A primeira vez que ouvi a expressão foi em meados de 1973,
em Portugal, ainda sob uma ditadura de mais de 40 anos. O primeiro-ministro
Marcello Caetano, sucessor do odiado Oliveira Salazar, foi à televisão e
anunciou que, mesmo tendo contra si a opinião mundial, não negociaria com os
movimentos de libertação de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau, suas colônias na
África. A guerra colonial, já perdida para o país, sangrava não apenas a
economia, mas a juventude portuguesa —os poucos jovens que se viam nas ruas de
Lisboa usavam farda e tinham um braço ou perna a menos. E, então, Marcello
Caetano disse que os portugueses não se importavam de ficar “orgulhosamente
sós” diante do mundo.
Seria uma frase bonita se Caetano tivesse consultado os
portugueses —o que ele não fez. Sua fala refletia somente a intransigência de
meia dúzia de generais e banqueiros, habituados a mandar sem dar satisfações.
Só que, em 1973, as antigas alianças estavam dando lugar a algo chamado
pragmatismo. Pouco depois, quando a Guiné-Bissau declarou unilateralmente sua
independência, Caetano deve ter caído da cadeira ao ver que, entre os países
que reconheciam essa independência, estava o Brasil, velho capacho do
salazarismo.
“Orgulhosamente sós” será o mote que restará a Jair
Bolsonaro e seus filhos quando completarem o trabalho de trair, ofender,
humilhar, demitir e se desfazer dos que, um dia, acreditaram neles. Não sobrará
ninguém à sua volta —assim como, por causa deles, já rareiam os países ao lado
do Brasil.
O pragmatismo de 1973 nunca foi abolido. Em breve, quando a
Europa, a Ásia e a América do Sul nos derem uma definitiva banana, vamos ver
para onde Bolsonaro irá se virar.
Em abril de 1974, a Revolução dos Cravos ensinou a Caetano
que, ao atribuir aos portugueses a condição de “orgulhosamente sós”, ele estava
falando apenas por conta própria.
*Ruy Castro, jornalista e escritor, autor das biografias de
Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.


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