponto
Jerusa Viecili – 08:55:38 – Não é sobre converter as
pessoas. É sobre preservar a LJ.
Laura Tessler – 08:57:25 – Tb acho péssimo. MJ nem
pensar… além de ele não ter poder para fazer mudanças positivas, vai queimar a
LJ. Já tem gente falando que isso mostraria a parcialidade dele ao julgar o PT.
E o discurso vai pegar. Péssimo. E Bozo é muito mal visto… se juntar a ele vai
queimar o Moro
Jerusa Viecili – 08:59:58 – E queimando o moro
queima a LJ
Isabel Groba – 09:18:58 – É realmente péssimo. O
nome da LJ não pode ser conspurcado.
Andrey Mendonça – 09:19:27 – Para ministro do
stf, acho otimo. Para ministro da justiça acho que vai dar azo – com razão – a
argumentos de politização da lava jato.
Andrey Mendonça – 09:20:24 – Lembro de um promotor
italiano em um artigo q falava sobre maos limpas. Terminava dizendo: e nunca
entrem na política
Isabel Groba – 09:22:30 – Isso! E pra ser Ministro
do STF precisa abrir vaga. Então, ainda que em futuro próximo, isso ficaria
para um momento posterior. E, depois, como Ministro pode rechaçar medidas reacionárias
que venham.
Isabel Groba – 09:23:17 – Como Ministro do STF
À medida que apareciam na imprensa as notícias de que
Moro estava negociando com Bolsonaro um superministério com poderes expandidos,
o procurador Ângelo Augusto Costa chamou a atenção do grupo BD para o
precedente perigoso que estava sendo criado: “Não eh muita coisa? Acho que o
próprio Bolsonaro vai ficar com medo. Rs. Isso sem falar de quem vem depois.
Moro, ok, mas nada eh eterno. Esse super MJ pode virar uma máquina de
perseguição política.”
Mesmo os poucos defensores que o juiz ainda tinha
passaram a admitir o que era antes impensável assim que a notícia de que ele
havia aceitado o ministério se espalhou: as constantes reclamações do PT – de
perseguição por parte da Lava Jato e de partidarismo e motivação política por
parte de Moro – ganhariam credibilidade, e que todo o trabalho da Lava Jato
seria contaminado pela aventura política de Moro:
1º de novembro de 2018 – grupo BD
Monique Cheker – 10:50:46 – Um general da ativa não
teria “argumento de autoridade” para atropelar o sistema acusatório. Moro fará
com diploma em Harvard e com o nome da lava jato.
Monique Cheker – 10:51:23 – Mas concordo com a fala
de Robalinho de que já passamos coisas piores
Janice Ascari – 10:55:15 – Moro aceitou
Janice Ascari – 10:55:19 –https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/moro-aceita-ministerio/?utm_source=twitter:newsfeed&utm_medium=social-organic&utm_campaign=redes-sociais:112018:e&utm_content=:::&utm_term=
Luiza – 10:56:16 – Moro aceitou
Alan Mansur – 10:57:25 – GloboNews diz que Moro
aceitou e fará uma nota daqui a pouco
Monique Cheker – 11:00:03 – Pessoal da AGU surtando…
Monique Cheker – 11:00:03 – “@onyxlorenzoni
Deputado. A AGU é função essencial à Justiça prevista na CF. Não precisa ser
vinculada a nenhum ministério. @jairbolsonaro”
Monique Cheker – 11:00:03 – TT que estão
espalhando 

Ângelo Augusto Costa – 11:00:39 – De alegria, né?
Ângelo Augusto Costa – 11:00:51 – Próximo passo eh
lista tríplice
Alan Mansur – 11:00:56 – Tem toda a técnica e
conhecimento para ser um excelente ministro da Justiça. E tentar colocar em
prática tudo que ele acredita. Porém, o fato de ter aceitado, neste momento,
entrar na política e desta forma, é muito ruim pra imagem de imparcialidade do
sistema de justiça e MP em geral.
Alan Mansur – 11:01:59 – Será ainda mais marcado por
parcialidade. E sempre ficará o comentário, Moro fez tudo isso para assumir o
poder.
