Quando o torniquete apertou em torno do PT e do mandato da
então presidente Dilma Rousseff, seu patrono Lula ameaçou “chamar o Stédile”.
Nem completou ainda um ano de mandato, agora o presidente Bolsonaro tem a
audácia de anunciar que quer chamar o Exército para reintegrações de posse no
campo. Lembra do “chama o (general) Pires” da ditadura, mas fora de foco, de
tempo e de lugar.
“Quero paz e democracia, mas também sabemos brigar.
Sobretudo quando o Stédile colocar o exército dele nas ruas”, falou Lula há
cinco anos, quando petistas e aliados entraram em confronto com manifestantes
contra Dilma no Rio. Poderia ser só mais uma dessas bravatas típicas de Lula,
mas continha uma clara ameaça.
Ameaça nunca cumprida, aliás, nem mesmo quando Gleisi
Hoffmann, presidente agora reeleita do PT, disse que ia “ter de matar gente” se
Lula fosse preso. João Pedro Stédile, principal líder do MST, não apenas nunca
acionou suas tropas como saiu de fininho dos holofotes para se distanciar das
denúncias de corrupção que passaram a bater firme no PT e a respingar em toda a
esquerda. E ninguém matou ninguém na prisão de Lula.
No caso de Bolsonaro, que anunciou ontem um projeto para
chamar o Exército nas reintegrações de posse – a “GLO do campo” –, não há
bravata, mas, sim, uma intenção clara e um triplo objetivo: agradar à bancada
da bala e à bancada ruralista e atender aos interesses dos proprietários de
terra. O projeto, ainda em elaboração no Planalto, tem de passar pelo
Congresso. Agora, é rezar.
Qual o risco se Lula reativar a fantasia de acionar o
“exército do Stédile”, se os Stédiles do MST estiverem dispostos a bater
continência e cumprir a ordem e se, enfim, o Congresso aprovar a tal “GLO do
campo” de Bolsonaro? O risco é de uma guerra, com oficiais e soldados armados
de um lado e os militantes do MST com seus porretes e facões, do outro. Sem
contar os jagunços das próprias propriedades.
Mais uma vez, Gleisi Hoffmann entra na história para piorar
as coisas. Ao assumir mais um mandato de presidente do PT olha o que ela disse,
numa referência aos confrontos sangrentos no Chile, na Bolívia, no Equador e na
Colômbia: “Quando as grandes manifestações ecoarem no Brasil, porque vão ecoar,
nós temos de estar preparados para ajudar a conduzi-las.”
É de uma irresponsabilidade enorme a presidente de um dos
maiores partidos do País falar assim, como é igualmente irresponsável Bolsonaro
querer o Exército nos conflitos e fazendas pelo interior. Está todo mundo
ficando louco?
A Garantia da Lei e da Ordem (GLO), prevista na Constituição,
é uma medida em casos muito graves e específicos, quando as forças policiais
não dão conta de crises e os governadores pedem socorro à União. É algo,
portanto, para exceção, emergência, não para jogar tropas daqui para lá, sob
qualquer pretexto, a qualquer hora.
No caso da “GLO do campo”, há dois agravantes. O primeiro é
que, como Bolsonaro deixou claro ontem, não se trata de agir com os
governadores e a favor deles, mas passando por cima deles (que, ao ver do
presidente, não cumprem as determinações judiciais de posse).
O segundo é que o presidente só usa seu poder e instrumentos
de poder para defender os já poderosos: os desmatadores, que não têm mais seus
tratores destruídos; os que pescam em reservas ecológicas, livres para fazer o
que quiserem; os policiais que exorbitam; os patrões, cujos direitos se
sobrepõem aos dos empregados.
Um alerta, porém: as Forças Armadas são disciplinadas e
cumprem ordens, mas já têm resistência a jogar seus oficiais e soldados para
atuar como policiais em favelas, contra bandidos comuns. O que acham da ameaça,
e o risco, de vê-los enfrentando à bala acampamentos com homens, mulheres e
crianças?
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