Alguma coisa está fora da ordem no mercado cambial. A bolsa
sobe, o país aprovou a reforma da Previdência, e há sinais de melhora de
atividade. Porém o dólar passou de R$ 4,20 e bateu novo recorde em termos
nominais. Ontem, o Banco Central divulgou que o déficit das contas externas foi
de US$ 7,9 bilhões em outubro. A metodologia foi aperfeiçoada e isso elevou um
pouco o déficit em transações correntes, mas o ritmo já era de alta. Está em 3%
do PIB nos 12 meses terminados em outubro e foi de 2,67% nos 12 meses até
setembro, número já revisto. Há fatores internacionais e outros internos para
essa pressão no câmbio. A saída de capitais no país chegou a US$ 21 bilhões
este ano e é a maior em mais de duas décadas.
O Brasil segue a tendência de várias economias emergentes,
que estão tendo desvalorização de suas moedas. Mas o real está entre as que
mais se desvalorizam. Cai menos que o peso da Argentina que tem baixo nível de
reservas e passa por uma transição política, e o peso do Chile que vive uma
turbulência social.
A cotação do dólar este ano se divide em dois momentos. Até
meados de julho, a moeda americana vinha perdendo força em relação ao real. O
câmbio caiu de R$ 3,88 no dia 31 de dezembro para R$ 3,72 em 18 de julho.
Nesses últimos quatro meses, disparou para R$ 4,22 e obrigou o Banco Central
brasileiro a vender reservas no mercado à vista, algo que não acontecia há mais
de 10 anos. A valorização da moeda americana desde 18 de julho é de 13,4%. A do
peso chileno, de 16,2%, e a do peso argentino, 40%.
No cenário externo, três eventos foram decisivos. Havia a
expectativa de cortes mais agressivos de juros pelo Banco Central americano,
mas o Fed vem cortando a taxa em doses mínimas. Isso mudou o valor do dólar no
mundo inteiro. A guerra comercial entre os EUA e a China se intensificou a
partir de agosto. Além disso, velhos temores voltaram a assombrar a América
Latina, com mais intensidade no Chile, na Bolívia e Argentina.
— Pelo lado externo, o que se pode dizer é que aumentou a
aversão ao risco, e isso afeta os emergentes de forma geral. A guerra comercial
entre as duas maiores economias do mundo pode provocar desaceleração do PIB
mundial. E na América Latina, uma instabilidade política que não se via há
muito tempo — explicou a economista-chefe do banco Ourinvest, Fernanda
Consorte.
Aqui no Brasil, também houve uma série de frustrações. A
reforma da Previdência foi aprovada, mas foi criada uma expectativa maior do
que o fato. Em julho, quando o dólar atingiu as mínimas dos últimos meses, a
aposta era que o Congresso voltaria do recesso e votaria rapidamente a
previdência, para dar sequência à agenda. Mas a PEC 06 só foi aprovada no
Senado em outubro, e bastante desidratada. Alguns ajustes foram reapresentados
na chamada PEC Paralela — como a inclusão dos estados e municípios — mas o
texto sofreu modificações e a base governista parece ter abandonado o projeto.
Com a reforma tributária, foi pior. O ex-secretário da
Receita Marcos Cintra foi demitido, depois de perder meses estudando um projeto
a partir da recriação de um imposto sobre transações financeiras. Agora, o
governo fala em enviar uma proposta fatiada, em quatro etapas, e ainda não se
sabe como e quando isso vai se encaixar com as duas PECs que tramitam no
Congresso. Além disso, três PECs foram apresentadas, congestionando a pauta:
PEC Emergencial, do Pacto Federativo e dos Fundos Públicos. Tudo deverá ficar
para o ano que vem. A agenda de reformas parece confusa e sem foco.
— Temas políticos afetaram a visão do investidor externo. O
presidente Bolsonaro brigou com o próprio partido em menos de um ano, e houve
aquelas declarações durante a crise da Amazônia, inclusive contra a
primeira-dama da França. O debate da segunda instância pode pôr esse assunto na
frente dos temas econômicos — explicou Fernanda.
O resultado do leilão do pré-sal foi a maior evidência desse
receio do investidor externo em relação ao Brasil. Com as mudanças feitas pelo
BC, os dados de balanço de pagamentos ficaram mais precisos. O déficit em
transações já vinha subindo. Pela nova metodologia ficou em 3% negativo, o que
é alto para um país que mal entrou em recuperação. E há sempre muitos elementos
nas oscilações cambiais do que apenas a economia.
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