Em
entrevista à Folha, neste domingo, a ministra da Mulher, da
Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, defendeu a ampliação da licença
maternidade remunerada de quatro meses para um ano.
A justificativa é nobre: mais tempo da mãe com a criança.
Nas suas próprias palavras: “Nós estamos trabalhando políticas públicas
de fortalecimento da família”.
Além de fomentar o desenvolvimento do vínculo afetivo entre
mãe e bebê, o afastamento do trabalho após o parto tem efeitos positivos também
por meio da redução do estresse materno, do incentivo ao aleitamento e da
disponibilidade para cuidados em caso de doença.
Mas os afastamentos relacionados à maternidade também
cumprem o propósito de acomodar a nova realidade de trabalho das mulheres nas
diversas economias do mundo.
Nos EUA, a taxa de participação das mulheres no mercado de
trabalho aumentou de 35% em 1950 para 57% em 2018 de acordo com o Bureau of
Labor Statistics. De forma mais importante, muitas dessas mulheres são mães:
para elas a taxa de participação é ainda maior, 71%, mas cai para 58% para mães
com filhos de até um ano de idade.
Fenômeno semelhante ocorre no Brasil, reforçando a
necessidade de políticas que acomodem um equilíbrio saudável entre as diversas
responsabilidades das mulheres. A licença maternidade é, portanto, potencial
motor de redução de desigualdades entre os gêneros.
Mas ainda que a provisão de algum tempo de licença seja
positiva, as extensões não têm benefícios inequívocos, tanto para a saúde do bebê,
quanto para o trabalho da mãe.
Se, de um lado, a licença permite a continuidade
de vínculos trabalhistas que teriam terminado na ausência do
afastamento, de outro, afastamentos muito longos atuam para depreciar
investimentos feitos na relação trabalhista, diminuindo incentivos à
continuidade.
Além disso, é possível que os custos da política sejam
substanciais para os empregadores, como aqueles associados à substituição da
funcionária afastada, ainda que a reposição do salário seja inteiramente feita
pelo governo. Como o custo está diretamente associado ao gênero, a provisão do
afastamento pode ter consequências negativas para as mulheres no mercado
de trabalho.
No Brasil, a extensão da licença é ainda complicada por
três outros fatores.
Primeiro, a licença dada exclusivamente à mãe reforça a
ideia de que os cuidados com o recém-nascido são função dela, e não do pai ou
da família.
Nesse sentido, diversos países passaram a reconhecer a
provisão de licenças parentais, qualificando todos os membros da família para o
afastamento e fomentando igualdade de gênero nos investimentos que são
feitos nas crianças.
Segundo, o direito à licença
maternidade, à luz do nosso Judiciário, tornou-se de fato uma obrigação.
Nosso sistema jurídico presume invalidade de qualquer ato de
renúncia de direitos trabalhistas, incluindo a licença maternidade. Assim,
retirou-se da mãe qualquer margem de escolha —se e por quanto tempo solicita o
afastamento— ainda que no seu melhor entendimento e benefício.
Possíveis extensões à licença maternidade vão impedir que
mulheres em ascensão profissional, com claros benefícios na continuidade de
seus empregos, sejam impedidas de trabalhar. Independência financeira e
crescimento profissional da mãe também geram importantes benefícios, como fonte
de renda, para os filhos.
E terceiro, se a política pública visa fortalecer a família
e as crianças, não deve ser feito apenas no mercado de trabalho formal. A
existência de um enorme setor informal mitiga a capilaridade da licença
maternidade como política pública de amplo alcance, já que privilegia apenas as
mulheres em vínculos empregatícios, já em vantagem de renda e direitos.
Mais justo seria fortalecer as famílias verdadeiramente
vulneráveis, como as mães solteiras que trabalham sem carteira assinada e não
contam com auxílio do governo na provisão de creches públicas de
qualidade.
Cecilia Machado
Economista, é professora da EPGE (Escola Brasileira de
Economia e Finanças) da FGV.
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