A
evolução da crise venezuelana foi objeto, em Brasília, de reuniões de análise
de conjuntura e articulações políticas durante o normalmente pacato período de
recesso parlamentar.
O tema ganhou evidência na semana passada, quando no último
dia 16 o presidente Jair Bolsonaro levou para o Palácio do Planalto a cerimônia
de passagem do comando da Operação Acolhida. Símbolo de prestígio e
reconhecimento às atividades executadas, principalmente pelo Exército, no
acolhimento e na interiorização dos migrantes e refugiados venezuelanos.
Nos bastidores, contudo, autoridades do Palácio do Planalto,
ministros e parlamentares de Roraima também trataram de outras questões. Há uma
preocupação em relação ao possível aumento da violência dentro da Venezuela e o
fluxo populacional que pode resultar desse fenômeno, assim como com a
capacidade do Estado brasileiro de atender essa população sem reduzir a
qualidade dos serviços públicos na região.
Algumas estatísticas da Operação Acolhida ajudam a explicar
as razões da movimentação política. Segundo estimativa do governo federal,
cerca de 264 mil venezuelanos entraram e permaneceram no Brasil de 2018. Foram
“interiorizadas” aproximadamente 27,2 mil pessoas, ou seja, transferidas para
cerca de 375 cidades em 24 unidades da federação.
Dentre esses venezuelanos estão os cinco militares que foram
detidos na fronteira no fim de dezembro do ano passado. Apesar das críticas do
governo de Nicolás Maduro, que os considera terroristas, eles devem receber
refúgio após passarem por período de quarentena. O que mais preocupa as
autoridades de Roraima, contudo, são os civis que por lá se instalam.
As reuniões entre representantes de Roraima e autoridades
federais ocorrem em clima cordial, mas não de completa descontração. A bancada
do Estado no Congresso cobra mais celeridade do governo no processo de
interiorização, ajuda na segurança pública e, claro, mais recursos.
No mais recente encontro, por exemplo, representantes de
Roraima apresentaram dois dados aos seus interlocutores: cerca de 450 bebês de
pais venezuelanos já nasceram na maternidade de Boa Vista e aproximadamente 300
venezuelanos estão encarcerados no Estado.
Com essas estatísticas em mãos, a bancada estadual passou a
defender uma atualização dos critérios de distribuição do Fundo de Participação
dos Estados (FPE) e do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). E quer apoio
do governo federal para alterar as regras de rateio.
Apesar de legítima, a demanda atinge os interesses de outros
entes da federação. Deve enfrentar resistências no Congresso e inclusive acabar
levando o tema para ser analisado novamente pelo Judiciário.
Segundo a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), os
municípios do Estado de Roraima receberam R$ 555,2 milhões do FPM no ano
passado, montante 8,2% maior do que em 2018. A capital Boa Vista foi o destino
de R$ 473,7 milhões, ainda de acordo com a entidade. Já a cidade de Pacaraima,
principal porta de entrada dos venezuelanos no país, ficou em segundo lugar.
Recebeu R$ 6,4 milhões.
A presença dos venezuelanos virou uma questão central na
política local. Foi um dos temas da campanha de 2018 e tende a ter novamente
peso relevante nas eleições de outubro, principalmente se um dos cenários mais
críticos se confirmar: uma ampliação do fluxo migratório, em razão de um eventual
recrudescimento da crise humanitária ou de um conflito civil mais severo no
país vizinho.
Essa é outra preocupação frequente na capital federal. Desde
o início de janeiro, o presidente Nicolás Maduro vem patrocinando uma série de
movimentos para aumentar o número de integrantes da milícia que apoia seu
governo. Sua ideia é ter pelo menos um miliciano presente em cada parte do
território venezuelano, bairro e escola. Diante de centenas de apoiadores
uniformizados, anunciou recentemente que a milícia já dispunha de 3,7 milhões
de homens e mulheres. Tem como meta somar 4 milhões ao seu lado, todos armados
e dispostos ao martírio.
Na visão de autoridades brasileiras, Maduro está reforçando
sua autoridade e o poder central nas bases. Com isso, conseguiria arregimentar
mais massa de manobra e demonstrar força para desencorajar a oposição. Afinal,
há farta distribuição de armas à milícia.
Um novo ponto de inflexão na dinâmica interna venezuelana
ocorreria, portanto, caso as Forças Armadas e a milícia comecem a ser
utilizadas de forma sistemática contra o povo.
Na semana passada, segundo relato de líderes da oposição,
milicianos teriam atacado o comboio liderado por Juan Guaidó que se dirigia ao
Parlamento. Militares também cercaram a sede do Legislativo, para impedir seu
funcionamento e a reeleição de Guaidó. O risco de guerra civil não é
desprezível. Tampouco desprezado pelas autoridades brasileiras.
Alvim
A demissão de Roberto Alvim da Secretaria Nacional de Cultura recolocou em evidência algumas das diferenças existentes entre as alas que integram a administração Jair Bolsonaro. O governo está longe de ser monolítico.
A demissão de Roberto Alvim da Secretaria Nacional de Cultura recolocou em evidência algumas das diferenças existentes entre as alas que integram a administração Jair Bolsonaro. O governo está longe de ser monolítico.
Militares já haviam demonstrado oposição a declarações da
chamada ala ideológica do governo, mas o episódio protagonizado por Alvim
extrapola essa divisão. E o ex-secretário deu nova oportunidade para que os
militares repreendessem, ainda que nos bastidores, qualquer menção positiva aos
regimes nazifascistas.
Um oficial de alta patente destacou: não se pode esquecer
que milhares de homens da Força Expedicionária Brasileira desembarcaram na
Itália, em julho de 1944, para lutar na Segunda Guerra Mundial justamente
contra o nazifascismo.
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