O Supremo Tribunal Federal (STF) julga hoje, sob pressão da
opinião pública, a liminar que seu presidente, ministro Dias Toffoli deu em
julho passado suspendendo todos os inquéritos baseados em informações do antigo
Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e da Receita Federal.
A decisão foi tomada a pedido da defesa do senador Eduardo
Bolsonaro, que alegou que a investigação do Ministério Público do Rio sobre sua
vida financeira fora baseada em informações detalhadas fornecidas pelo Coaf, o
que representaria uma quebra ilegal de seu sigilo bancário.
Além de paralisar mais de 900 inquéritos por todo o país, a
atitude de Toffoli teve conseqüências graves: três meses depois da liminar, o
presidente do STF requisitou ao Coaf e à Receita Federal todos os inquéritos
existentes nesses órgãos, mais tarde exigindo o nome dos auditores que tinham
acesso àquelas informações.
Embora tenha revogado sua própria decisão, até anteontem ele
tinha possibilidade de acesso a dados de 600 mil pessoas com detalhamento de
todas as informações que ele considerou ilegais na liminar. Não os deve ter
acessado, porque o Coaf os enviou digitalizados, juntamente com uma senha que
identificaria quem no STF os consultou.
Mas a Receita Federal enviou os documentos em papel, e Toffoli
esqueceu-se, num primeiro momento, de devolver também esses dados, só o fazendo
ontem. Revogou essas medidas escandalosas porque não teria como defendê-las no
plenário na sessão de hoje.
Em manifestação encaminhada aos ministros do STF, o
Procurador-Geral da República Augusto Aras pediu que seja revogada a decisão
liminar de Toffoli. O Procurador-Geral explicou ainda que órgãos de persecução
penal (Polícia Judiciária e Ministério Público) não têm acesso à integralidade
dos dados fiscais e bancários dos contribuintes, mas, apenas, àqueles
específicos cujo repasse se faça necessário para possibilitar que o Estado atue
na prevenção e repressão de ilícitos penais.
Vivemos no Brasil um paradoxo terrível. O Judiciário,
através do presidente do STF, diz que o Tribunal é que garante o combate à
corrupção. Verdade que teve posição muito importante no mensalão, que deu
origem à devassa que acabou no petrolão. Mas o que se vê no momento é um
colocar de dificuldade para apuração de lavagem de dinheiro e corrupção.
É um absurdo proibir o Coaf de trabalhar nos moldes
internacionais, como vinha sendo feito há anos. O jurista americano Jack de
Kluiver, ex-integrante do Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi ), que
atua globalmente no combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do
terrorismo, diz que exigir uma autorização judicial para que uma unidade como o
Coaf compartilhe informações com os órgãos de investigação “não é um padrão
internacional”.
Segundo ele, unidades de inteligência financeira precisam
ser independentes, e ter acesso a dados detalhados sobre movimentação bancária.
A princípio, o plenário do STF ficaria dividido em decisão polêmica como essa,
mas é preciso levar em conta que se estará julgando uma decisão do próprio
presidente.
Os recuos de Toffoli indicariam que ele não conta com o
apoio da maioria nessa sua cruzada, e estaria tentando minimizar os danos. A
única explicação para as atitudes de Toffoli é que informação é poder. O STF
está ganhando poderes que não são dele, porque há um vácuo de poder no país.
Um Executivo disfuncional faz com que os outros poderes,
como o Congresso e o Judiciário, assumam para si poderes que não lhes
pertencem, inclusive de blindagem do presidente Bolsonaro e sua família, a
pretexto de viabilizar a governabilidade. O Congresso e o STF, ao contrário,
deveriam atuar para garantir os direitos dos cidadãos contra investidas
antidemocráticas.
Um Supremo superpoderoso não funciona numa democracia, e por
isso governos autoritários tentam dominar as Cortes Superiores, como fizeram na
Bolivia, na Venezuela. No Brasil, vivemos uma situação extraordinária, onde o
próprio Supremo arvora-se em partícipe do jogo político nacional, com poderes
acima dos demais.
Mas votar contra essa situação é ir contra a própria
corporação. Se houver uma visão crítica das atitudes do presidente do STF, será
uma reunião plenária conflituosa. Veremos o que vai prevalecer, o
corporativismo, ou a preservação de um espaço democrático onde, mesmo quem pode
muito, não pode tudo.
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