Alan Mansur – 11:02:46 – Pelo lado da técnica, ele
será um excelente Ministro e acho que vai ajudar em muito a organização do
sistema. Mas teremos que lidar com esta crítica constante
Minutos depois, os procuradores do grupo BD começaram
a se preocupar em como a nomeação de Moro serviria de munição para o PT contra
a Lava Jato. “Acho que o PT deve estar em festa agora, para justificar todo o
discurso deles”, escreveu Alan Mansur. Peterson de Paula Pereira, procurador da
República no Distrito Federal, disse que a decisão de Moro mostrava como ele
atuava contra o ex-presidente Lula: “Fica claro que ele tinha Lula como
troféu”. Para Monique Cheker, o movimento do ex-juiz passava uma imagem de que
ele estava fazendo uma “escadinha” política com a Lava Jato:
1º de novembro de 2018 – grupo BD
Monique Cheker – 11:27:01 – Diferente se fosse ao
STF direto. Seria perfeito. Políticos precisam obedecer prazos de
desincompatibilidade. Por que não juízes e membros do MP? O distanciamento é
importante numa república. Não basta ser honesto, tem que parecer honesto.
Enfim.
Alan Mansur 11:28:04 – [imagem não encontrada]
Monique Cheker – 11:28:23 – E a “escadinha” disso
tudo foi terrível: Moro ajudou a derrubar a esquerda, sua esposa fez propaganda
para Bolsonaro e ele agora assume um cargo político. Não podemos olhar isso e
achar natural 

Em 6 de novembro, dias depois de Moro ter aceitado o
convite, mesmo Deltan Dallagnol, o procurador mais leal a Moro, confessou estar
preocupado com os danos causados à reputação e à credibilidade do trabalho
realizado por cinco anos pela operação Lava Jato. Ele e a procuradora Janice
Ascari concordaram em uma conversa entre os dois que a conduta de Moro gerava
“uma preocupação sobre alegações de parcialidade que virão”. Mesmo assim, os
dois continuariam a defendê-lo.
6 de novembro de 2018 – chat privado
Deltan Dallagnol – 11:50:41 – Jan, não sei qual sua
posição sobre a saída do Moro pro MJ, mas temos uma preocupação sobre alegações
de parcialidade que virão. Não acredito que tenham fundamento, mas tenho medo
do corpo que isso possa tomar na opiniã pública. Na minha perspectiva pessoal,
hoje, Moro e LJ estão intimamente vinculados no imaginário social, então
defender o Moro é defender a LJ e vice-versa. Ainda que eu tenha alguma
ponderação pessoal sobre a saída dele, que fiz diretamente a ele, é algo que
seria importante – se Vc concordar – defender… Quanto à delação do Palocci, tema
em que podem entrar, expliquei essa questão na minha entrevista da Folha de
umas semanas atrás, não sei se chegou a ver, então mando aqui… bjus
Janice Ascari – 12:55:05 – Oi querido, nosso
pensamento é convergente. Também me preocupo com esse aspecto da parcialidade
dele, porque põe em dúvida, também, o trabalho do MPF. Pretendo, além de,
claro, defender a LJ como sempre faço (até quando não concordo com algumas
coisas rsrs), mostrar que o Ministério da Justiça tem muita coisa com que se
preocupar além da LJ, que continuará com Moro ou sem Moro.
Num outro grupo integrado por procuradores e assessores
de imprensa da força-tarefa no Paraná, um dos jornalistas revela que Carlos
Fernando dos Santos Lima “torcia” para que Moro recusasse o convite do
presidente de extrema-direita: “CFmesmo, disse estar torcendo pra ele não
aceitar”. “Creio que o que eu tinha para falar, já está falado. Agora é rezar
para que ele não aceite”, prosseguiu Santos Lima, de acordo com o relato de seu
assessor.
Em resposta a nossos contatos, o porta-voz da
força-tarefa da Lava Jato enviou o que já se tornou sua resposta padrão,
evitando qualquer comentário sobre o conteúdo da reportagem e preferindo
insinuar falsa e levianamente que as conversas podem não ser autênticas: “O
trecho do material enviado à Força-Tarefa não permite constatar o contexto e a
veracidade do conteúdo. Autoridades públicas foram alvo de ataque hacker
criminoso, o que torna impossível aferir se houve edições no material
alegadamente obtido. A Lava Jato é sustentada com base em provas robustas e em
denúncias consistentes, analisadas e validadas por diferentes instâncias do
Judiciário. Os integrantes da Força-Tarefa pautam suas ações pessoais e
profissionais pela ética e pela legalidade.”
