sábado, 30 de novembro de 2019

EUA: O AMOR ACABOU

Marcos Strecker, ISTOÉ
Aos poucos e discretamente, mais uma política do governo Bolsonaro sucumbe diante da realidade. As relações carnais com os Estados Unidos, que marcaram a estratégia externa desde a campanha eleitoral e tiveram seu ápice no “I love you!” presidencial a Donald Trump, em solo americano, já não são as mesmas. Parte do desencanto tem a ver com um desastre familiar. Naufragou o projeto de enviar Eduardo Bolsonaro para a embaixada em Washington, uma má ideia que não precisou nem passar pelo crivo dos senadores: o 03 foi abatido por sua própria língua ferina.
Mas a maior causa do afastamento brasileiro do governo populista dos Estados Unidos tem a ver com razões bem concretas. O Brasil não é prioridade para a administração Trump, que deixou isso bem claro em uma série de episódios constrangedores para Bolsonaro: ignorou o pedido brasileiro de ingresso na OCDE, recebeu benesses que não retribuiu, como a queda nas taxas de importação de etanol e a liberação de vistos, e saudou com entusiasmo o novo presidente argentino, contrariando as declarações públicas antikirchneristas do presidente brasileiro. Trump não despreza apenas o Brasil. Também isolou os Estados Unidos da Europa, de seu principal aliado, o Reino Unido, e dos estratégicos parceiros do Oriente Médio. A falta de visão tática do atual mandatário americano faz a China e a Rússia ampliarem sua projeção internacional de maneira inédita e fragiliza as democracias liberais, que foram o pilar do crescimento mundial nos últimos 150 anos.
No Brasil, a nova ordem internacional forçou o governo Bolsonaro a se reaproximar da China, que é de fato nosso maior parceiro comercial. Ficaram para trás as ameaças de campanha contra o domínio chinês, substituídas pela promessa da chegada de investimentos bilionários e pela introdução no País da rede 5G, que é liderada pelos chineses e promete ser a nova revolução industrial. A cúpula do Brics, recém-encerrada em Brasília, foi assim um fiasco bem-sucedido. Como previsto pelo próprio criador desse acrônimo, o economista britânico Jim O’Neill, o grupo de países emergentes não tem uma real função geopolítica. Sua finalidade é mais acadêmica e estatística. Não no caso brasileiro, paradoxalmente. A majestosa passagem do chinês Xi Jinping por uma Brasília deserta, na semana passada, selou uma guinada em nossa política externa. A diplomacia nacional voltou aos trilhos movida pela realidade e por benefícios palpáveis. Os verdadeiros interesses estratégicos e o saudável princípio da reciprocidade entraram, finalmente, no radar do Itamaraty bolsonariano. Antes tarde do que nunca.
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