Juracy Soares e Rodrigo Keidel Spada, Folha
de S.Paulo
Não é de hoje que as entidades do serviço público alertam
sobre o esvaziamento do efetivo de todos os poderes do Estado. Em meio a
polêmicas sobre a condução dos trabalhos e a fila
de quase 2 milhões de pedidos de benefícios represados no Instituto
Nacional do Seguro Social (INSS), é bom lembrar que desde 2016 esse cenário
vem se complicando, quando o então governo Michel Temer (MDB)
encaminhou ao Congresso Nacional a reforma da Previdência.
Com a promulgação da reforma no ano passado, o cenário
tornou-se ainda mais grave para os cidadãos, pois a expectativa é de que cerca
de 70 mil profissionais deverão se aposentar somente no serviço público
federal.
Com a publicação do decreto que autorizou a contratação
de 7.000 militares a atuarem em “força-tarefa” para “vencer” a
fila do INSS, o governo federal demonstrou absoluta falta de planejamento e de
preparo, como se fosse possível administrar o Estado aos trancos e barrancos.
Não será com medidas amadoras e simplistas que o governo irá
resolver a carência de uma área altamente demandada, especialmente por pedidos
de aposentadorias e licenças médicas.
Além dos entraves legais, que envolveria treinamento dos
militares, essa medida desrespeita os princípios da legalidade, impessoalidade,
publicidade e eficiência, previstos no artigo 37 da Constituição Federal, e
configura desvio de finalidade.
A reforma administrativa pode causar um efeito dominó,
inclusive no âmbito dos estados em crise fiscal. E se a falta de servidores
ativos chegar às administrações tributárias dos entes subnacionais?
Nos Fiscos estaduais, temos várias unidades federativas sem
concurso para auditor fiscal há mais de 20 anos. Há um efetivo de servidores
altamente capacitados que estão se aposentando, e uma parcela dos secretários
de Fazenda tem o entendimento de que simplesmente a inteligência artificial e o
entrelaçamento de dados podem dar cabo do atendimento às demandas do Estado e
do cidadão.
Essa situação do INSS é cômoda para a União, pois significa
retardar o pagamento do benefício a milhões de brasileiros. Já no caso do
Fisco, se isso ocorrer, haverá forte redução da arrecadação de tributos por
absoluto desmantelamento da capacidade operacional das Fazendas dos três entes
(que já operam com o quadro de pessoal reduzido).
É importante ressaltar que respeitamos os militares do nosso
país. São homens e mulheres altamente qualificados e prontos para agir dentro
de sua missão constitucional. O governo, ao tratar os militares como “Posto
Ipiranga”, põe em risco a população que demanda atendimento qualificado.
As verbas que estão sendo sonegadas pelo atraso à população
são verbas alimentícias, que não podem ficar sujeitadas ao dia em que o governo
finalizar os ajustes nos sistemas, o que, segundo informações da própria
administração, deve
levar mais de seis meses.
Acreditar que simplesmente deslocar 7.000 militares para o
INSS vai dar conta de serviço que requer qualificação
específica revela outro equívoco do governo federal; ou seja, a
tendência a desmontar a infraestrutura do serviço público e expor a
população ao constrangimento e à humilhação ao fazerem com que tenham que
implorar pelo seu direito, como se não fosse dever do governo e do Estado.
Ingresso por concursos é importante dispositivo contra
a corrupção,
o paternalismo e o uso político dos cargos públicos. Atende aos princípios da
impessoalidade, moralidade, eficiência e motivação.
O cenário anunciado pelo governo não se justifica
constitucionalmente e representa apenas a ponta do iceberg. Defendemos que o
governo abandone essas ideias.
Juracy Soares
Presidente da Federação Brasileira de Associações de Fiscais
de Tributos Estaduais (Febrafite) e vice-presidente do Fonacate (Fórum Nacional
das Carreiras Típicas de Estado)
Rodrigo Keidel Spada
Presidente da Associação dos Agentes Fiscais de Rendas do
Estado de São Paulo (Afresp) e coordenador do Focae-SP (Fórum Permanente das
Carreiras de Estado)
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