Uma tese popular em circulação é a de que, agora que o STF
definiu que a execução da pena só é possível após o trânsito em julgado,
tal entendimento não pode ser alterado pelo Congresso, já que a presunção de
inocência é uma cláusula pétrea da Carta que não pode ser modificada nem por
emenda constitucional.
A presunção de inocência é sem dúvida uma garantia
individual, o que faz dela cláusula pétrea, mas isso não significa que esteja
totalmente imune aos parlamentares.
É fácil ver isso lendo o artigo 60 da Carta, que regula as emendas
constitucionais. Quem chegar até o § 4º do dispositivo verá que a proteção às
cláusulas pétreas não é contra qualquer tipo de emenda, mas só contra as que
tendam a aboli-las.
“Abolir” é um verbo forte, mas o termo “tendente” o
relativiza, o que significa que os ministros do STF poderão decidir da forma
que preferirem, como sempre. Mas, se quiserem se ater ao texto constitucional,
terão de discutir se a prisão após a segunda instância “tende a abolir” a
presunção de inocência ou só a coloca em outras balizas.
Acho difícil sustentar a primeira opção. Um bom paralelo é
com o mandato de quatro anos. O voto direto, secreto, universal e periódico
também é apontado pelo artigo 60 como cláusula pétrea, mas não me parece que
seja impossível emendar a Carta para criar mandatos de, digamos, cinco anos. A
periodicidade do voto estaria preservada, ainda que com outra extensão.
Cláusulas pétreas são um negócio complicado. Concordo que a
Constituição precisa proteger-se de maiorias de ocasião. A exigência de
votações qualificadas e o estabelecimento de cláusulas pétreas são um meio de
fazê-lo. Mas é preciso cautela para que o constituinte do passado não amarre
demais a vontade dos cidadãos do futuro. Se se exagera na dose, constituições
vão deixando de ser cartas políticas e assumindo cada vez mais a feição de
escritos religiosos.
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando
Bem…".
Nenhum comentário:
Postar um comentário