segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

AÇAÍ E A BIOECONOMIA

Merval Pereira, O GLOBO
Tão importante quanto o combate à criminalidade ligada ao desmatamento na Amazônia é a avaliação que se pode fazer hoje de seus resultados econômicos e socioambientais, na análise do especialista em meio-ambiente Ricardo Abramovay, professor da USP. Existem várias propostas de políticas sustentáveis, que preservem a floresta e gerem riqueza para a população da região. Muitas estão no Congresso, outras em trabalhos acadêmicos.
O Instituto Escolhas, que desenvolve estudos e análises sobre economia e meio ambiente, e tem em seu Conselho, entre outros, o próprio Abramovay e a ex-ministra do Meio-Ambiente Isabella Teixeira, lançou o estudo sobre Bioeconomia e Zona Franca de Manaus.
A proposta é um modelo de desenvolvimento econômico que integre a atual vocação da Zona Franca de Manaus (AM) e seu parque industrial à inovação tecnológica e ao uso sustentável da biodiversidade amazônica.
Em vez de subsidiar a produção industrial, como faz atualmente, o governo poderia estimular investimentos em novos negócios, sobretudo naqueles voltados ao aproveitamento sustentável da biodiversidade local – a bioeconomia.
Com pouco mais de R$ 7,15 bilhões investidos em infraestrutura física ao longo de dez anos – ou seja, menos de um terço do incentivo fiscal anual dado à ZFM –, a criação de empregos diretos e indiretos pode chegar a 218 mil vagas.
O professor professor Raoni Rajão, da UFMG, comparando a área e a produção de soja e de açaí no Pará entre 1996 e 2015, mostra que a fruta brasileira tem rendimento por hectare muito maior que o da soja.
Embora seja um produto consumido fundamentalmente na Amazônia, existe hoje uma cadeia global de açaí na casa das centenas de milhões de dólares. Para Abramovay, uma das bases para a exploração sustentável destes produtos é justamente unidade entre trabalho científico e a própria cultura material dos povos da floresta.
Um dos mais emblemáticos exemplos desta junção, analisa, é a Rede de Sementes do Xingu, organizada pelo Instituto Socioambiental. Populações indígenas e ribeirinhas coletam sementes que são selecionadas por técnicos da EMBRAPA e do Instituto Socioambiental e vendidas a fazendeiros.
Mel, óleo de pequi, copaíba, borracha, castanha, são inúmeros os produtos de uso alimentar, farmacêutico e cosmético que a ciência, aliada aos povos da floresta, pode revelar e ajudar a explorar de maneira sustentável, diz Abramovay.
O selo Origens Brasil, que certifica estes produtos e já está em grandes cidades brasileiras acaba de receber um importante reconhecimento internacional por parte da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO/ONU).
Já o professor da UERJ Ronaldo Saora Motta ressalta, com base em estudos, que é possível aumentar o valor da produção agrícola entre 79-105%, e o valor da produção pecuária em 27% sem ocasionar mais desmatamento.
Para reverter essa lógica do desmatamento, diz ele, é preciso destinar grande parte das terras devolutas para unidades de conservação, em particular para florestas nacionais, com objetivo de promoção do uso sustentável dos recursos florestais e a pesquisa científica.
Mais ousadamente, como diz, propõe a criação de Áreas de Agricultura Sustentável, situadas em parcelas da floresta que combinem menor relevância da biodiversidade, fora de corredores ecológicos, com alto grau de aptidão agrícola e acesso a infraestrutura de transporte.
Essas áreas seriam disponibilizadas gradualmente por leilão a agentes econômicos privados, e seu uso teria que obedecer a práticas sustentáveis de baixo impacto.
Há estudos, entretanto, adverte Ronaldo Seroa da Motta, que mostram que a renda sustentável da floresta em pé é espacialmente diferenciada, e somente 12% da área seria capaz de gerar rendimentos que competiriam com a agropecuária, mesmo de baixa produtividade.
Assim sendo, diz ele, não há como prescindir de pagamentos pela comercialização de créditos de carbono por redução de desmatamento, previsto no Acordo de Paris.
Mesmo com o preço modesto de US $ 5 por tonelada de CO2, como foi contratado no Fundo Amazônia, poderiam gerar uma receita de 50 bilhões de dólares até 2025 através de fundos ou projetos liderados e coordenados por agências de desenvolvimento estaduais ou nacionais.
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