A procuradora Monique Cheker disse que “não tem registro
da mensagem enviada e, portanto, não reconhece a suposta manifestação”. “A
procuradora ainda afirma que são públicas e notórias as incontáveis
manifestações de apoio à operação Lava Jato e ao então juiz Sérgio Moro”,
acrescentou sua assessoria. O procurador regional da República Luiz Fernando
Lessa esclareceu que, desde recentes ataques ao Telegram, não possui mais o
aplicativo nem as mensagens trocadas por meio dele, de modo que não reconhece
as mensagens. Demais procuradores que não fazem parte da força-tarefa foram procurados
e não responderam até a publicação deste texto. Eventuais comentários serão
publicados se forem enviados ao Intercept.
O Intercept publicou a
primeira reportagem sobre a #VazaJato há menos de três semanas. Desde
então, o trabalho jornalístico realizado pelo Intercept – bem como pela Folha
de S.Paulo e pelo
jornalista Reinaldo Azevedo, da BandNews – demonstrou de forma clara que
Sergio Moro violou repetidamente as normas éticas da magistratura, não
exercendo seu poder judicial “pautado pela ética e pela legalidade”, mas
cometendo diversos desvios éticos e atropelando os procedimentos legais.
Ao passo que essas revelações chocaram boa parte dos
brasileiros, a imagem que emerge das conversas é que, entre os procuradores, o
comportamento antiético e politizado de Moro já era há muito conhecido. Quando
ficou claro que os desvios de Moro poderiam causar prejuízos ao trabalho da
força-tarefa, os procuradores passar a expressar suas críticas – ao menos
quando pensavam estar falando de forma privada – de forma bastante clara,
sincera e raivosa.
Correção em 29 de junho de 2019, 9h40
Devido a um erro de digitação, marcamos uma conversa
do grupo BD como se ele tivesse ocorrido em 1º de novembro de 2019,
quando, na verdade, a data era 1º de novembro de 2018. Isso já
foi corrigido.
Correção: 29 de junho de 2019, 10h30
A primeira versão desse texto indicava que a
procuradora Monique Checker atua no Ministério Público Federal em Barueri e
Osasco, São Paulo. Na verdade, ela trabalha no Ministério Público Federal de
Petrópolis, RJ. Isso já foi corrigido.
sexta-feira, 28 de junho de 2019
MAL-ESTAR NA GLOBALIZAÇÃO
José Serra, O Estado de S.Paulo
Alexander Solzhenitsyn, com sua peculiar alma russa,
escreveu que “o desaparecimento das nações nos empobreceria tanto quanto se
todas as pessoas se tornassem iguais, com um único caráter e um só rosto. As
nações são a riqueza da humanidade, elas são suas diversas personalidades: a
menor delas tem suas cores particulares e representa uma faceta particular dos
desígnios de Deus”.
Essa gema literária nos estimula a procurar entender, ao
menos em parte, a onda nacionalista – não raramente xenófoba – que viceja no
mundo, especialmente nos países mais ricos.
A globalização econômica e cultural permite às populações
desfrutarem de um padrão de vida ascendente – e elevado, nos países
desenvolvidos –, mas também subtrai parte da soberania dos Estados nacionais e
reduz o raio de ação dos governos democraticamente eleitos. Mais ainda, a
hegemonia cultural que acompanha esse processo encolhe as diferenças e
particularidades que dão às pessoas o sentimento essencial de pertencimento.
A interconexão das economias nacionais e o avanço sem
precedentes da tecnologia têm um efeito dinamizador cuja potência e rapidez é
fácil de ilustrar. Nos anos 30, nos Estados Unidos, um rádio doméstico de
cabeceira, com seus chiados e interferências, custava o equivalente a US$ 670,
a preços de 2019. Isso é mais que o que se paga hoje por um smartphone
intermediário, cuja capacidade de processamento é maior que a do conjunto dos
computadores usados pela Nasa para levar o homem à Lua no final dos anos 60. E
a uma velocidade de processamento 120 milhões de vezes maior!
