O Brasil começou a discutir privatização ainda na primeira
metade dos anos 1970; há quase meio século, portanto. À época, porém, ninguém
queria mesmo privatizar, sequer os liberais no governo, que compartilhavam a
visão dominante de que desenvolver era “ocupar os espaços vazios” na matriz
produtiva.
A discussão, porém, avançou e ganhou fôlego com a crise da
dívida externa no início dos anos 1980. Foi quando, em 1981, o governo
Figueiredo criou a Comissão Especial de Desestatização. Havia então, pelas
contas do governo, 268 estatais federais, das quais 140 foram consideradas
privatizáveis. A privatização começou então a andar e crescer: em 1981-84,
foram 20 privatizações e US$ 190 milhões em receitas; em 1985-89, 18 estatais
vendidas e US$ 533 milhões arrecadados. Além disso, no todo da década, 10
estatais foram absorvidas por outros órgãos públicos, 18 transferidas para
governos estaduais e quatro fechadas.
Com Collor, a privatização ganhou uma escala muito maior. Em
1990 se criou o Programa Nacional de Desestatização, que gradualmente
incorporou estatais antes consideradas “imprivatizáveis”, como a Embraer e a
Companhia Siderúrgica Nacional. O mesmo ocorreu no governo FHC, quando a
privatização entrou com tudo no setor de infraestrutura, até então considerado
cativo do setor público, inclusive pela Constituição de 1988, que precisou ser
emendada.
Ao todo, entre 1991 e fevereiro de 2000, foram 125 estatais
privatizadas. Destas, 91 eram federais e as demais de propriedade dos estados,
que nesse período também deram início aos seus próprios programas de
desestatização. As receitas, por sua vez, totalizaram US$ 72,9 bilhões (US$ 123
bilhões em valores atuais), dos quais US$ 46,7 bilhões em nível federal e US$
26,2 bilhões nos estados.
A privatização perdeu fôlego a partir de 2000, com o avanço
do ajuste fiscal iniciado em 1998, que enfraqueceu o acordo tácito entre
liberais e socialdemocratas. Nos governos Lula e Dilma ela praticamente parou,
ainda que não de todo. O que se viu foi o movimento oposto, a criação de novas
estatais. Segundo dados apresentados pelo Secretário Salim Mattar, o número de
estatais federais saltou de 106 ao final de 2002 para 154 em agosto de 2016,
caindo para 134 ao final do governo Temer (ver bit.ly/2NyxG7r).
A privatização retornou ao coração da política econômica no
governo Bolsonaro. Este promete acelerar a venda de estatais este ano.
Considerando todas as 627 empresas em que a União tem participação, a meta é
sair de mais de 120 delas em 2020. Porém, se conseguir sair do controle da
Eletrobras, a meta sobre para mais de 300 empresas, de acordo com entrevista do
Secretário Mattar a Fabio Garner e Edna Simão (ver globo/2RpdeqF). Essas metas
se comparam a um total de 67 empresas de cujo capital a União deixou de
participar em 2019.
Para entender esses números, ajuda perceber que há cinco
linhas diferentes de privatização no governo Bolsonaro.
A primeira envolve a venda de empresas controladas
diretamente pela União (46 ao todo). Essa é uma vertente difícil de
implementar. Primeiro, pois a desestatização depende de aprovação anterior de
lei específica pelo Congresso, o que não é fácil, dados os interesses dos
congressistas nos cargos e atividades dessas empresas. Segundo, porque o
governo não pretende privatizar algumas dessas empresas, como Petrobras, Banco
do Brasil, Caixa Econômica Federal e BNDES. Terceiro, pois várias dessas
empresas dependem do Tesouro para fechar suas contas, oficialmente (18) ou não
(17).
A segunda vertente é a das subsidiárias de estatais
controladas pela União. Ao final de novembro passado, eram 155 empresas nessa
situação, com destaque para as 72 da Eletrobras, 48 da Petrobras e 26 do Banco
do Brasil. A terceira é a venda de participações em coligadas (220) e outras
empresas (211), com destaque para as 100 empresas com participação do BNDES,
avaliadas em R$ 120 bilhões.
Essas são, em princípio, as duas vertentes mais fáceis, pois
não há necessidade de autorização do Congresso e em muitos casos trata-se de
participações em empresas cotadas em bolsa. De fato, em 2019 o governo
arrecadou R$ 50 bi com a venda de seis subsidiárias da Petrobras e R$ 36
bilhões com a venda de participações, inclusive em Petrobras e Banco do Brasil.
As concessões de infraestrutura e de exploração de recursos
naturais formam a quarta vertente da privatização de Bolsonaro. Em 2019, essas
renderam R$ 19 bilhões em receitas. Por fim, a quinta e mais difícil vertente é
a venda de imóveis. Ao todo, são 750 mil imóveis da União, avaliados em R$ 30
bilhões.
A privatização com Bolsonaro tem sido bem-sucedida,
avançando em empresas que há alguns anos estavam fora do radar, como a BR
Distribuidora. O que mostra uma aceitação popular muito maior do que em
qualquer outro momento do passado. Isso apesar de o programa ter tido até aqui
muito menos publicidade do que nos anos 1990, quando cada passo da venda de uma
estatal era amplamente divulgado e discutido na imprensa. É provável que os
achados da Operação Lava Jato tenham contribuído para isso.
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