sexta-feira, 29 de novembro de 2019

NOVO ARRANJO INSTITUCIONAL

Murillo de Aragão, VEJA
A Presidência da República sempre foi, historicamente, o ponto focal da política brasileira. Os demais poderes atua¬vam, salvo momentos de exceção, como coadjuvantes. Uma soma extraordinária de poderes dava ao presidente uma situação hegemônica.
Além de poder editar medidas provisórias, cuja validade como lei é imediata, o presidente controla não apenas mais de 50% do sistema bancário, como também algumas das maiores empresas do país. Ainda pode nomear mais de 25 000 cargos de confiança e, até há pouco tempo, possuía um elevado poder discricionário sobre o Orçamento da União.
Para assegurar tal hegemonia, afora os instrumentos existentes, as relações políticas eram formatadas por meio do conhecido “presidencialismo de coalizão”, com indicações políticas para cargos, distribuição de verbas e acesso à formulação de políticas públicas.
Quando funcionava bem, o presidente conseguia uma maioria para aprovar parte expressiva de sua agenda e ficar protegido de tentativas de desestabilização. Quando não funcionava, terminava em impasses ou em impeachment.
De alguns anos para cá, contudo, o Congresso Nacional foi ganhando terreno e ocupando espaços políticos predominantes. As liberdades de edição de medidas provisórias foram limadas. As emendas parlamentares ao Orçamento da União, que eram instrumento central do toma lá dá cá, passaram a ter sua implementação obrigatória.
Temos um fato novo na política nacional: dois núcleos de poder que transitaram entre o conflito e o consenso em 2019
Mais recentemente, o Orçamento como um todo passará a ter sua implementação mandatória, o que poderá reduzir ainda mais a liberdade do Executivo. O que for aprovado pelo Congresso terá de ser executado. Em tese, sem uma maioria para proteger seus interesses, toda proposta orçamentária poderá ser modificada pelos parlamentares.
Mas a questão — definida por alguns parlamentares como o reencontro do Legislativo com suas prerrogativas — não para por aí. Historicamente, o Poder Executivo tinha o controle e a iniciativa da agenda. Hoje nem tanto.
Neste ano, o governo Bolsonaro assistiu, imóvel, à perda de validade de oito medidas provisórias e à rejeição de uma. É o maior nível de ineficácia de gestão de medidas provisórias verificado desde a criação do instrumento. O Congresso não estará sempre na mesma página da agenda do governo.
A reforma previdenciária aprovada foi a que o Congresso quis, e não a que o Executivo queria. O mesmo se dará com a reforma tributária e a admi¬nis¬tra-tiva. Ambas serão sobretudo expressão do Congresso a respeito do tema.
Temos um fato novo na política nacional: dois núcleos de poder que, no uso de suas prerrogativas, transitaram entre o conflito e o consenso em 2019. É uma nova realidade, que causa certa estranheza. No entanto, o mesmo quadro deve se apresentar em 2020.
Independentemente de como funciona o novo arranjo institucional, o desejo dos brasileiros é que o equilíbrio e o bom-¬senso prevaleçam nos debates que estão por vir. E que ambos os poderes saibam honrar suas responsabilidades com plena consciência de suas competências e limites e, sobretudo, prossigam na agenda de reformas de que o país tanto necessita.
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