Mas nem só de pão – e celular – vive o homem. Observamos,
paralelamente a esse progresso, a persistência ou mesmo o aumento da
precarização das relações de trabalho e das desigualdades – não obstante a
disponibilidade mais elevada de bens e serviços. A maior fluidez das relações sociais
que decorrem de tal processo cria ansiedades que não têm sido devidamente
consideradas pelas elites políticas locais e internacionais. Em alguns casos,
chega a transparecer até um certo desprezo. Ficou célebre a infeliz referência
generalizante de Hillary Clinton aos eleitores de Trump como uma “cesta de
deploráveis”.
O historiador Victor Hanson abordou com veemência esse
estado de coisas – o divórcio cada vez mais litigioso entre o homem comum e “as
elites”: “Nós criamos uma riquíssima e influente casta senhorial que não se
sujeita às consequências negativas de suas próprias ideias”.
As eleições mais recentes na Europa e nos Estados Unidos
evidenciam que, por um lado, os partidos tradicionais e suas lideranças de
alguma maneira se afastaram dos problemas mais prementes do cidadão médio. Por
outro – e este é um componente paradoxal do processo –, a insatisfação do
cidadão comum se tornou politicamente mais organizada a partir da expansão
vertiginosa das redes sociais. As candidaturas de contestação aos partidos
tradicionais têm se valido da capilaridade dessas redes. As estruturas
políticas tradicionais e seus canais de difusão de ideias têm se tornado, se
não obsoletos, bem menos efetivos.
Nas últimas eleições para o Parlamento Europeu, o partido do
Brexit, liderado pelo eurocético Nigel Farage e fundado um mês antes, foi o
mais votado no Reino Unido, deixando para trás os conservadores e os
trabalhistas. As redes sociais criaram instantaneamente uma estrutura política
competitiva, circunstância que seria impensável sem a difusão quase ubíqua da
internet e do smartphone nos últimos anos. O impacto da vitória do partido do
Brexit foi tamanho que liquidou definitivamente com o governo de Theresa May e
suas tentativas de contemporização. E provavelmente levará Boris Johnson, um
entusiasta da saída do Reino Unido da União Europeia, à liderança dos
Conservadores e ao cargo de primeiro-ministro. O fantasma de uma vitória de
Nigel Farage nas próximas eleições está conduzindo o Reino Unido para o
desligamento definitivo.
Seria equivocado equiparar os movimentos “antielitistas” ao
nacionalismo militarista e expansionista que caracterizou, por exemplo, o
fascismo. No caso norte-americano, boa parte do eleitorado de Trump anseia pela
completa renúncia dos Estados Unidos ao papel de polícia do mundo. Esse
eleitorado é francamente isolacionista, em contraste com o chamado pensamento
neoconservador que, no campo da ideologia, deu as cartas no governo Bush e era
entusiasta de uma ação “evangelizadora” dos Estados Unidos, a qual,
supostamente, deveria levar a democracia aos quatro cantos do mundo.
Simplificando, pode-se dizer que o saldo foram a Guerra do Iraque e o aumento
da instabilidade no Oriente Médio. Diante desse vetor isolacionista, é curioso
e surpreendente que os Democratas venham tentando associar o governo Trump a
Putin, investindo numa espécie de “russofobia” belicosa e antiquada, mais
condizente com os tempos da guerra fria.
Na Europa, os partidos nacionalistas são francamente hostis
à União Europeia e, longe de uma pauta militarista ou expansionista, propõem a
desconstituição do bloco e a diluição do poder de Bruxelas. E são
intransigentes com a imigração. O rechaço à União Europeia não decorre
simplesmente de preocupações econômicas, mas do senso de perda de soberania e
do medo – um tanto irracional – de enfraquecimento da “identidade nacional”.
São esses temores que impulsionam líderes como Matteo Salvini e Marine Le Pen.
Os movimentos nacionalistas se colocam como defensores da identidade nacional e
da democracia ante uma elite internacional cosmopolita, sem rosto e
inimputável.
Por isso tudo, o sucesso da globalização dependerá de sua
capacidade de reconciliar avanços econômicos com os profundos elementos
culturais e políticos que moldaram as nações nos últimos cinco séculos.
José Serra é senador (PSDB-SP)
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