Para começar, não estaríamos divididos em classes, mas em
núcleos, se o Brasil fosse uma novela. E qualquer personagem do núcleo pobre
poderia ascender vendendo sacolé ou pulseirinha de miçanga.
O prestígio, o poder e, de brinde, o amor de algum abonado
do núcleo rico, viriam naturalmente. Aí bastava ficar de olho para uma irmã
gêmea ou um amigo da onça não puxar o tapete, coisa que acontece muito no
horário nobre. Adeus perrengues, empréstimos consignados e nome no SPC. A vida
seria muito mais justa se o Brasil fosse uma novela.
Se o Brasil fosse uma novela, a gente comeria o pão que o
demônio formatou à sua imagem e semelhança com a certeza de que o bem vence no
final. Não confundir “bem” com “cidadão
de bem”, que na novela é sempre aquele personagem que se faz de
santinho para conseguir o que quer. A diferença é que, na ficção, ele acaba
desmascarado. Na vida de verdade, tem grandes chances de virar político ou
pastor.
Toda novela tem o seu núcleo cômico, o chamado alívio
cômico, com tipos que se repetem desde os primórdios da dramaturgia: o jeca, o
imprestável, o fanático, o desonesto, o aloprado, o carreirista, a
recatada, o artista sem glórias, o tiozão das piadas de duplo sentido,
a mulher de meia-idade com certas fixações, o filósofo perturbado, os
tontos, a imitadora, a espertalhona.
Qualquer autor iniciante sabe que não se deve juntar todos
esses tipos na mesma cena para que não se perca a verossimilhança —no frigir
dos ovos, a única coisa que distingue a realidade da representação.
Sendo que quem precisa ser verossímil é a representação,
claro. Por isso mesmo, se o Brasil fosse uma novela, o roteirista já teria
tomado uma justa causa há horas.
Se o Brasil fosse uma novela, seria até divertido ouvir as
barbaridades que são ditas nos plenários, nas tribunas, no púlpito
da ONU, nas lives do Facebook.
O fogo da Amazônia seria cenográfico, olha
que incrível. E se um dos atores largasse um “I love you” sincero na cara
do outro, recebendo de volta um “bom te ver” protocolar, talvez até
corresse uma lágrima.
Quem nunca levou um toco da pessoa amada?
Se o Brasil fosse uma novela, era só desligar a TV. Pior que
está mais para Programa do Ratão.
Claudia Tajes
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