quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

A ERA DA DENÚNCIA SEM INVESTIGAÇÃO

Bernardo Mello Franco, O GLOBO
Depois da denúncia sem provas, surgiu a denúncia sem investigação. Glenn Greenwald não era alvo do inquérito que apura a quebra de sigilo de mensagens de autoridades da Lava-Jato. Mesmo assim, o procurador Wellington Divino de Oliveira resolveu acusá-lo de associação criminosa.
Há sete meses, o jornalista do Intercept Brasil revela diálogos incômodos para o ex-juiz Sergio Moro e a força-tarefa de Curitiba. As reportagens o transformaram em alvo do governo e de suas milícias virtuais. O presidente Jair Bolsonaro, campeão de ataques à imprensa, chegou a ameaçá-lo de prisão.
Agora a ameaça vem do Ministério Público Federal. O procurador Oliveira pediu à Justiça que o repórter seja condenado pelo antigo crime de quadrilha. Para isso, ignorou uma decisão do Supremo e um relatório da Polícia Federal, subordinada a Moro.
Em dezembro, o delegado Luís Flávio Zampronha concluiu que “não é possível identificar a participação moral e material do jornalista Glenn Greenwald nos crimes investigados”. Ele indiciou os hackers que violaram as mensagens, não o jornalista que recebeu e divulgou as informações.
Antes disso, o ministro Gilmar Mendes já havia proibido a inclusão de Greenwald entre os investigados da Operação Spoofing. Por uma razão simples: em países democráticos, a Constituição protege a liberdade de expressão e o sigilo da fonte.
O professor Thiago Bottino, da FGV Direito Rio, leu as 95 páginas da denúncia ontem à tarde. Ficou convencido de que não há nenhuma prova contra Greenwald. “O procurador escreveu que ele auxiliou, orientou e incentivou a prática de crimes. Mas não há nada nos diálogos que sustente essa visão”, afirma.
O deputado Eduardo Bolsonaro festejou a acusação vazia e tuitou, em tom de piada, que o repórter do Intercept poderá jogar futebol na cadeia com um deputado do PSOL. O presidente e seus filhos nunca esconderam que adorariam ver jornalistas e adversários políticos atrás das grades. O que espanta é ver investigadores dispostos a atropelar a lei para ajudá-los.
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