Sem o presidente Jair Bolsonaro, mas com seus rivais João
Doria e Luciano Huck, o Fórum Econômico Mundial deste ano, em Davos, pode jogar
o Brasil na constrangedora situação de país digno de uns bons puxões de orelha
por maltratar o meio ambiente, ameaçar a mídia, provocar líderes mundiais,
enaltecer ditadores e, agora, ultrapassar todos os limites trazendo Hitler e o
nazismo ao ambiente.
O puxão de orelhas deve começar com a Greta, a menina que
virou personalidade internacional pela defesa da natureza, foi chamada de
“pirralha” por Bolsonaro e devolveu com ironia. Uma adolescente dando lições em
Davos a poderosos cheios de pretensão e ideias equivocadas, não raro perigosas.
Delicioso.
Ninguém diz, mas Bolsonaro teve dois bons motivos para não
ir a Davos. Um é que certamente baixou uma baita insegurança depois do vexame
na estreia no fórum em 2019. Se mal conseguiu falar coisa com coisa quando
ainda era cercado de expectativas, imaginem agora, depois de tudo?
O segundo motivo é que Bolsonaro achou que Donald Trump não
iria. Se Trump não vai, esse encontrinho de grandes líderes internacionais,
megainvestidores, homens das finanças e do pensamento não serve pra nada. Mas a
aposta foi errada: Trump anunciou que vai, mesmo acossado pelo processo de
impeachment – ou até por causa dele.
Assim, o governo brasileiro é representado pelo ministro
Paulo Guedes, integrantes de sua equipe e os presidentes do BNDES e da
Eletrobras, que têm o que oferecer e o que pedir a investidores. Só que eles
querem falar em privatizações e concessões, mas muitos dos interlocutores
preferem ouvir sobre algo mais abstrato, mas potente: democracia.
Assim, a presença de Doria e Huck tem uma simbologia
especial. O governador leva na mala um portfólio de oportunidades e deve ter
ensaiado bem o personagem moderno, de braços abertos para investimentos, que se
coloca como alternativa a Bolsonaro. Alternativa também à direita e
conservadora, mas menos beligerante e de mais bom senso. Nem pró-Pinochet e
Goebbels nem terraplanista. Ou seja, “normal”.
E Huck? Devagar, com uma viagem daqui, uma palestra dali,
agora uma ida a Davos, ele vai construindo um nome, uma imagem, uma
candidatura. No mínimo, vai perdendo o pânico de quem pulou de véspera da
campanha de 2018, depois de aprender que o mundo de celebridades é muitíssimo diferente
do mundo hostil, ácido, da política.
E que personagem Huck apresenta no teatro de Davos? O do
cara que deu certo, quer dar sua contribuição para um Brasil melhor e está
contra “tudo o que está aí”, principalmente a pobreza, a desigualdade, a exclusão
de gerações, uma atrás da outra.
Com Doria e Huck lá, um terceiro personagem vai metendo a
cara cá, aprendendo a enfrentar curiosos, críticos ou inimigos ferozes e se
preparando para o futuro. Pode não estar claro nem para ele mesmo, mas com o
troféu de personagem mais popular do governo, mais do que o presidente, Sérgio
Moro pode não estar em Davos hoje, mas está no jogo de 2022.
Enquanto isso, Bolsonaro vai convivendo com as próprias
fragilidades, tentando remendar o que ele mesmo esgarçou. Começa a testar a
atriz Regina Duarte na Cultura, já esqueceu as denúncias contra o ministro
Marcelo Álvaro Antonio, assiste de camarote à tragédia no Ministério da
Educação e fecha olhos e ouvidos para as peripécias do seu homem da
Comunicação.
Autodeterminado exterminador das esquerdas, Bolsonaro é todo
aplausos para Ernesto Araújo, Ricardo Salles e Damares Alves – como era com
Roberto Goebbels Alvim – e já tem o culpado n.º 1 por todas as mazelas do
governo: a mídia. Bolsonaristas tupiniquins estimulam, mas o mundo, e não só o
mundo de Davos, está de olho. Huck, Doria e Moro, também.
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