O presidente Jair Bolsonaro está em vias de transformar um
limão em limonada, com a nomeação da atriz Regina Duarte para o cargo de
secretária de Cultura, no lugar do neonazista enrustido Roberto Alvim. Ontem, o
Palácio do Planalto confirmou que a protagonista da série Malu Mulher e das
novelas Minha Doce Namorada, na qual era a jovem Patrícia, e Roque Santeiro, em
que interpretou a Viúva Porcina, entre outros papéis de destaque, virá a
Brasília amanhã para conhecer a Secretaria Especial da Cultura. Foi convidada
por Bolsonaro para assumir o órgão. Os dois tiveram uma reunião no Rio de
Janeiro, onde foi convidada. Depois da conversa, ela escreveu que está
“noivando” com o governo.
Bolsonaro resumiu os entendimentos no Twitter: “Tivemos uma
excelente conversa sobre o futuro da cultura no Brasil. Iniciamos um ‘noivado’
que possivelmente trará frutos ao país”, escreveu o presidente. Conservadora
assumida, antipetista de primeira hora, Regina Duarte participou das campanhas
das Diretas, Já!, de Tancredo Neves (1985) e José Serra (2002).
Reconhecidamente, é uma grande atriz e tem o respeito da maioria de seus
colegas, mas nunca teve unanimidade. Agora, sofrerá uma campanha de feroz
oposição, porque assume o cargo em circunstâncias muito desfavoráveis, uma vez
que seu antecessor desnudou um projeto reacionário de cultura, cuja inspiração
estava na máquina de propaganda nazista. A questão é: fará uma inflexão nos
rumos da pasta ou seguirá a mesma orientação?
No governo Bolsonaro, a fronteira entre o conservadorismo e
o reacionarismo é muito sinuosa, porém, já foi atravessada nas áreas da
educação, cultura, direitos humanos e meio ambiente. Agora, o que foi barrado
pela forte reação da opinião pública, do mundo artístico-cultural, da imprensa
e até mesmo de setores militares no governo foi a narrativa fascista, que
orienta a deriva contra a democracia de setores do governo. A crise provocada
por Ricardo Alvim, ao reproduzir em vídeo trechos de um discurso de Joseph
Goebbels, o ministro da Cultura e Propaganda de Adolf Hitler, levou-o à
demissão, a contragosto do presidente. Pouco antes do “sincericídio”, numa
live, Bolsonaro havia elogiado o seu então secretário de Cultura, que estava ao
seu lado.
O episódio serviu para corroborar a narrativa dos setores da
oposição que caracterizam o governo como fascista ou protofascista, ou seja,
que denunciam a fascistização do país. Essa é uma discussão muito relevante por
todas as suas implicações. Em todas as crises do governo, até agora, o que se
viu foi um recuo de Bolsonaro diante das reações da sociedade civil e dos
demais poderes da República. No caso de Ricardo Alvim, esse recuo se deu em
menos de 48 horas, após os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), do
Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), terem solicitado a demissão de Alvim, além
das críticas do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, e
da opinião pública nas redes sociais, principalmente no Twitter, o principal instrumento
de comunicação direta de Bolsonaro com a sociedade. Ou seja, nesses momentos, a
democracia se fez mais forte do que o presidente da República.
Bonapartismo
A narrativa reacionária e chauvinista não basta para caracterizar um governo como fascista, a rigor, uma ditadura aberta, que recorre ao terror de Estado para esmagar a oposição. A expressão protofascista carrega ideia errônea de inevitabilidade da fascistização do regime político, porque proto significa primeiro ou o que antecede. Essa discussão não é nova. Historicamente, ocorreu na Alemanha da República de Weimar, às vésperas da ascensão de Hitler ao poder, quando os espartaquistas (comunistas) liderados por Rosa Luxemburgo e Karl Liebeneck chamavam a social-democracia alemã de social-fascista, abrindo caminho para a ascensão do Partido Nazista.
A narrativa reacionária e chauvinista não basta para caracterizar um governo como fascista, a rigor, uma ditadura aberta, que recorre ao terror de Estado para esmagar a oposição. A expressão protofascista carrega ideia errônea de inevitabilidade da fascistização do regime político, porque proto significa primeiro ou o que antecede. Essa discussão não é nova. Historicamente, ocorreu na Alemanha da República de Weimar, às vésperas da ascensão de Hitler ao poder, quando os espartaquistas (comunistas) liderados por Rosa Luxemburgo e Karl Liebeneck chamavam a social-democracia alemã de social-fascista, abrindo caminho para a ascensão do Partido Nazista.
Aqui no Brasil, situação semelhante ocorreu em pleno Estado
Novo, de clara inspiração fascista, mas o Brasil acabou entrando na II Guerra
Mundial ao lado dos Aliados, porque, em seu interior, os americanófilos
liderados por Osvaldo Aranha, Amaral Peixoto e Gustavo Capanema demoveram o
ditador Getúlio Vargas e isolaram os simpatizantes do Eixo, encabeçados por
Francisco Campos, Góis Monteiro e Filinto Müller. Agora, Ricardo Alvim ofendeu
a memória da Força Expedicionária Brasileira (FEB), que lutou nos campos da
Itália contra o nazifascismo, daí a reação dos militares que integram o
governo, que também pediram sua cabeça.
O governo Bolsonaro tem características bonapartistas, ou
seja, preserva autonomia relativa e se coloca acima das classes sociais, embora
sua política econômica esteja alinhada ao mercado financeiro. Ao confundir
alhos com bugalhos, a oposição unifica o governo e acaba, ela sim, se isolando.
De certa forma, a presença de Regina Duarte na Secretaria de Cultura pode
representar o fim da ofensiva obscurantista e reacionária contra a classe
artística, e não o contrário. Trocando em miúdos, pode ser pior sem ela.
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