Você viu a “live das Arábias”? —pergunta um amigo. Já começo
rindo só do nome que ele inventou para a transmissão
feita por Bolsonaro, aos berros e às lágrimas, atacando a Rede Globo.
Assisto ao vídeo e, assim que começa a exaltação
descontrolada do nosso chefe de Estado, me divirto um tanto.
“Se fosse mulher iam chamar de mal comida, dizer que são os
hormônios”; “Ele tá ansioso porque vai passar um dia com um príncipe, parece
programa do SBT”; “Ele acha que errar o nome para Mariella é um álibi?”; “Ah
ele quer isentar o porteiro? Nossa, que queridão com os pobres, né?”; “Alguém
consegue imaginar o Merval fazendo palestra pra falar bem do PT?”; “Coitado, tá
carente que a Delis Ortiz não quis falar com ele”;
“Gente, evangélico pode falar porra e orgasmo?”.
“Gente, evangélico pode falar porra e orgasmo?”.
Acontece que, pensando bem, nada disso tem graça. Eu estava
rindo do quê? Do que estamos rindo?
Durante a live, milhares deixaram recados para Bolsonaro dizendo que estão orando por ele, que como todo “santo” ele tem provações a passar, que “a verdade o libertará porque Deus é contigo”, que mil cairão não sei de que lado e não sei mais onde e por aí vai. Isso é engraçado, não é? É engraçado a faxineira do meu prédio ganhar 700 reais e dar metade pra igreja?
Durante a live, milhares deixaram recados para Bolsonaro dizendo que estão orando por ele, que como todo “santo” ele tem provações a passar, que “a verdade o libertará porque Deus é contigo”, que mil cairão não sei de que lado e não sei mais onde e por aí vai. Isso é engraçado, não é? É engraçado a faxineira do meu prédio ganhar 700 reais e dar metade pra igreja?
Vai dizer que não é cômico quando ele diz “a avó da minha
mulher estava metida com tráfico? Estava! A mãe dela cometeu mesmo falsidade
ideológica? Cometeu! E daí?” Me diz que você não achou hilário esse monte de
meme mostrando a semelhança (o cabelo, a testa franzida, o discurso de ódio)
entre nosso Jair Messias e o Hitler? Poxa, mas Hitler não deveria ser deprê?
Até quando vamos gozar dos erros gramaticais (essa sim uma
anta contra os muitos leões que insistem em dar aulas em escolas públicas) do
ministro da Educação? Até quando vamos fazer esquetes com “conge”? Moro foi
chamado para colocar o tal porteiro contra a parede e a gente ainda fazendo
piada com “conge”? Eu ri quando recebi o meme “quem atendeu o telefone no
condo-minion”? Mas se a gente lembrar que uma deputada negra e militante e seu
motorista foram assassinados por milicianos (e que milicianos e os Bolsonaros
são quase a mesma família) será que fica tão divertido?
O que está acontecendo é de uma tristeza incomensurável. É
pra sentir medo e nojo. Provas para estudantes e roteiros de cinema sofrem
censura. Crianças mortas nas favelas
cariocas...“é para mirar na cabecinha”. Deputadas querendo aprovar lei que
mulher estuprada não pode abortar. Eduardo Bolsonaro fala
de AI-5 com
a naturalidade que uma pessoa bem-intencionada falaria sobre melhorias na
merenda escolar das escolas públicas.
Sei que somos um país “o melhor do Brasil é o brasileiro”
porque reciclamos todo o lixo de nossas vidas em humor afiado, rápido e
inteligente. Mas enquanto acharmos que piada é o melhor a ser feito, não
estaríamos protegidos de realizar verdadeiramente a tragédia em que nos
metemos?
Quer rir de verdade? Descobri um podcast chamado
“Respondendo em Voz Alta”, feito pela misteriosa (não tem uma única fotinho ou
menção ao seu nome verdadeiro pela internet) DJ Laurinha Lero. Há um bom tempo
eu não gargalhava assim. O episódio “Ou Você me Come ou Você Cai Fora” é o
único alívio cômico para esse 2019. Cada vez que a tal Laurinha diz que se
sente “morta por dentro” eu lembro que até a depressão é muito melhor do que o
nosso presidente.
Tati Bernardi
Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de
“Depois a Louca Sou Eu”.
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