quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

AS PRÓXIMAS FASES DA CRISE NA VENEZUELA

Fernando Exman, Valor Econômico

A evolução da crise venezuelana foi objeto, em Brasília, de reuniões de análise de conjuntura e articulações políticas durante o normalmente pacato período de recesso parlamentar.
O tema ganhou evidência na semana passada, quando no último dia 16 o presidente Jair Bolsonaro levou para o Palácio do Planalto a cerimônia de passagem do comando da Operação Acolhida. Símbolo de prestígio e reconhecimento às atividades executadas, principalmente pelo Exército, no acolhimento e na interiorização dos migrantes e refugiados venezuelanos.
Nos bastidores, contudo, autoridades do Palácio do Planalto, ministros e parlamentares de Roraima também trataram de outras questões. Há uma preocupação em relação ao possível aumento da violência dentro da Venezuela e o fluxo populacional que pode resultar desse fenômeno, assim como com a capacidade do Estado brasileiro de atender essa população sem reduzir a qualidade dos serviços públicos na região.
Algumas estatísticas da Operação Acolhida ajudam a explicar as razões da movimentação política. Segundo estimativa do governo federal, cerca de 264 mil venezuelanos entraram e permaneceram no Brasil de 2018. Foram “interiorizadas” aproximadamente 27,2 mil pessoas, ou seja, transferidas para cerca de 375 cidades em 24 unidades da federação.
Dentre esses venezuelanos estão os cinco militares que foram detidos na fronteira no fim de dezembro do ano passado. Apesar das críticas do governo de Nicolás Maduro, que os considera terroristas, eles devem receber refúgio após passarem por período de quarentena. O que mais preocupa as autoridades de Roraima, contudo, são os civis que por lá se instalam.
As reuniões entre representantes de Roraima e autoridades federais ocorrem em clima cordial, mas não de completa descontração. A bancada do Estado no Congresso cobra mais celeridade do governo no processo de interiorização, ajuda na segurança pública e, claro, mais recursos.
No mais recente encontro, por exemplo, representantes de Roraima apresentaram dois dados aos seus interlocutores: cerca de 450 bebês de pais venezuelanos já nasceram na maternidade de Boa Vista e aproximadamente 300 venezuelanos estão encarcerados no Estado.
Com essas estatísticas em mãos, a bancada estadual passou a defender uma atualização dos critérios de distribuição do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). E quer apoio do governo federal para alterar as regras de rateio.
Apesar de legítima, a demanda atinge os interesses de outros entes da federação. Deve enfrentar resistências no Congresso e inclusive acabar levando o tema para ser analisado novamente pelo Judiciário.
Segundo a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), os municípios do Estado de Roraima receberam R$ 555,2 milhões do FPM no ano passado, montante 8,2% maior do que em 2018. A capital Boa Vista foi o destino de R$ 473,7 milhões, ainda de acordo com a entidade. Já a cidade de Pacaraima, principal porta de entrada dos venezuelanos no país, ficou em segundo lugar. Recebeu R$ 6,4 milhões.
A presença dos venezuelanos virou uma questão central na política local. Foi um dos temas da campanha de 2018 e tende a ter novamente peso relevante nas eleições de outubro, principalmente se um dos cenários mais críticos se confirmar: uma ampliação do fluxo migratório, em razão de um eventual recrudescimento da crise humanitária ou de um conflito civil mais severo no país vizinho.
Essa é outra preocupação frequente na capital federal. Desde o início de janeiro, o presidente Nicolás Maduro vem patrocinando uma série de movimentos para aumentar o número de integrantes da milícia que apoia seu governo. Sua ideia é ter pelo menos um miliciano presente em cada parte do território venezuelano, bairro e escola. Diante de centenas de apoiadores uniformizados, anunciou recentemente que a milícia já dispunha de 3,7 milhões de homens e mulheres. Tem como meta somar 4 milhões ao seu lado, todos armados e dispostos ao martírio.
Na visão de autoridades brasileiras, Maduro está reforçando sua autoridade e o poder central nas bases. Com isso, conseguiria arregimentar mais massa de manobra e demonstrar força para desencorajar a oposição. Afinal, há farta distribuição de armas à milícia.
Um novo ponto de inflexão na dinâmica interna venezuelana ocorreria, portanto, caso as Forças Armadas e a milícia comecem a ser utilizadas de forma sistemática contra o povo.
Na semana passada, segundo relato de líderes da oposição, milicianos teriam atacado o comboio liderado por Juan Guaidó que se dirigia ao Parlamento. Militares também cercaram a sede do Legislativo, para impedir seu funcionamento e a reeleição de Guaidó. O risco de guerra civil não é desprezível. Tampouco desprezado pelas autoridades brasileiras.
Alvim
A demissão de Roberto Alvim da Secretaria Nacional de Cultura recolocou em evidência algumas das diferenças existentes entre as alas que integram a administração Jair Bolsonaro. O governo está longe de ser monolítico.
Militares já haviam demonstrado oposição a declarações da chamada ala ideológica do governo, mas o episódio protagonizado por Alvim extrapola essa divisão. E o ex-secretário deu nova oportunidade para que os militares repreendessem, ainda que nos bastidores, qualquer menção positiva aos regimes nazifascistas.
Um oficial de alta patente destacou: não se pode esquecer que milhares de homens da Força Expedicionária Brasileira desembarcaram na Itália, em julho de 1944, para lutar na Segunda Guerra Mundial justamente contra o nazifascismo.
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